quarta-feira, 21 de abril de 2010

África do Sul

África do Sul
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Morte de extremista traz de volta tensão de apartheid ao país da Copa
Durante a democratização da África do Sul, o líder radical Eugene
Terre’Blanche quase levou o país à anarquia. Sua morte agora ameaça
causar mais tensão, às vésperas do mundial de futebol.
Ele estava determinado, junto com seus seguidores fortemente armados,
a manter o regime de apartheid na África do Sul e a avançar com uma
campanha de protestos e ataques destinados a impedir as primeiras
eleições democráticas no país em 1994.
Apesar de ser ridicularizado e desprezado por muitos, ele perseguiu
seu objetivo de exigir uma pátria para o povo africâner. Reunindo a
adesão de mais de 70 mil pessoas no auge de sua popularidade,
Terre'Blanche liderou seu exército próprio, ameaçando a população
local e todos aqueles entre seus seguidores que ousassem desafiar sua
liderança.
Com seus esforços fortemente focados em seus ideais de supremacia
branca, ele liderou no começo dos anos 90 uma invasão armada ao prédio
onde ocorriam negociações políticas sobre uma nova Constituição
democrática. Mas, apesar de suas tentativas de derrubar os planos de
Nelson Mandela e das delegações de negociadores, as eleições foram
pacíficas e abriram o caminho para a democracia.
Agora, o assassinato brutal de Terre'Blanche, supostamente pelas mãos
de seus trabalhadores rurais, mais uma vez levantou o fantasma do
conflito racial.
Fraco e sofrendo de um problema cardíaco, o líder de 69 anos do
ultradireitista AWB ("movimento africâner de resistência", na sigla em
africâner) foi espancado e morto no fim de semana a golpes de facão em
sua fazenda em Ventersdorp, no noroeste da África do Sul.
Dois de seus trabalhadores, um deles com 15 anos, já compareceram ao
tribunal, acusados de homicídio. (O caso foi adiado até 14 de abril).
Assassinato tem motivos políticos
A morte parece ter sido provocada por uma briga por salário. Mas logo
se atribuiu uma motivação política para o assassinato, devido a uma
polêmica envolvendo Julius Malema, líder da juventude do partido que
governa o país, o Congresso Nacional Africano (ACN).
Durante seus numerosos discursos, o jovem agitador provocou tensão
racial ao entoar frequentemente uma canção contendo a frase "mate os
boers" (agricultores brancos descendentes dos primeiros colonos
europeus).
A controvérsia sobre a canção foi violenta nas últimas três semanas e
levantou, em particular, a ira dos africâneres, que afirmaram que a
canção poderia incitar a violência contra eles.
Canção proibida
Semana passada, o Supremo Tribunal do país proibiu a execução da
música, classificando-a como uma "incitação ao ódio" nos termos da
Constituição sul-africana. O ACN afirmou que apelaria da decisão,
dizendo que a canção é histórica e uma importante relíquia da luta
antiapartheid.
O jovem líder carismático, que tem atraído um grande número de
seguidores na África do Sul, alimentou a ira de muitos ao levar a
música para além das fronteiras no último final de semana, entoando a
canção também no Zimbábue, onde a situação política já está bastante
carregada. Muitos fazendeiros brancos foram expulsos de suas terras e
alguns assassinados.
"Depois dos dois incidentes, o presidente sul-africano, Jacob Zuma, se
apressou em interceder, tentando acalmar os ânimos, apelando aos
líderes políticos para que pensem bem antes de fazerem declarações que
possam inflamar as tensões raciais. "É importante que todos os líderes
- de partidos políticos a organizações não governamentais - se unam
para pedir calma no país", disse ele, em entrevista no início desta
semana.
Tensão racial crescente
Os líderes políticos da oposição também opinaram sobre o debate. O
líder da oposição oficial da Aliança Democrática, Helen Zille, pediu
uma reunião urgente com o presidente Zuma, após o assassinato de
Terre'Blanche e o surgimento do que ela chama de "incidentes
racialmente polarizados".
Zille disse aos jornalistas que os casos recentes de intolerância
racial, incluindo o uso da música nesse contexto, quase desfizeram
tudo o que o país construiu nos últimos 16 anos. Ela apelou para que
tais canções sejam sepultadas em arquivos e museus.
Mas alguns analistas políticos dizem que é irresponsável associar o
assassinato de Terre'Blanche à música. Segundo Aubrey Matshiqi,
pesquisadora do Centro para Estudos de Políticas Públicas de
Johanesburgo, o momento em que a música foi entoada foi uma
coincidência infeliz.
"Devemos permitir que o processo judicial tome seu curso", disse ela à
Deutsche Welle. "Há uma aparente ânsia por parte de alguns grupos e
partidos políticos para estabelecer uma associação entre os dois
fatos. As pessoas veem isso como uma oportunidade para confirmar seus
preconceitos preexistentes".
"Mas a hora não poderia ter sido pior", disse à Deutsche Welle a
professora adjunta de política da Universidade da Cidade do Cabo,
Raenette Taljaard. "Ambos os lados podem igualmente aumentar as
tensões raciais".
Ela acredita que símbolos como a antiga bandeira sul-africana da era
de apartheid, emblemas neonazistas usados por membros da AWB, assim
como as canções de luta antiapartheid devem "permanecer no sótão, na
caixa etiquetada de 'história'."
Todos os olhos na África do Sul
A África do Sul está consciente de que precisa agir em conjunto para
diminuir as tensões raciais, visando a Copa do Mundo de 2010, que
acontece dentro de dois meses.
Sul-africanos de todas as cores vêm apostando há anos no evento,
investindo bilhões de euros na construção de estádios modernos, e em
infraestrutura de transportes e turismo. Taljaard acredita que esta
última controvérsia "não vai contaminar a empolgação com a Copa do
Mundo".
Mas ela acredita que as ameaças de racismo têm de ser tratadas com
grande sensibilidade, de modo que a percepção sobre a África do Sul
não seja ofuscada por incidentes graves, porém isolados.
"Com a contagem regressiva para a Copa do Mundo, temos de ter cuidado
para que não acabemos caindo em estereótipos", diz o líder do partido
conservador Frente da Liberdade Plus, Pieter Mulder.
Mulder, que representa o interesse de muitos africâneres, diz que tem
esperanças de que o presidente Zuma, juntamente com outros líderes
políticos, terá mão firme para sufocar a tensão racial. "O acordo de
1994 para a democracia não é automático. Deve ser resguardado por
líderes sábios, líderes moderados em todos os lados."
Embora a tensão renovada tenha provocado arrepios coletivos no país,
parece haver um número suficiente de líderes sábios e moderados em
todos os lados para evitar a repetição das ameaças de anarquia racial
que quase devastaram o país na transição para a democracia.

Autor: Kim Cloete (md)

Revisão: Carlos Albuquerque

Deutsche Welle

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