Maria Dirlene Trindade Marques
A questão da violência contra a mulher
passou a ser uma agenda de toda a sociedade. Porem,
a violência reconhecida e repudiada é a violência física,
por deixar marcas visíveis. Isto é apenas a ponta do iceberg. A violência tem diversas outras formas, deixando
marcas invisíveis por toda a vida como a violência psíquica (ações que
levam à desvalorização e causa intenso sofrimento como as
ameaças, humilhações exigência de obediência os
insultos, controle de saída de casa, humilhação em
publico, desqualificação etc.); a sexual
(impondo uma relação sexual contra sua vontade); social
(comportamento que busca o isolamento com o objetivo de
sua fragilização); econômica (controlar o dinheiro para manter
a dependência econômica); Estado (que legisla e controla nossas
vidas). São formas de violência que atinge a todas as
mulheres, desde a infância ate a velhice, estabelecendo
uma relação de poder, de opressão. Com isto
se mantém e reproduz
a submissão. Submissão tão necessária para
a lógica do capital, que ao desvalorizar 51% da população,
pode pagar salários inferiores para o mesmo tipo de trabalho e
ainda tem o trabalho domestico sendo executado de forma gratuita. Assim, as
mulheres acumulam no mínimo, duas jornadas: o trabalho domestico e
o trabalho assalariado. Isto garante a ampliação do lucro
e, o mais importante, é a naturalização do que é o Ser Mulher,
garantindo a manutenção e reprodução do capitalismo.
É o movimento de mulheres que vai denunciar que a exploração e
a opressão se combinam e se fortalecem, fazendo parte de um mesmo
processo.Para garantir esta situação a ideologia cumpre um papel
fundamental, e através de piadas, brincadeiras, "elogios"
reforçam
a discriminação através de máximas como: o homem
é duro, não chora, é racional, tem consciência, faz o trabalho
produtivo. O homem é valorizado pela sua força, pelo seu cérebro,
pela razão. Por isto, ele dá conta do espaço publico, da disputa, da
competitividade. A mulher é
sentimento, emoção, coração. É sublime, mártir, doce, meiga e
chora. Sendo portanto passiva, quieta, rainha do lar reforçando assim o seu
lugar: o espaço domestico. Quem ainda não ouviu máxima como: o homem
discute e a mulher faz fofocas. Não é por acaso que se referem ao ser
humano como HOMEM. Não é por acaso que quando tem 50 mulheres e
1 homem, se usa o substantivo masculino. Assim, vai se naturalizando os
comportamentos. E se constituem 2 seres diferentes sexualmente e
desiguais socialmente motivando a bandeira do movimento: “diferentes
mas não desiguais”. Esta desigualdade serve ao homem e ao capital.
Tornando nossa luta muito mais abrangente, tendo de articular a luta
contra o capitalismo e a luta contra o patriarcalismo.
A violência sexista afeta portanto a toda nossa
vida. Só a nossa unidade, nossa energia, nossa capacidade de
auto-organização para enfrentar toda a violência que se abate sobre nós e
que muitas vezes, nem é reconhecida como violência. Sabemos que a luta das mulheres nunca
foi fácil. Desde o direito ao voto ate hoje, as mulheres lutam por
mudanças. As conquistas são a custa de muita luta.
A Lei Maria da Penha (LMP) foi uma conquista do
movimento feminista e das mulheres. A lei é o reconhecimento de que o privado é
publico e é responsabilidade do estado e da sociedade, quebrando a dicotomia
entre o publico e o privado, derrubando a lógica histórica de que em
“briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Esta lei procura
assegurar o direito a integridade física psíquica sexual
e moral. Constitui assim, um grande avanço na luta histórica da violência
sexista, trazendo um caráter educativo pois denuncia que a mulher e a
menina não são propriedades dos homens, que
ele não pode cometer violência impunemente. Mas, para sua
efetividade, tem de ter os equipamentos necessários o que ainda
está longe de acontecer. Faltam casas apoio, policia preparada para receber a
denuncia, judiciário eficiente para agilizar os processos.
As conquistas são frutos de muitas
lutas e, se o movimento não fica atento, elas são perdidas.
Esta é a lógica: se o movimento recua, as elites conservadoras avançam,
procurando alterar a legislação existente, retirando direitos. Hoje
se discute a elaboração de um novo código penal que traz
grandes retrocessos nas conquistas já alcançadas.
Temos vários estudos aprofundando a compreensão do
novo código. Vou citar aqui alguns retrocessos nele contido, sem esgotar
toda sua análise: um grande avanço da LMP era que qualquer
pessoa poderia manter a denuncia da violência. Neste novo código, a mulher
terá que entrar com uma queixa-denúncia e poderá retirá-la a qualquer momento, prevê
a substituição da pena (por medidas alternativas), no crime de lesão corporal,
incluindo os casos de violência doméstica, não se leva em consideração
o crime de seqüestro realizado por cônjuge, marido, companheiro(a); -
prevê a exclusão do estupro mediante fraude, ou seja, aquele estupro
realizado por meio de drogas ("boa noite Cinderela" e
bebidas alcoólicas e etc) ou outras formas que impossibilitem o
consentimento da mulher, não se menciona o estupro coletivo (realizado
com o concurso de várias pessoas ou por um agente em várias mulheres), nem o
estupro corretivo (aquele realizado com a finalidade da "cura" da
lesbianidade), equipara a exploração sexual à prostituição, não reconhece
as alterações psicológicas que ocorrem com a mulher durante e
pós-parto, que continuam sendo punidas. E, junto com todos os trabalhadores,
nossos direitos foram restringidos quando o governo baixou a Medida Provisória que muda as
regras de concessão de benefícios previdenciários, como auxílio-doença, pensão
por morte, aposentadoria por invalidez que vai atingir em especial as mulheres
e pobres. O 8 de março é um dia
que as mulheres vão as ruas para denunciar
a discriminação para toda a sociedade e trazer as suas reivindicações.
Neste ano, estamos de novo nas ruas e conclamamos a todas/os que querem uma
sociedade igual e livre de toda forma de discriminação, que se juntem a
nós.
Um outro mundo é possível
Um outro Brasil é necessário.
Um comentário:
Temos que estar o tempo todo atentas(os), pois sabemos que um país que tem no seu histórico anos de coronelismo e ditadura está propenso a retrocessos.
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