segunda-feira, 28 de março de 2011

A REALEZA AFRICANA E AS RELAÇÕES HIERÁRQUICAS NO BRASIL ESCRAVISTA

ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL.
Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394.
Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais



A REALEZA AFRICANA E AS RELAÇÕES HIERÁRQUICAS NO BRASIL ESCRAVISTA

Hallyson Alves Bezerra
Graduando – Universidade Federal de Campina Grande
hallysonpensador@gmail.com
Fernando Joaquim Mendes Colaço
Graduando – Universidade Federal de Campina Grande
fernandocolasso@yahoo.com.br



Orientador: Luciano Mendonça1



O escravo negro foi imprescindível à expansão da atividade açucareira. A atividade econômica sustentada pelo tráfico negreiro foi um negócio altamente lucrativo e imprescindível para o bom funcionamento das colônias portuguesas nas ilhas do Atlântico e posteriormente na América, estendendo-se dos tempos do império até o ano de 1888, com o fim desta atividade no Brasil. Gilberto Freyre e padre Antônio Vieira enfatizaram que a cultura da cana de açúcar só se tornou possível devido à utilização da mão-de-obra africana. Na medida em que os engenhos proliferavam na Paraíba, o tráfico negreiro aumentava consideravelmente. No Brasil, em geral e com poucas exceções, o escravo sofreu maus tratos, considerados a partir de uma análise de conjuntura atual, crimes hediondos, tendo estes perdurado do século XVI até metade do século seguinte. Castigos corporais aviltantes como o ”tronco”, chicotadas incontáveis até o ponto de sangrar o corpo cansado e sofrido do cativo negro. Só este quadro justifica plenamente a resistência dos escravos, ao formarem os “quilombos”; mesmo que eles não tivessem a consciência política de pretender exterminar com a escravidão como um todo. Escravos fugiam dos engenhos por ocasião das guerras holandesas, cerca de mil foram vitimadas por epidemia de varíola, devido as péssimas condições higiênicas da época. Não se têm dados, de quantos “quilombos” se formaram na Paraíba. “Sabe-se do quilombo de Craunas” e o de “Cumbe” (remanescentes do quilombo de Palmares). Os quilombos chegaram a queimar casas, e na seca de 1877 na Paraíba saquearam para se alimentar. A comunidade de “Caiana” pode ser remanescente de antigos quilombos.
Chegando ao Brasil, a maioria dos escravos provinham de uma economia agrícola adiantada, baseada no emprego da enxada e outra baseada na charrua, esta surgente após a chegada dos rebanhos bovinos e eqüídeos orientais. As

1 Doutor em História. Professor da Unidade Acadêmica de História e Geografia da Universidade Federal de Campina Grande.
ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL.
Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394.
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confluências das condições sócio-econômicas, em que os escravos se encontravam na nova terra com a terra de onde saiam eram grandes, tais situações como o modo de plantio que era quase que idênticos às condições encontradas na África, no tocante ao que se refere ao sistema político, que por sua vez, era semifeudal dava-lhes total possibilidade as adaptações mágico-religiosas.
A vida econômica dos negos Iorubas no Brasil teve que ser moldada aos costumes da cultura dominante, convém destacar que alguns escravos se adaptaram melhor devido às condições de vida nas suas aldeias. Contudo houve uma transferência de valores religiosos baseados nas condições sócio-econômicas similares a sua na África. Quando os escravos africanos chegaram ao Brasil já encontraram o catolicismo implantado na América, que lhes reservavam os aspectos transfiguradores. Sendo certo que as religiões feiticistas não se fundamentaram com nenhuma forma de coro ideológico, como o catolicismo e o islamismo, não foi difícil, com o correr dos tempos, sincretizar as religiões mais predicativamente estruturadas que zelosamente guardando a sua mais poderosa arma de proselitismo: o feitiço, este nada mais é do que uma palavra dada pelos portugueses em África para designar os artefatos africanos, significava falso, artificiais, contrafação, naturalmente dada a função dos objetos sagrados como receptadores de divindades.
A posição linear das situações sócio-econômicas jacentes entre a costa ocidental africana e a costa oriental brasileira abriu caminho a uma adaptação no Brasil das cargas religiosas que acompanharam o complexo étnico-mítico-místico. Esta escravaria, por sua vez, foi espalhada nas fazendas, engenhos e casas urbanas do complexo latifundiário do Sul (plantio de subsistência e o café) no Norte (cacau, milho e gado) e do Nordeste (cana-de-açúcar e gado). Os africanos aqui no Brasil não mudavam sua condição servil anterior, sendo justamente essa, que faziam recorrer aos fantasmas da magia feiticista e a ela acorrentar-se como a única forma de moldar-se a convivência com a própria deidade, e pelo menos, obter uma proteção, uma segurança. Só não compreendia que escolhia a maneira de continuar escravos de 02 (dois) senhores, mas mesmo assim o faziam como forma de fuga da realidade social em que viviam.
A participação da classe média nessas manifestações mágicas sofre a atração do mistério e das crenças nas profecias, nas adivinhações e nos trabalhos de cura praticados pelos invisíveis ou por forças mentais já distribuídas nos terreiros da parapsicologia.

ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL.
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Ao mesmo tempo não é novidade a presença entre os cativos entrados no Brasil de reis príncipes e princesas vencidos nas guerras intertribais e em seguida vendidos aos escravocratas, esses reis haveriam de manter sua hierarquia entre os escravos a eles submetidos em África e ao mesmo tempo assegurar a implantação dos deuses representativos do poder, assim fundia em uma só figura o rei e a divindade. Se no Brasil os africanos perdiam os impérios de suas dinastias pelos menos resguardavam através dos seus êmulos deificados uma vassalagem aos velhos títulos. No entanto tudo se ajustava, quase que perfeitamente, ao sistema latifundiário.
Não queremos dizer aqui que os elementos da recriação mágico-religiosa dos negros escravizados aqui no Brasil dependiam apenas do sistema agropastoril. Havia também a recriação desses elementos nas vilas, assim como nas pequenas cidades, porém nessas encontravam-se agregadas com o artesanato, ao comercio como a venda de doces em tabuleiros. Onde estivesse um membro da sociedade secreta africana um feiticeiro embarcado de cambulhada com o seu rei, seria possível a reinstalação dos cultos anteriormente dispersos, dos candomblés alhures silenciados.
O salva ou a permanência da essência estava na vontade de continuar os serviços, a oferenda como à entrega de inhames, milho, dendê, camarão, feijão entre outros ingredientes, e que certa forma ainda permanece vivo até os dias atuais. Mas tais maneiras de manter as raízes, não era tão fácil. O sistema escravocrata, ainda que mitigado por alguns senhores, era terrível em seus aspectos gerais, mesmo que dantescas fossem as rázias africanas.
Na busca de manter cada vez mais forte sua forma de vida o mais próximo do seu cotidiano lá na África os negros africanos limitavam-se a justapor os santos católicos aos deuses de suas próprias crenças, considerando-os como de categoria igual, se bem que perfeitamente distintos; tratando-se apenas de uma ilusão de catequização. A influência modificadora do meio foi muito forte, a mitologia africana perdera sua pureza primitiva e a adoração feiticista se transportava às próprias imagens dos santos. Se os escravos havia e há ainda simples justaposição das idéias religiosas bebidas no ensinamento católico cristão.
Às idéias e crenças feiticistas trazidas da África possuíam tendências de manifestações e incoercíveis a fundir essas crenças, e a identificar esses ensinamentos. No entanto faz-se necessário lembrar que o sincretismo mágico-mítico-religioso aqui descrito não é nem um fenômeno recente, nem um fenômeno estritamente localizado, é constante o aparecimento de seitas místicas conjugando

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os deuses e divindades africanas, com os santos católicos, e com os elementos culturais indígenas, mesmo que de forma pitoresca. No Brasil o sincretismo é um fenômeno antigo existente desde o inicio da colonização, salientando tal aspecto não só são encontrados apenas no Brasil mais também em toda América católica.
Vemos também as irmandades religiosas como símbolos de resistências, as festas religiosas ocuparam um local de destaque, pois as ruas cediam lugar para: o colorido dos enfeites, a alegria das músicas, a “coreografia” das danças, o séquito de religiosos que seguiam os ícones devocionais sustentados por inúmeros andores. Era um dos momentos mais marcantes da existência humana, naqueles tempos em que uma parte da consciência oscilava entre a dramaticidade da vida cotidiana e o deleite da teatralidade religiosa barroca.
Para tal encenação, as irmandades religiosas contribuíam vitalmente. Cada uma carregando em seu nome oficial a referência de sua devoção principal, para a qual organizavam uma festa anual em homenagem à sua invocação celestial predileta.
Porque homenagear com festas suas devoções religiosas? Quais os tipos de relações a Igreja, encarnadora da ordem estabelecida estabeleceu com as festividades das irmandades leigas? Qual a importância destas homenagens festivas para os fiéis de tais irmandades?
As irmandades nasceram junto com a própria sociedade escravocrata. Elas tentavam cobrir um vazio deixado pela Igreja e pelo Estado - ambos ausentes nos primeiros decênios da exploração do território do Brasil - como a organização do culto cristão e as assistências sociais tão necessárias àqueles aventureiros, cujas vidas eram marcadas pelo desejo do enriquecimento fácil, pela solidão e incertezas da aventura intinerante, pelo ilusório eldorado e pelas intempéries cotidianas muito comuns em um contexto econômico, social e político em formação. Neste ponto, o orçamento das irmandades negras, concentrava - se um dos focos de tensão entre Igreja e tais irmandades.
A festa ocupava um lugar central na existência destas associações leigas, o que pode ser percebido na relação de gastos delas ao longo do ano, exemplo típico dessas manifestações de festividades religiosas encontramos em quase todo país a Festa de Nossa Senhora do Rosário, festa esta dada como padroeira dos escravos africanos, permanece cultuada pelos afro-descendentes em várias regiões do País. A festa é realizada no primeiro domingo de outubro, quando a igreja realiza missa solene, coroação de Nossa Senhora, almoço para a comunidade. Nesse dia, o povo sai em procissão pelas ruas, cantando e

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acompanhando a banda de música, as crianças vestem-se de anjos, cumprindo as promessas dos pais, os irmãos e irmãs carregam os andores, o rei e a rainha as coroas, lembrança dos reisados e congadas. A devoção a Nossa Senhora do Rosário se origina por volta de 1200, em Colônia (Alemanha). Logo a devoção se propagou, sendo levada também por missionários portugueses ao Congo.
No Brasil, ela foi adotada por senhores e escravos. No caso dos negros, ela tinha o objetivo de aliviar-lhes os sofrimentos infligidos pelos brancos. Os escravos recolhiam as sementes de um capim, cujas contas são grossas, denominadas "lágrimas de Nossa Senhora", e montavam terços para rezar. Hoje a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos é uma referência para movimentos de consciência negra, porque apresenta uma tradição religiosa que remonta aos tempos dos primeiros escravos.
Cada irmandade identificava - se, de um modo geral e não exatamente, com os diversos setores que compunham aquela sociedade em formação. As associações em torno de nossa senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia eram mais comuns aos negros e mulatos pobres. Tantos estas como as outras associações faziam festas em louvor a suas devoções como uma forma de agradecê-las pela proteção social que se imaginava obter pela intercessão delas naquele mundo inseguro e incerto, repleto de calamidades sociais, como a fome, a doença e a morte sempre iminentes devido às limitações da produção e abastecimento de alimentos, comuns nos primeiros momentos da colonização em Minas Gerais, bem como da carência dos conhecimentos médicos, tão rudimentares quanto outras áreas do conhecimento técnico vigentes na época.
Os “bons serviços prestados” do cativo, dificilmente aparecem em legados senhoriais, por vezes é necessário o garimpo em fontes quase estéreis do cotidiano de escravos, como é o caso das escrituras de compra e venda de escravos. Mas, afora todas as dificuldades na revelação de detalhes do seu dia-a-dia, os escravos da cidade se especializaram em determinadas profissões, então, consegue-se verificar uma das interpretações da resistência escrava, mais do que sobrevivência num mundo escravista, os cativos desenvolveram a sua resistência e luta nas fraquezas senhoriais (como o próprio trabalho), possibilitando-lhes horizontes de expectativas com possíveis ganhos na qualidade de vida.
A resistência escrava sob a representação do poder moral do senhor não foi de fácil interpretação nas fontes documentais estudadas durante a pesquisa, mas de uma difícil e trabalhosa leitura, assim como de um exercício compensatório e cuidadoso da interpretação das escritas senhoriais e podemos dizer oficiais. A

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utilização, quando assim fosse necessário, do Direito Positivo (leis escritas, elaboradas pelo Governo) e do Direito Costumeiro (leis não escritas, mas costumeiramente acionadas pela sociedade), foi proporcionada pelas intrincadas redes de alianças tecidas pelos escravos com outros escravos e, também, com libertos, homens livres e senhores da sociedade do século XIX. Tais alianças estariam em nível da senzala e, também, da casa grande, proporcionando a proximidade e a possibilidade de relações horizontais que colocaram os cativos em contato com a prática da liberdade. Pode-se dizer que, muito provavelmente, esta foi uma das experiências essenciais no trânsito da escravidão à liberdade.

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Referências Bibliográficas
SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil Escravista: história da festa de coroação do Reio Congo. Belo Horizonte; Editora UFMG, 2002

FREIRE, Gilberto. Casa Grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro: Maia & Schmidt, 1933. 517p.

GALLIZA, Diana Soares de. O Declínio da escravidão na Paraíba: 1850 – 1888. João Pessoa, EDUFPB, 1979.

MEDEIROS, Maria do Céu. O Trabalho na Paraíba Escravista (1585-1850). In: O Trabalho na Paraíba: Das Origens à transição para o trabalho livre. Vol. I João Pessoa:

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