segunda-feira, 5 de março de 2012

MULHER E NEGRA

Uns dos alertas do movimento negro, no Brasil, quando se toca a questão da mulher é de que "a luta contra a múltipla discriminação sofrida pela mulher negra não pode e nem deve ser vista como apêndice do avanço de consciência provocado pelo movimento feminista". (MNU, 1990, p.6). Também não se restringe à identificação e divulgação das heroínas negras que, no passado, tanto contribuíram no processo de libertação do povo negro, e que hoje constituem exemplos inegáveis de resistência. Tais como:
1)Nzinga Mbandi(1582-1663) Rainha e grande líder africana de Angola;
2)Tereza de Quariterê, rainha do quilombo de Quariterê durante duas décadas, no séc. XVIII;
3)Luiza Mahin (1812- ?) inteligente, rebelde participante da Guerra dos Malês, na Bahia,mãe de Luiz Gama;
4)Maria Firmina dos Reis (1825- 1921), Maranhense, em 1847 conseguiu sua nomeação para o Ensino Oficial por concurso. È considerada a primeira romancista brasileira, seu livro Úrsula foi publicado com pseudônimo Uma Maranhense, em 1859. Nele a autora já denunciava a escravidão, mostrando a contradição entre a fé cristã professada pela sociedade e a crueldade do regime escravagista, com seus castigos, torturas e humilhações;
5)Auta de Souza (1876- 1901) nascida em Macaíba, Rio Grande do Norte, poeta publicou o livro "O Horto", escrevia versos emportuguês e francês na imprensa de seu estado;
6)Antonieta de Barros (1901- 1952) natural de Florianópolis, Santa Catarina, educadora, jornalista, escritora e a primeira mulher eleita à Assembléia Legislativa de seu estado;
7)Carolina Maria de Jesus (1914- 1977),mineira, vai morar em uma favela do Canindé, bairro da capital paulista, torna-se escritora. Quarto de Despejo, seu livro publicado em 1960 que foi traduzido em 13 idiomas;
8)Lélia Gonzalez (1935 – 1994), mineira, doutora em antropologia, militante fundadora do Movimento Negro Unificado – MNU. Feminista negra escreveu o livro "O lugar do Negro" em 1982.
Isto para citarmos alguns dos nomes mais expressivos. Há muitos mais.
A trajetória da mulher negra, na sociedade, é permeada pelo mito da história oficial ou com a qualificação dadapelo movimento negro: historiografia oficial. Essa historiografia quando não a invisibiliza deturpa sua imagem. Historicamente, a maioria dos povos não-brancos tem sido submetida à opressão e exploração. No caso, específico, da mulher negra essa mazelas são acentuadas pela tripla discriminação de que são vítimas: de gênero (por parte de homens negros e não-negros); de raça/etnia (por serem negras, são afetadas pelas manifestações do racismo: a discriminação racial e o preconceito racial)e de classe ( em sua maioria estão alocada nos seguimentos mais despossuídos da sociedade).Se pela ótica das classes dominantes (androcêntrica, euro-étnocêntrica, elitista e judáico-cristã) que detém o controle dos meios de produção social o colonizado, "o proletariado", o negro, as mulheres, homossexuais, etc são reduzidos ao silêncio qual não será a situação da mulher negra?Para responder a essa indagação deveremos fazer um passeio pela "história silenciada. História que sempre foi contada por homens brancos que subordinaram os direitos, deveres aspirações das mulheres, aos seus interesses. Houve períodos onde a mulher desempenhava relevante papel social, participando de atividades coletivas de seu grupo social.Com o advento da propriedade privada a mulher é confinada ao mundo doméstico e subordinada ao jugo machista do chefe da família. Se a antropologia fala sobre a "construção" social da mulher – que varia de acordo com a expectativa de cada sociedade a respeito dos papeis que a mulher deve desempenhar, como serão esses papeis para a mulher negra ?Se os modelos, que são importantes para o funcionamento da sociedade, para a educação das crianças e a partir da imitação e que definem a expectativa em torno do comportamento desejável em cada comunidade, quais serão eles para as crianças negras?
Aí, reside o foco de nossa proposta de discussão.
O mito da feminilidade está em estereótipos que nem sempre são válidos para as mulheres negras, senão vejamos: para a mulher não-negra são impingidos como válidos e "naturalizados" os padrões como: sensível, delicadas, altruísta, etc. Todos estes estereótipostêm cunho preconceituoso, danoso e cruel. Porém, em se tratando da mulher negra, além desses, agrega-se a discriminação e o preconceito racial.
Neusa Santos Souza, em Tornar-se Negro, diz:
Saber-se negra é viver a experiência de ter sidomassacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienada. Mas é também, e, sobretudo, a experiência comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades.
(SANTOS, 1983, p.17-18).
Assim como, os estereótipos que estão subjacentes à dominação machista os do preconceito racial estãopara justificara discriminação racial – manifestaçõesa serviço do racismo. Além destes estereótipos encontramos aqueles ligados a classes sociais que garantem a manutenção das desigualdades, principalmente, em uma sociedade capitalista dependente.

A ESCOLA INCLUSIVA


Para desconstruir este quadro são necessárias inúmeras intervenções, porém, uma é primordial: na educação. Entendemos que somente uma educação baseada no respeito à diversidade minimizaria as seqüelas existentes e eliminaria este tripé desumanizador – no futuro. A professora mestra Ilma Fátima de Jesus (1981) nos alerta que:
A presença do sexismo na escola revela a necessidade de se refletir sobre os preconceitos da sociedade. O sexismo nas escolas e nos manuais escolares não influencia apenas as aspirações educacionais e profissionais das meninas. Age também sobre a percepção que cada sexo tem do outro.
(JESUS, 1981, p.51)
Reforça com citação de Verena Stolcke que assevera:"
"[...] a insatisfação das mulheres negras com a falta de sensibilidade das feministas brancas em relação às formas de opressão específicas acrescentou uma nova questão à agenda feminista, ou seja, de que modo abordar a maneira como gênero, classe e raça se cruzam para criar não apenas fatores comuns, mas também diferenças nas experiências das mulheres.
(JESUS, 1981, p. 54).
Para ser inclusiva a escola tem de abandonar idéias retrogradas que remontam desde a Constituição outorgada de 1824, que negava direito ao estudo para a população negra e/ou afro-brasileira. As reformas educacionais, passando pela escola tradicional até a escola nova, não conseguiram atingir a construção de identidades narrativas de libertação. No final do túnel há uma luz: a Lei 10.639, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Leis esta decretada pelo governo federal, após anos de lutas e reivindicações dos segmentos do movimento negro.A população negra já deu sua contribuição. Aguardamos, agora, a sensibilização dos demais setores da sociedade para sua implementação e assim tornarmos a educação em consonância com os pilares do conhecimento.


CONCLUSÃO


Abordar a questão da mulher numa perspectiva negra sempre foi um exercício buscado há muito tempo, entretanto, não nos sentimos satisfeitos devido a enorme gama de fatos históricos que poderiam e deveriam ser explorados, contudo, a exigüidade do tempo nos impossibilita. Esperamos ter atingido nossos objetivos principais, ou seja, atender ao desafio proposto e suscitar uma reflexão sobre a situação da mulher negra na educação.

REFERÊNCIA:


ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF, 2004.
GONZALEZ, Lélia. Hasenbalg. Lugar de Negro. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1982.
JESUS, Ilma Fátima de. Educação, Gênero e Etnia: um estudo sobre a realidade educacional na comunidade remanescente de quilombo de São Cristóvão, Município de Viana, Estado do Maranhão. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação – Centro de Ciências Sociais da Faculdade Federal do Maranhão, São Luís, 2001).
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se Negro. 2. ed. Rio de Janeiro, Graal, 1983.
MACLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo, Cortez, 1997.
MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO – MNU. Mulher Negra. Força Rara. Biblioteca Lima Barreto. Série Formação. Salvador, MNU, 1998.
Programa de Ação – Estatuto. Salvador, 1990.
PACAVIRA, Manuel Pedro. NZINGA MBANDI. 3. ed. Luanda, 1985.
PACHECO, Mário Victor de Assis. Racismo, Machismo e "Planejamento Familiar". 3. ed. Petrópolis,Vozes, 1984.
QUINTAS, Fátima (org.) Mulher Negra: Preconceito, Sexualidade e Imaginário. Recife, Massangana, 1995.

Nenhum comentário: