quarta-feira, 6 de julho de 2011

João Paulo Alves Soares Monografia Politicas Afirmativas para Afro Brasileiros


Introdução
O Estado brasileiro, notavelmente nos últimos dez anos, vem dotando políticas de acções afirmativas em benefício da população negra do país. Tal postura do governo brasileiro abre espaço para formulação de uma análise histórica a respeito dos fatores que levaram a sociedade brasileira, no decorrer de sua formação e desenvolvimento, a excluir de forma económica, social e cultural os indivíduos de origem e descendência africanas.As problemáticas dos desníveis,da discriminação e do preconceito no âmbito das ralações raciais humanas são comuns em diversas organizações de sociedades construídas e dissolvidas no decorrer do campo da Historia. Principalmente ao colocar em análise sociedades contemporâneas multirraciais como as constituídas no continente americano, cabe aqui exemplificar, a sociedade brasileira e a norte americana. A heterogeneidade nas formas políticas dessas nações em combater os reflexos negativos originários das desigualdades etnológicas é o que provoca as suas peculiaridades.
No Brasil a atual polêmica notada em vários setores da sociedade demonstra que as ações do governo brasileiro em termos de promover a equidade étnica no país se esbarram em privilégios historicamente usufruídos por uma pequena parcela de sua população ou na incompreensão da mesma em lidar com um problema historicamente constituído desde sua formação. O conceito de políticas ou ações afirmativas segundo Gomes (2001apud DOMINGUES, 2005, p.166) é, “um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate da discriminação de raça, gênero etc., bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado”
As políticas afirmativas voltadas para promover a igualdade étnica têm a sua gênese nos Estados Unidos na década de 60 do século XX. Para Menezes (2006, p.85)
Tais políticas surgiram na linguagem legal norte-americana e mundial em um discurso do presidente Jonh Kenedy na criação do Comitê de Oportunidades Iguais de Empregos. Nesse contexto, ação afirmativa significava um meio de assegurar práticas de contratação nos diversos setores do mercado de trabalho sem o critério da raça, ou seja, uma proibição da discriminação.
Naquele período existiam em vários Estados norte-americanos termos legais que segregavam em vários espaços civis como transportes coletivos, estabelecimentos educacionais, bairros, cinemas entre outros os indivíduos da etnia negra com os pertencentes à etnia branca. Porém tais leis passaram a ser questionadas pelo movimento negro norte americano o qual através de varias ações pressionou o governo a revogar os mecanismos legais segregacionistas e promover políticas públicas de inserção da população negra na dinâmica da mobilidade social norte-americana.
No Brasil, o preconceito etnológico em relação à população negra criou dimensões ocultas. Diferentemente da sociedade norte-americana onde o estado, na década de 1960, assumiu a existência de desigualdade raciais no seu corpo social possibilitando assim o debate e as possíveis soluções, a sociedade brasileira não reconhece o seu caráter preconceituoso em relação a uma grande parcela de sua população composta pela etnia negra.Tal postura do Brasil em lidar com sua problemática racial tem suas raízes históricas.
Com abolição legal da escravidão negra no Brasil, nas ultimas décadas do século XIX, e a dispensa da mão de obra escrava negra da produção agrícola do país, setor económico o qual absorvia o maior numero de escravos, a discussão em torno das relações raciais passa a ocupar espaço no circuito intelectual brasileiro na medida em que aumentava as mazelas sociais causadas pela marginalização de grande parte dos ex-escravos brasileiros e seus descendentes.Sinalizando assim a necessidade de formulações de políticas por parte do Estado no combate aos problemas causados pela assimetria social entre brancos e negros no país. No entanto, inúmeros fatores políticos, económicos e ideológicos contribuíram para que o estado e a sociedade brasileira negligenciassem, praticamente por todo o século XX, os problemas provenientes das diferenças raciais.
No final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, inicia em diversos países europeus a difusão de diversas teses voltadas para os estudos das raças. Tais estudos são influenciados pelos avanços que estavam ocorrendo no campo das ciências biológicas. Inúmeros cientistas em seus estudos objetivavam diagnosticar diferenças biológicas existentes entre as raças. Tais discussões criaram as condições para surgir o denominado racismo cientifico e a proposta do branqueamento da população brasileira em detrimento do povo negro. A difusão do racismo cientifico na mentalidade mundial, no inicio do século XX, criou o pano de fundo para o surgimento de políticas estatais que visaram a segregação e a eliminação racial em diversos países como ocorreu respectivamente nos Estados Unidos e na Alemanha de Hitler.
No decorrer do século XX com a crise do racismo cientifico e nas crenças nas desigualdades biológicas entre as raças humanas começa a erigir na intelectualidade brasileira teses as quais vão contrapor o fator negativo da miscigenação racial no Brasil. Tal tese, amplamente difundida no Brasil, foi denominada de teoria da democracia racial. Diversos são os intelectuais e políticos brasileiros que passaram a compactuar em suas obras com a teoria da democracia racial no Brasil. E o expoente dessa tese fora Gilberto Freyre.
Em seus estudos Freyre ressaltou que a miscigenação das raças no Brasil foi positiva e que historicamente negros, brancos e indígenas conviveram harmonicamente na sociedade brasileira e possuíam relações pautadas na igualdade e na reciprocidade. Mas o fato é que tanto a teoria da democracia racial quanto a do branqueamento da população contribuíram consideravelmente para o preconceito e a discriminação em relação à população negra assim como “maquiar” a realidade social entre brancos e negros marcada fortemente pela assimetria social.
A teoria da democracia racial no decorrer do século XX vai começar a perder espaço nos círculos intelectuais brasileiros, principalmente a partir das década de 60 , 70 e 80 .Naquelas décadas a democracia racial vai ser objeto de varias criticas de diversos intelectuais brasileiros.Tais estudiosos de diversas maneiras vão levar à tona as históricas desigualdades entre brancos e negros na sociedade brasileira.Fazendo com que vários setores da sociedade brasileira, principalmente o movimento negro, inicie a luta contra a real e adversa situação desfavorável do segmento afro brasileiro levando o Estado a promover políticas públicas em prol da equidade racial no país.
Em suma, trazido como imigrante forçado e, mais do que isto,como escravo, o negro africano e os seus descendentes contribuíram com todos aqueles ingredientes que dinamizaram o trabalho durante quase quatro séculos de escravidão. Em todas as áreas do Brasil eles construíram a nossa economia em desenvolvimento, mas, por outro lado, foram sumariamente excluídos da divisão dessa riqueza.
E nos dias atuais a desigualdade étnica no país se espelha em vários setores da sociedade fazendo com que maximiza os problemas sociais em todo o tecido social brasileiro. O preconceito etnológico não proporciona inúmeros problemas simplesmente para os negros, mas também para os indivíduos pertencentes à etnia branca.
Portanto de forma a servir como base na defesa da adoção de medidas, em nível de Estado, no combate a desigualdade e o preconceito etnológico vigentes na sociedade brasileira, as denominadas políticas afirmativas, este trabalho analisará a inserção da população negra na historia do Brasil. Identificando os mecanismos económicos, políticos e culturais que levaram a sociedade brasileira, no decorrer de sua formação, a marginalizar um importante segmento populacional.
Procurar-se-á discutir no primeiro capitulo os principais conceitos do termo “raça” e seus desdobramentos na sociedade, o paradigma do racismo cientifico e a teoria do branqueamento da população e sua influencia na formulação de políticas dotadas pelo governo brasileiro nos momentos em que vigorava tais preceitos.
No segundo capitulo discutir-se-á os paradigmas a cerca da questão racial no Brasil como a democracia racial , as teses formuladas nas décadas de 60 e 70 e seus principais formuladores assim como as novas abordagens do pensamento racial brasileiro iniciado a partir dos anos 80.
No terceiro capitulo de forma sintética será abordado o contexto histórico norte americano o qual gerou as políticas afirmativas naquele país. E nesse mesmo capitulo analisar - se -á o papel do movimento negro brasileiro na conquista da implantação das políticas afirmativas no Brasil.
Já no quarto ,e ultimo capitulo, será analisada a implantação das políticas afirmativas no Brasil em diversos setores como forma de promover a equidade étnica no país e a possível consolidação da cidadania do povo negro.
Capitulo 1
Conceitos de raça
Ao promover um estudo sobre as relações etnológicas em qualquer sociedade é de suma importância conceituar o termo “raça” nas suas principais dimensões, ou seja, enquanto conceito biológico e no ponto vista sociológico.
Na versão biológica o termo “raça” se constitui parte do estudo denominado Nomenclatura o qual analisa o sistema de classificação nominal que agrupa (espécie, gênero, família, ordem) os componentes dos reinos animal e vegetal. Ou seja, no campo biológico, ,especificamente os zoólogos, utilizam o termo “raça” na caracterização dos animais como uma “Categoria biológica, com similaridades anatómicas, sensível a uma mudança evolutiva. Deve ser vista sob um ponto de vista de processo, com uma condição de reversibilidade.” (Dicionário de Ciências Físicas e biológicas. editora Meca.p.200)
Nesse sentido o termo “raça” trata-se de um conceito puramente biológico. Não se deve confundir com cultura, nacionalidade, religião ou língua que conduzem a agrupamentos socioculturais, não-biólogicos.Um individuo brasileiro assim como um norte americano pertencentes a etnia negra ,supostamente descendentes do mesmo grupo social africano,embora de características fenotípicas idênticas possuem culturas e nacionalidades distintas ,ou seja,falam línguas diversas e possivelmente terão princípios religiosos heterogêneos .Nessa perspectiva conclui-se que;
“Não há raças superiores ou inferiores, nem raças puras. Até agora as experiências não demonstraram que pessoas de varias raças difiram em sua capacidade inata de desenvolvimento intelectual ou emocional. Algumas diferenças biológicas entre os seres Humanos dentro da mesma raça podem ser iguais ou maiores que as mesmas diferenças biológicas entre raças distintas. Não há evidencias que a miscigenação produza resultados desvantajosos sob o ponto de vista biológico; são geralmente fatores socioculturais os que condicionam os bons ou os maus resultados dessa miscigenação.” (Enciclopédia Barsa,1983,Volume 2.p.481)
Mas qual é a explicação a respeito das diferenças físicas, cor da pele,conformação do crânio, características do rosto e do cabelo ,notadas nos indivíduos pertencentes a espécie humana? Segundo os estudos da UNESCO (1981 apud BARSA ,1983,p.481) “Algumas das diferenças entre os grupos humanos provêm de diferenças na constituição hereditária e algumas das diferenças nos meios em que se desenvolveram. Na maior parte, ambas as influencias operaram”.
As diferenças biológicas dos indivíduos humanos pertencentes as etnias branca e negra estão ligadas simplesmente ao fato de que cada um desses componentes possuem determinada quantidade de melanina nos seus respectivos organismos.
“A melanina é a designação genérica de um composto protéico presente nos seres vivos. Cada um dos vários pigmentos, castanho-escuros ou pretos, de estruturas animais ou vegetais. Colora o cabelo, a pele e os olhos. Deriva, quimicamente, da mesma matéria prima que a adrenalina. Um ser albino não tem capacidade de sintetizar a melanina.” (Dicionário de Ciências Físicas e biológicas,editora Meca.p.200)
Os indivíduos pertencente a etnia negra possui em seu organismo maior capacidade de produção da substancia melanina .Daí a explicação da tonalidade escura da pele dos membros da etnia negra . Os indivíduos que se inserem na etnia branca possuem a menor capacidade de produção da melanina e por isso possuem a pele com tonalidade mais clara.
A substância melanina não está relacionada com o grau de desenvolvimento cognitivo, cultural, econômico entre os seres humanos. Tal substancia esta relacionada com a interação dos indivíduos com o meio ambiente, principalmente, na relação com a luz solar.
Na antropologia cultural as diferenças e semelhanças entre os grupos humanos (negros, brancos, índios entre outras ) são estudadas no campo da etnologia.Tal ramo da antropologia,
“Busca analisar as diferenças e semelhanças entre culturas, e examinar sua evolução ao longo do tempo, dando-lhes assim perspectiva histórica em seu desenvolvimento individual ou nas relações entre as diversas culturas. Surgem destarte, em seu campo, os problemas de comparação e correlação interculturais, e os da formulação de conceitos teóricos explicativos, sempre com ênfase nos aspectos pertinentes ao largo processo histórico- cultural.” (Enciclopédia Barsa,1983,volume 2.p.484)
Em suma, o termo “raça”, como categoria de analise das civilizações humanas, de forma a não reproduzir determinados discursos carregados de preceitos ideológicos deve ser utilizado no sentido proposto pela etnologia,ou seja, “raças humanas” passa a se tornar “etnias humanas”.No campo sociológico a expressão “raça” existe enquanto conceito social, produzido no âmbito das relações sociais de civilizações caracterizada pela diversidade étnica. O que levam os indivíduos humanos a se situarem em determinada “raça” é de forma geral a autoclassificação ou delimitação de outros enquanto “raças”.
Os indivíduos que se autoclassificam ou é classificado por outrem como pertencente à determinada “raça” nas diversas civilizações humanas multirraciais se torna um artefato fundamental na aproximação ou na dispersão entre os indivíduos dessas mesmas civilizações. Na sociedade brasileira ,enquanto vigorou o regime escravista, a maioria dos indivíduos classificados como negros se inseriram no âmbito das relações sociais na condição de escravo enquanto que nesse mesmo período os indivíduos classificados como brancos possuíam o status de homem livre ou ocupavam os postos chaves na pirâmide social.Eram em menor numero os momentos e locais em que os indivíduos brancos e negros mantinham uma relação recíproca positiva enquanto vigorou a escravidão negra no Brasil.
Na Alemanha nazista o termo “raça” foi utilizado na classificação de seres humanos que possuíam uma suposta natureza superior ou inferior. A Eugenia se tornara o principio orientador da política estatal do estado nazista em relação a determinados grupos humanos. A eugenia é o estudo dos fatores que sob o controle social, possa melhorar ou prejudicar, física e mentalmente, as qualidades raciais das gerações futuras. Segundo Schwarcz (1993, p.60)
O termo “eugenia”--- eu: boa; genus: geração — foi criado em 1883 pelo cientista britânico Francis Galton. Galton, na época conhecido por seu trabalho como naturalista e como geógrafo especializado em estatística, escreveu seu primeiro ensaio na área da hereditariedade humana em 1865,após ter lido A origem das espécies.Em 1869 era publicado Hereditary genius, até hoje considerado o texto fundador da eugenia.
Os estudos eugênicos aplicados aos seres humanos fora alvo de diversas criticas, pois tal ciência tem como principio a mudança da natureza humana a fim de produzir indivíduos biologicamente superiores. Perspectiva a qual dentro campo racional não se sustenta. O Estado nazista movido pela perspectiva eugênica passara a promover uma política de extermínio em massa dos membros não pertencentes à chamada raça ariana.
Ao ‘extermínio pelo trabalho’ o nazismo acrescentou um programa sistemático de liquidação das ‘raças inferiores’,que compreendiam os eslavos, os ciganos e sobretudo os israelitas, cujo o extermínio foi eufemisticamente denominado” solução final do problema judaico”. “Calcula-se que seis milhões de judeus foram mortos.” (Enciclopédia Barsa,1983,volume 5.p,24)
Na formulação de estudos sobre as relações étnicas erigida no percurso da historia social brasileira faz jus a utilização do termo “raça” na perspectiva sociológica.Uma vez que tratará de formulações voltadas para o entendimento dos seres humanos e não direcionadas para o reino dos animais irracionais.A expressão “raça” foi e é utilizado como importante critério de inserção de determinados grupos humanos na ocupação dos espaços construídos na estrutura social da civilização brasileira.
A analise da historia da sociedade brasileira oferece mecanismos os quais podem responder o porquê da desigualdade racial vigente em um pais o qual grande parcela de sua população é composta pelos indivíduos pertencentes à etnia negra e como a simples pigmentação escura da pele dos indivíduos provocou e provoca diversas controversas no âmbito das relações e do pensamento social brasileiro. O racismo é uma característica padrão de sociedades multirraciais marcadas pela divisão socioeconômica entre os indivíduos e está por trás de diversos problemas que atingem não só os membros da etnia marginalizada como também a etnia dominante.
Ao analisar os fatores que levaram a sociedade brasileira, no decorrer de sua formação, a proporcionar a desigualdade entre as etnias é de suma importância entender os paradigmas construídos pela intelectualidade brasileira no que tange a interação racial entre os indivíduos no devir da historia do Brasil. Essa discussão historiográfica relacionada a historia das relações raciais no país é de suma importância para compreender como o pensamento social brasileiro influenciou as ações dos indivíduos assim como as instituições do estado no trato das diferenças raciais presente no corpo social do estado brasileiro. Nesse sentido destacam se quatro posições teóricas que vão nortear a sociedade brasileira como um todo na problemática racial. Essas teorias são: o racismo cientifico, o branqueamento da população, a democracia racial,as teses das décadas de 60 e 70 e os novos paradigmas da questão racial a partir dos anos 80.
O Racismo Científico
Os homens sempre criaram teorias que pudessem justificar a exploração de uma camada da população sobre a outra. Foi o caso da escravidão, da guerra ou de castas sociais intransponíveis constituídas principalmente em várias nações do continente asiático. No período medieval da civilização ocidental a implantação da escravidão de povos sobre povos ocorreu sob a prerrogativa religiosa.
Na idade média o desenvolvimento da ciência moderna possuía barreiras erigidas pela mentalidade teocêntrica.
Os fenômenos da natureza, as relações políticas e sociais dos homens possuíam explicações religiosas. Principalmente as teses provenientes das religiões cristãs. Para Bark (1974, p.102-103)
A Ciência perdeu a vitalidade e a velha união com a filosofia se dissolveu (...). A filosofia contraiu nova aliança, dessa vez com a teologia: durante séculos a vida intelectual se processaria sob a orientação da Igreja. É cabível indagar da história se há alguma razão válida para supor que o gênio humano chamejou com menos brilhos quando os homens por boas razões da época transferiram o pensamento especulativo da ciência –filosofia para teologia- filosofia.
Naquele período a mentalidade teocêntrica dos homens influenciava as medidas políticas dos governantes, as leis de regulamentação da sociedade e as relações sociais. A bíblia se tornara um influente instrumento de explicação, dominação e orientação dos homens no universo das relações sociais. Isso se torna evidente na medida em que própria dominação e exploração da etnia branca sobre os negros via escravidão fora justificada pelas as “sagradas escrituras” .
Para Campos (2005, p.214),
“As origens bíblicas dos negros estariam ligadas as duas maldições, ambas posteriores ao pecado original. Eles seriam descendentes de Caim, aquele que por inveja matou seu irmão Abel, e traziam na pele a cor negra, marca do sinal imposto por Deus, ou, então membros da geração de Cam, filho de Noé, que desonrou seu pai e por isso foi condenado, juntamente com seus filhos à escravidão”.
No século XVIII com o advento de novas interpretações relacionadas ao universo da interação do homem com a natureza, as explicações dos fenômenos sociais, naturais vão se basear no racionalismo e no empirismo. As explicações assentadas no sobrenatural e na providencia divina vão ser duramente criticada pelos teóricos do movimento iluminista. No século XVIII o Teocentrismo perde espaço para o Antropocentrismo.Nesse sentido Peresson (2006,p.97) afirma,
Com a modernidade, começa a gestar-se no mundo ocidental uma visão de cunho antropocêntrico, que coloca o ser humano como fundamento e medida de todas as coisas, a firmando o primado da razão e do progresso científico-técnico como critério único do progresso humano. Coerente e conseqüente com esta cosmo visão antropocêntrica prometéica, desenvolveu-se a racionalidade científico-técnica como maneira única e universal para promover a transformação e a melhora da realidade.
Essas interpretações tidas como cientificas, ainda que avançadas em relação as explicações medievais, ao explicar as diferenças entre as etnias que compõe os homens vão inferiorizar a população negra em relação á etnia branca.Porém essa inferioridade do povo negro se dá na medida em que os próprios negros são vitimas de suas próprias ações.Montesquieu , um dos principais representantes do movimento iluminista, ao tratar da escravidão dos negros, de acordo com Matos (2010),
“se declarava favorável, pois acreditava ser necessária a escravidão para o desbravamento das Américas. Ainda: considerava natural a cor constituir a essência da humanidade e duvidava que os negros possuíssem alma. Para comprovar sua tese, declarava o fato dos negros trocarem ouro por colares ou espelhos sem valor, demonstrando, assim, sua ausência de discernimento.” (MATOS, Deborah Dettmam. Racismo científico: O legado das teorias bioantropológicas na estigmatização do negro como delinqüente. Artigo.)
Esses paradigmas de explicação das diferenças etnológicas iniciado no século XVIII vão permanecer na mentalidade da civilização ocidental nos séculos XIX e nas primeiras décadas do século XX .Porém nesses dois últimos séculos os avanços nas ciências ,principalmente nas ciências biológicas, impulsionados pelo progresso material da sociedade vão levar diversos cientistas,antropólogos e intelectuais europeus a elaborem experiências no âmbito laboratorial que comprovassem a inferioridade da etnia negra em relação a branca.O conjunto dessas interpretações bioantropológicas vai inaugurar o que foi chamado de racismo científico.
Para Jacques Maritain, (1946, p.74) “os postulados pseudo-biológicos, retirados arbitrariamente de verdades e hipóteses da biologia e etnologia, foram utilizados para satisfazer a vontade de poderio ou defender, de maneira feroz, a preservação de um grupo étnico.”
As teorias bioantropológicas surgiram a partir da segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX como forma de legitimação do poder mediante a criação de uma lógica de diferenciação de grupos pautadas nas ciências biológicas e antropológicas.
A óptica de que as características fenotípicas, reunidas em classificações raciais, difundidas pelo racismo científico é um fator primordial na definição das capacidades e possibilidades de desenvolvimento pessoal e social. Nesse caso, as relações sociais se tornam variáveis derivadas da biologia. É, portanto, no reino natural que se busca a explicação para as diferentes hierarquias sociais. Segundo Bento (2002, p,42)
”Pensadores do século XIX, como o francês Joseph-Auguste de Gobineau, o alemão Richard Wagner e o inglês Houston Stwart Chamberlain, utilizaram a teoria da seleção natural, para tentar explicar a sociedade humana. Concluíram então que alguns grupos humanos eram fortes e outros fracos.”
O racismo científico emerge no século XIX na Europa, em um contexto o qual os europeus necessitavam de justificativas para a exploração de povos “diferentes”,ou seja, africanos,asiáticos e latinos americanos. Os europeus acreditavam que o colonialismo imperialista transmitia o progresso econômico e cultural. Africanos e asiáticos eram encarados de forma etnocêntrica como bárbaros e primitivos, enquanto os europeus se consideravam em missão civilizadora para com os povos africanos, asiáticos e latino americanos.Com o racismo cientifico as diferenças de tipos físicos passaram a ser utilizadas para classificar seres humanos. Para Bento (2002,p.39)
Nasceu assim a fórmula básica do racismo: portadores de pele escura, os negros e os não europeus, considerados raça inferior. Portadores de pele alva, os brancos, raça superior. Estava assim “justificado” o domínio colonial e a exploração do europeu sobre outros povos.
A formulação de teorias discriminatórias na civilização ocidental sempre fora comum no decorrer da história. Porém somente o racismo científico é que proporcionou uma lógica de discriminação fundada na defesa da raça real. É verossímil afirmar que as interpretações postuladas pelo racismo científico são de fato científicas. Uma vez que seguia os rigores de observação dos métodos biológicos e antropológicos da época.
O racismo científico vai influenciar diversos intelectuais e políticos brasileiros, como Nina Rodrigues, Oliveira Vianna, Silvio Romero entre outros, ao tratarem a questão racial no pais. As teorias raciais que circulavam na Europa no final do século XIX serão adaptadas pela elite nacional ao contexto brasileiro. Segundo Ventura (1991, p.47) “os sistemas de pensamento europeus foram integrados de forma crítica e seletiva, segundo os interesses políticos e culturais das camadas letradas [brasileira] preocupadas em articular os ideários estrangeiros à realidade local”.
Oliveira Vianna, em sua obra “Raça e assimilação” tentou construir um discurso científico acerca das diferenças raciais. Para ele a população negra é “cientificamente” inferior á branca.segundo ele
“O negro puro... não foi nunca, pelo menos dentro do campo histórico em que o conhecemos, um criador de civilizações. Se, no presente, os vemos sempre subordinados aos povos de raça branca, com os quais entraram em contato; se, nos seus grupos mais evoluídos das regiões das grandes planícies nativas, são os elementos mestiços, são os indivíduos de tipo negróide, aqueles que trazem doses sensíveis de sangue semita, os que ascendem às classes superiores, formam a aristocracia e dirigem a massa dos negros puros; como não o seriam também nestas épocas remotas, em que se assinalam estes grandes focos de civilização.” (VIANNA, 1959,p.279),
Os intelectuais brasileiros seguidores do racismo cientifico estavam vivamente empenhados em estabelecer a discriminação, sob critérios rigorosamente científicos, dos caracteres diferenciais das três raças formadoras da nossa nacionalidade: a negra, a americana, a caucásica.
Um dos principais intelectuais brasileiros adeptos do racismo cientifico foi Nina Rodrigues. Em livros como “A responsabilidade Criminal” e “Mestiçagem, Degenerescência e Crime”, o Médico maranhense reproduziu as teorias raciais adaptadas a antropologia criminal. Procurando assim relacionar a ligação entre ativismo criminal, raças humanas e suas supostas degenerescências providas do processo de mestiçagem. Esse tipo de visão difundida por Nina Rodrigues, sem dúvida, colocava entraves para o desenvolvimento do Brasil. Uma vez que o Brasil é uma nação formada por uma relevante massa de negros e mestiços considerados pelo racismo científico incapazes de alcançar um estágio civilizado. Em relação a Nina Rodrigues Gorender (2000,p.56-57) ressalta,
Nina Rodrigues, maranhense radicado na Bahia, foi eminente especialista da medicina legal e pioneiro dos estudos antropológicos sobre a população de ascendência africana. Não obstante ser ele próprio mestiço, portador de reconhecível herança genética africana, Nina Rodrigues julgava os negros uma raça e condenavam a mestiçagem. Como solução para o Brasil pregou o estabelecimento da segregação dos negros, conforme o modelo dos Estados Unidos, e o “branqueamento” da população.
Para os seguidores do racismo científico o subdesenvolvimento econômico brasileiro tem sua explicação na questão racial. A idéia de que o sangue dos ex-escravos africanos representara um prejuízo ao desenvolvimento nacional foi amplamente difundida no Brasil. Para Rodrigues (1982, p.28) “a raça negra no Brasil há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo”.
A aceitação da perspectiva de existência de uma hierarquia racial e o reconhecimento dos problemas iminentes de uma sociedade multirracial vai levar a elite dirigente do país a procurar soluções para cercear o subdesenvolvimento. Tal procura do caminho para o progresso será para muitos intelectuais e políticos brasileiros nas décadas de 1920 e 1930 o que foi denominado de o ideal de branqueamento da população brasileira.
1.2 O Branqueamento da população
Desde o final do século XIX até as duas primeiras décadas do século XX a intelectualidade brasileira estava envolvida na formulação de um projeto que levasse o desenvolvimento interno do País além de projetar a nação brasileira frente aos países europeus e aos Estados Unidos. Para muitos políticos e intelectuais brasileiros esse projeto só seria concretizado na medida em que fosse extinta a população negra do País. Responsabilizada, em grande parte, pelo atraso e subdesenvolvimento brasileiro. A política de extinção da população negra adotada pela classe dirigente do país foi denominada de política de branqueamento da população.
Os defensores dessa política via de forma positiva o processo de miscigenação ocorrido no Brasil desde a chegada dos brancos portugueses no território brasileiro no século XVI. A miscigenação, principalmente aquela realizada com um componente branco, seria o caminho para o progresso da nação brasileira. Para Skidmore (1976, p.81) “a miscigenação produzia naturalmente uma população mais clara, em parte porque o gene branco era mais forte que o gene negro.”
Segundo a perspectiva da teoria do branqueamento a sociedade brasileira deveria promover a mistura das diversas raças existentes no seu território para, assim, a raça branca (superior às demais) se sobrepor, até se tornar inteiramente predominante, o que proporcionaria a formação de uma nação civilizada e evoluída.
Os teóricos do branqueamento defendiam a idéia de que a situação de miséria social e de discriminação as quais estavam submetida a população negra contribuiriam favoravelmente para o extermínio físico da mesma.De acordo com Skidmore (1976,p.81),
A tese do branqueamento baseava-se na presunção da superioridade branca, às vezes, pelo uso dos eufemismos “raças mais adiantadas” e “menos adiantadas”. E pelo fato de ficar em aberto a questão de ser a inferioridade inata. À suposição inicial, juntavam-se mais duas. Primeiro, a população negra diminuía progressivamente em relação à branca, por motivos que incluíam a suposta taxa de natalidade mais baixa, a maior incidência de doenças, e sua desorganização social. Segundo, a miscigenação estaria “naturalmente” produzindo uma população mais clara, em parte porque o gene branco seria mais resistente e em parte porque as pessoas escolhiam parceiros sexuais mais claros.
Aliada a essa idéia os adeptos do branqueamento apostava também no processo da “seleção natural” das raças, bem de acordo com suas idéias racistas de superioridade racial do branco, a crença de que o branco estava no topo da hierarquia racial difundida na mentalidade brasileira levariam as pessoas querer a “embranquecer”.Tal projeto foi mais uma forma simplista que elite branca brasileira adotou para maquiar a realidade social vivenciada pela a população negra. Segundo essa idéia o atraso brasileiro, frente às outras nações, não se deve ao fato do país ter adotado, no decorrer de sua formação, praticas econômicas desfavorável ao seu desenvolvimento autônomo, mas devido às características raciais de seu povo.
As analises do desenvolvimento social e econômico dos países ancorada no quesito “raça” adquirem espaço na medida em que as teorias racialistas, como as propostas pelo francês Conde de Gobineau, Pierre-André Taguieff entre outros vigorava fortemente no pensamento ocidental.
A teoria do branqueamento era compartilhada pelas principais instituições representativas da elite intelectual do nosso país desde as últimas décadas do século XIX, como as faculdades de direito, as faculdades de medicina e os Institutos Históricos e Geográficos (IHGs).
Uma serie de intelectuais e políticos como Silvio Romero, Euclides da Cunha difundia a idéia de que a miscigenação poderia ser um valor positivo para o progresso brasileiro, visto que com ela o “sangue” branco poderia estar purificando gradualmente o “sangue” negro até a sua diluição. Tal visão abria a possibilidade para que os negros se transformassem em “mestiços” e estes em “brancos’. Alegavam tais intelectuais que a “raça negra” era particularmente fraca geneticamente e poderia desaparecer principalmente com a intervenção do Estado brasileiro na organização social do país.
A idéia do branqueamento da população difundida pela intelectualidade brasileira influenciou em vários momentos as ações políticas do Estado brasileiro no que se refere à aos problemas vivenciados pela população negra no pós abolição da escravidão.
Norteados pelo branqueamento do país, políticos brasileiros no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, passaram a colocar em pratica um sistemático plano de imigração européia e uma abolição da escravatura feita de forma a “empurrar” os negros para as margens da sociedade. Essa política mantinha os negros em condições de extrema pobreza, sem acesso a saneamento básico, a saúde, a moradia entre outros benefícios até que os mesmos se extinguissem devido à mortalidade infantil, desnutrição, doenças e também através das sucessivas miscigenações.
Para Gorender,
A grande imigração européia, ocorrida entre 1880 e 1920, serviu de motivo, na elite dirigente do país, para sustentar a tese sobre a vantagem do branqueamento da população. Ao mesmo tempo, parte significativa da elite pensante se inspirava em teses pseudocientíficas para sustentar considerações racistas. Gobineau e Gumplowicz eram “teóricos” prestigiados entre ensaístas e escritores. Ao postular a superioridade da chamada raça ariana, à qual pertenceriam os povos nórdicos da Europa, Gobineau se antecipou ao nazismo.( GORENDER,2000,p.56)
Nas primeiras décadas do século XX, foram notórias no Brasil varias tentativas políticas que visavam impedir a entrada de indivíduos pertencente a etnia negra no país.De acordo com Luciana Jaccoud,
“Buscaram através de leis proibirem a imigração negra, um exemplo disso, é o projeto de lei apresentado em 28 de julho de 1921 pelos deputados Cincinato Braga, de São Paulo e Andrade Bezerra, de Pernambuco, que estabelecia cotas para ingresso de asiáticos, e simplesmente proibia a entrada de imigrantes negros no país.”
Este ideal teve grande influência na intelectualidade brasileira nas primeiras décadas do século XX. Sendo o embranquecimento da população um fato dado como natural e inevitável pelas razões acima expostas - além da imigração – o “problema racial” brasileiro seria resolvido como uma solução sui generis através da miscigenação e da “incapacidade natural da raça negra” para o progresso. Este embranquecimento foi considerado essencial para que o país alcançasse o progresso segundo o ideal de civilização européia. Nesta perspectiva, fica evidente a importância da imigração européia como um fator primordial para o desenvolvimento do país.
No decorrer dos anos 30, 40 e 50 do século XX o projeto de desenvolvimento nacional baseado no ideal do embraquecimento da população proposto pela elite brasileira começa a perder espaço nos círculos intelectuais do país. A tendência que prevalece dos anos 30 até os anos 50 é a de refutar não apenas as classificações raciais biologicistas, mas também a existência de adscrições derivadas da aparência física também no plano da cultura e da sociedade. De forma geral, verifica-se que as idéias anti-racistas no período da hegemonia do racismo científico e da teoria do branqueamento da população brasileira assumiam a forma do antiracialismo.
Com efeito, contra a ciência e a moral que buscavam hierarquizar as pessoas em classificações raciais, o único argumento antiracialista possível era o da negação radical do dogma da desigualdade racial baseado na genética.Neste sentido verifica-se o fortalecimento dos discursos os quais buscavam compreender o Brasil como uma nação a qual não existe relação de inferioridade e superioridade entre as etnias comprovada biologicamente, mas, que cada uma das etnias tem uma função a desempenhar no desenvolvimento do país e que elas convivem de forma harmônica.
Esses discursos foram fundamentais na superação dos dogmas fundamentados no racismo cientifico e nas teorias as quais solidificavam a política eugenista adotada pela sociedade brasileira nas ultimas décadas do século XIX e inicio do século XX. No entanto tais teorias construíram o que se convencionou a chamar de democracia racial brasileira.
CAPÍTULO II
AS DISCUSSÕES ACERCA DA QUESTÃO RACIAL NO BRASIL
2.1 A democracia racial
O paradigma da democracia racial brasileira surge nos círculos intelectuais brasileiro no contexto internacional da Segunda Guerra Mundial. O Brasil encontrava-se alinhado aos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Rússia na guerra contra o Eixo. O mundo estava dividido entre a democracia e o fascismo. O nazi-Fascismo como regimes políticos antidemocráticos e de cunho racista se tornara a principal ameaça à democracia liberal característica das principais potencias econômicas ocidentais.
Tal contexto vai levar a elite brasileira a construir um discurso que visava afinar o Brasil com as nações contrarias ao projeto nazi-fascista encabeçado pela Alemanha e Itália. Os princípios racistas e eugenistas praticados pelo estado nazista alemão com vista a “purificar” a raça alemã foi alvo de diversas criticas internacionais. Era necessário resguardar o Brasil de tais criticas. Daí a notória aceitação por parte da elite intelectual brasileira de teorias as quais buscavam desqualificar os dogmas da eugenia que até então vigoravam fortemente no pensamento social brasileiro. Jaccoud (2009, p.22) afirma que,
Após os anos 1930, as teorias racistas e o projeto de branqueamento foram progressivamente sendo substituídos pela chamada ideologia da democracia racial. Nesta nova formulação da questão racial, que se consolida após os anos 1950, destaca-se a dimensão positiva da mestiçagem e afirma-se a unidade do povo como produto da miscigenação racial. Com a mistura das raças e a fusão dos grupos presentes na formação da Nação, haveria espaço para o nascimento de uma sociedade integrada, mesma que socialmente heterogenia.
Com a democracia racial as relações raciais no decorrer da história do Brasil serão marcadas pela harmonia das etnias básicas que originaram o povo brasileiro, ou seja, o branco, o indígena e o negro. A idéia de que o Brasil era uma sociedade sem “linha de cor”, ou seja, uma sociedade sem barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas de cor a cargos oficiais ou a posições de riqueza e prestígio deu lugar à construção mítica de uma sociedade sem preconceitos e discriminações raciais.
Diversos são os intelectuais, políticos e artistas brasileiros que passaram a compactuar com o paradigma da democracia racial brasileira. Porém o expoente de tal mito fora Gilberto Freire. Para Goldstein (2003, p.273)
Foi Gilberto Freire quem, escrevendo em um contexto em que a concepção culturalista minimizava o papel da hereditariedade, efetuou, nos anos 1930, uma releitura positiva do mito das três raças. Ficou por isso conhecido como um dos responsáveis pela formulação do mito da democracia racial. Freire se notabilizou por pregar que “ a miscigenação,que largamente se praticou aqui,corrigiu a distancia social,que doutro modo se teria conservado enorme,entre a casa-grande e a mata tropical,a casa-grande e a senzala.
Em suas próprias palavras Freire ressalta,
“Todo brasileiro, mesmo o alvo,de cabelo louro,traz na alma,quando não na alma e no corpo - há muita gente de genipapo e mancha mongólica no Brasil -a sombra,ou pelo menos a pinta do indígena e do negro.No litoral,do Maranhão ao Rio Grande do sul,e em Minas Gerais, principalmente do negro.A influencia direta ,ou vaga e remota, do africano.” (FREIRE,Gilberto.Casa Grande e Senzala.p,301. 2002)
Na óptica da democracia racial a miscigenação, como característica da população brasileira, de negativa passa a ser vista como positiva. Segundo Silva, A.; Luiz; Jaccoud; Silva, W. (2009, p.22) “A mestiçagem é tida como ideal valorativo da sociedade e na convivência entre brasileiros de diversas origens. Destaca-se, nesta concepção, que o alto grau de mestiçagem do povo brasileiro, característica positiva e supostamente singular de nossa sociedade, teria em grande medida, barrados os efeitos perversos do racismo e contribuído para a integração nacional e convívio pacífico entre os diferentes grupos raciais.”
“Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolegando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho de pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama de vento, a sensação completa de homem. Do muleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo.” (FREIRE,Gilberto.Casa Grande e Senzala.p,301. 2002)
A democracia racial sustenta um discurso o qual a historia da sociedade brasileira não foi marcada pelo preconceito e pela discriminação racial como ocorreu em outras Nações. Pois enquanto que na década de 1930 os países europeus presenciavam o fortalecimento dos princípios racistas do nazismo e os EUA vivencia as leis segregacionistas, o Brasil era um pais livre do preconceito racial aja visto que o estado brasileiro não sustentava um efetivo e eficaz plano de eliminação da etnia negra e indígena do pais .Esta situação brasileira enalteceria o país diante das nações tidas como mais “civilizadas” do planeta.
O mito da democracia racial ofereceu uma nova interpretação para analisar a realidade social brasileira ao se opor ao determinismo biológico e a valorizar o aspecto cultural reversível em suas diferenças. Porém ela se tornou uma das principais ideologias do maquiamento dos problemas vigentes na realidade social da população negra. Para Silva, A.; Luiz; Jaccoud; Silva, W. (2009, p.22) “O enfraquecimento do discurso das hierarquias raciais e sua gradual substituição pelo mito da democracia racial permitiram a afirmação e a valorização do “povo brasileiro”.Todavia, cabe lembrar que tal análise, ancorada na cultura, não implica a integral negação da inferioridade dos negros. De fato,se por um lado o ideário da democracia racial busca deslegitimar a hierarquia social fundamentada na identificação racial, por outro reforça o ideal do branqueamento e promove a mestiçagem e seu produto,o mulato”.
A concepção de que o Brasil é uma nação a qual suas etnias convivem harmonicamente no âmbito das relações sociais favorece a manutenção das desigualdades socioeconômicas entre os indivíduos pertencentes da etnia negra em relação à etnia branca. Nesse sentido a democracia racial se torna um artifício da classe dominante branca para manter seus privilégios. Segundo Ianni (1985, p.136)
Por outro lado, existe uma ligação ideológica entre democracia racial e ideologia burguesa, porque sendo as relações raciais no país democráticas e igualitárias, caberia ao indivíduo, por suas próprias qualidades, concorrer com os demais “brancos” e não-brancos na sociedade. Seria, portanto, mera questão de competência individual. Neste sentido, poderíamos entender a democracia racial como um mito construído pela ideologia burguesa para tentar justificar a sua dominação ao nível das relações raciais no país.
A democracia racial ao negar a influencia do aspecto racial na conformação da desigualdade social brasileira ela representou um percalço na viabilização de mecanismos de combate aos estereótipos e preconceitos raciais que continuavam a agir no âmbito das relações sociais no Brasil no decorrer do século XX, interferindo na dinâmica da mobilidade social em benefício da população branca em detrimento dos indivíduos da etnia negra.O discurso o qual sustenta a harmonia racial da sociedade brasileira para Maio (1997), “evitou a criação de soluções universalistas que cancelassem os efeitos perversos do racialismo, do nacionalismo xenófobico e das disparidades socioeconômicas”.
2.2. As Teses acerca da questão racial nas décadas de 1960 e 1970
A partir da metade do século XX, notavelmente nas décadas de 60 e 70, as teses referentes ás relações raciais da sociedade brasileira vão adquirir novas versões. As mudanças na estrutura econômica, política e cultural do Brasil assim como o contexto histórico vivenciado pela sociedade internacional vão levar a intelectualidade brasileira repensar sobre a questão racial no país.
No Brasil a acentuação do processo de urbanização e a consolidação da sociedade capitalista vão contribuir no aumento dos conflitos sociais, principalmente nas tensões raciais. Na conjuntura externa percebe-se nos EUA ,na década de 60,o fortalecimento do movimento negro na luta contra a segregação racial vigente naquele país. No continente europeu vê – se, a partir da segunda metade do século XX, os países envolvidos no processo da descolonização afro- asiática. Em suma, a temática racial é objeto de conflitos e debate no âmbito internacional.
Na sociedade brasileira de forma geral as novas teses constituídas nas décadas de 60 e 70 vão centrar na contraposição ao paradigma da democracia racial brasileira. A concepção paternalista do senhor de escravo “bondoso” e do escravo negro “dócil” formulada nas décadas anteriores, cujo expoente fora Gilberto Freire, já não mais atende os questionamentos do pensamento social brasileiro.A revisão dos paradigmas na análise das relações raciais na sociedade brasileira vai ter como gênese a introdução do Marxismo no debate social brasileiro. Segundo Sodré:
Tal revisão, que é menos ligada a acontecimentos e a figuras do que ao processo, apreciado segundo métodos novos de interpretação, não deriva de um interesse acadêmico, deriva da necessidade de conhecer os antecedentes que, em seu desenvolvimento, levaram o País à situação em que se encontra, vistos de um ângulo objetivo.
Inúmeros são os intelectuais de orientação marxista que vão produzir estudos relacionados a importância do papel da população negra no desenvolvimento da sociedade brasileira no decorrer da história.Tais como Florestan Fernandes, Otávio Ianni, Caio Prado Junior,Fernando Novais,Jacob Gorender, Fernando Henrique Cardoso, Roger Bastide entre outros.
Apesar de tais intelectuais em suas teses possuírem determinadas peculiaridades cabe salientar que nos seus trabalhos é notória a influência do materialismo histórico dialético. Categorias como a escravidão, a resistência negra, a discriminação racial entre outras constituídas nas relações entre brancos e negros no decorrer da história do Brasil vão ser analisadas pelos intelectuais das décadas de 60 e 70 com uma nova óptica.
Diferente das teses pautadas na democracia racial brasileira tais estudos vão demonstrar que as relações etnológicas na sociedade brasileira historicamente foram marcadas pelo constante conflito e pela violência. A harmonia entre escravo e senhor que até então vigorava na mentalidade brasileira, para os intelectuais marxistas, nunca existiu. O homem branco senhor e o negro escravo na escravidão são tidos como seres distintos. Pois,
Os escravos não eram cidadãos, não podiam ter armas, propriedades, vestir-se como quisessem sair à noite, reuni-se. E se fugissem!... Moravam em quase prisões, amontoados. Trabalhavam sob coerção, repressão e violência, com longas jornadas. Eram castigados cruelmente e marcado a ferro quente. Suas condições de vida eram as piores. Falar em suavidade e ternura nas relações senhor/escravo é ir cinicamente contra os fatos. Aliás, mesmo que vivessem em melhores condições de vida, continuariam escravos, isto é não cidadãos. Essa sua condição social tinha efeitos devastadores sobre a sua condição humana e psicológica. Sentiam-se como coisas e não como sujeitos históricos. (GORENDER, 1990 apud REIS, 2007, p.210).
Os intelectuais das décadas 60 e 70 vão desenvolver estudos que demonstram como eram as condições de existências da população negra nos séculos que vigorou o regime escravista brasileiro. A visão do escravo como uma mera propriedade do senhor, sem ser sujeito de sua própria história, foi desenvolvida pelos diversos estudiosos marxistas das citadas décadas.
Nota-se a crescente concepção da extrema violência do sistema escravista, ressaltando-se as imagens do escravo rebelde e do senhor homicida. Para Reis (1996, p.25), “A resistência do negro à escravidão foi característica marcante da história dos africanos nas colônias americanas, e os escravos responderam à exploração com má vontade, a sabotagem ao trabalho, a revolta ou a fuga para quilombos.”
Quilombos, Rebeliões escravas, estratégias de luta do negro contra a exploração imposta pela elite branca brasileira vão se tornar uns dos principais objetos de estudos por parte dos intelectuais marxistas das décadas de 60 e 70. Para Schwarcz(1993)
“O interesse pela resistência escrava aumentou muito nas duas últimas décadas [60 e 70]. Isso aconteceu, em parte devido à conscientização cada vez maior da desigualdade racial no Brasil, a uma pesquisa autocrítica de exemplo e tradição historiográficos feita pelos intelectuais revisionistas e afro-brasileiros e a um clima histórico geral no qual cresce o interesse pelos atos dos escravos.”
Florestan Fernandes em seus estudos vai demonstrar o processo de transição da mão de obra escrava africana e indígena para a mão de obra livre e a inserção dessas etnias na sociedade capitalista de classes em consolidação no estado de São Paulo. A escravidão negra no Brasil foi a categoria mais analisada por Florestan Fernandes. Em seus estudos fica evidenciado que foi através desse regime de trabalho que a sociedade brasileira se desenvolveu e que a escravidão negra deixou marcas muito fortes nas relações sociais e na cultura do país. Para Reis (2007, p.210)
F. Fernandes examina o tema pelo aspecto da resistência do escravo, a sua rebeldia e sua capacidade de transformar a sociedade brasileira. Seu grande interlocutor nesse debate será G.Freyre. F. Fernandes escreve contra a visão de Freyre da escravidão brasileira. O tema da escravidão passada ligava-se ao da “revolução social” que viesse abolir as desigualdades sociais no presente-futuro. Discutir o tema da escravidão no passado significava lutar pela concretização da sua abolição no presente - futuro.
Florestan Fernandes parte do processo econômico para explicar as repercussões que os modelos de produção de riquezas causam na constituição do tecido social de determinadas sociedades. A transição do trabalho escravo para o trabalho livre ocupa um relevante papel nos trabalhos desenvolvidos por Florestan Fernandes.
O negro recém liberto da escravidão não adquiriu qualificação adequada para ser absorvido rapidamente pelo novo sistema de trabalho, em consolidação no século XX, passando a ocupar espaços de pior remuneração no mercado de trabalho. Tal situação a qual o ser negro vivencia na sociedade capitalista naquele período foi devido às conseqüências negativas ocasionada pela escravidão.
A inserção do negro na sociedade de classe vai ser dificultada pela vigência do preconceito e da discriminação racial na sociedade brasileira. Os estudos de Florestan Fernandes vão apontar que a discriminação racial não é praticada em função da aversão das diferenças raciais. Mas uma conseqüência das desigualdades sociais, produzidas em contexto escravista. Assim, o preconceito e a discriminação são explicados como meios de preservação da ordem social escravocrata.
A herança das relações escravistas da sociedade brasileira marcaria negativamente a população negra, dificultando sua inserção no mercado de trabalho e perpetuando condições de anomia no seu meio social. A sociedade erigida no pós abolição da escravidão favoreceu principalmente a etnia branca. Para Fernandes (1978, p.73)
Faltava ao liberto, portanto, a autodisciplina e o espírito de responsabilidade do trabalhador livre, as únicas condições que poderiam ordenar espontaneamente a regularidade e a eficácia do trabalhador no novo regime jurídico-econômico. “Como existia a alternativa de substituí-lo, pois os imigrantes eram numerosos e tidos como “poderosos e inteligentes trabalhadores”, as fricções engendradas pela persistência daquelas três constelações psicossociais eram fatais ao negro e mulato.”
Em uma sociedade historicamente marcada pela sobreposição socioeconômica da Etnia branca em relação á população negra é natural que em diversos momentos, por questão de sobrevivência ou aceitação, o próprio ser negro criou mecanismos para se adequar aos padrões exigidos pela elite branca negando assim sua própria identidade. Nesse sentido Florestan Fernandes analisa o branqueamento psicossocial e moral a que o negro se submeteu para participar do mundo branco, segundo ele, “ os negros tiveram que sair da sua pele,simulando a condição humana padrão do mundo branco”.
Ainda no contexto desta discussão surgiria, na década de 1960, outro importante trabalho sobre a história da população negra no Brasil: Rebeliões da Senzala de Clovis Moura. Nesta obra o autor analisa a escravidão no Brasil dando ênfase às relações de produção, tentando demonstrar a importância do escravismo para a acumulação de capital assim como uma acurada analise a respeito dos movimentos de resistência negra ao processo escravagista. Segundo Moura (1972, p.64)
Foi o quilombola, o negro fugido nas suas variadas formas de comportamento, isto é, o escravo que se negava que se transformou em uma das forças que dinamizaram a passagem de uma forma de trabalho para outra ou, em outras palavras, a passagem da escravidão para o trabalho livre (...).
Clovis Moura contribui na compreensão das contradições do passado histórico brasileiro relacionando a situação social subalterna da população negra no Brasil escravista e a permanência dessa situação desfavorável no sistema capitalista brasileiro consolidado no século XX.
De acordo com Moura (1972, p.113)
Por esta razão, aquela herança negativa que vem da forma como a sociedade escravista teve início e se desenvolveu, ainda tem presença no bojo da estrutura altamente competitiva do capitalismo dependente que se formou em seguida. Por esta razão, a mobilidade social para o negro descendente do antigo escravo é muito pequena no espaço social. Ele foi praticamente imobilizado por mecanismos seletivos que a estratégia das classes dominantes estabeleceu. Para que isso funcionasse eficazmente foi criado um amplo painel ideológico para explicar e/ou justificar essa imobilização estrategicamente montada.
Portanto as teses formuladas nas décadas de 60 e 70 estabeleceram uma nova concepção de analise da realidade social da população negra no período de vigência do regime escravista assim como as permanecias das desigualdades étnica no âmbito da sociedade brasileira após abolição da escravidão.
Os intelectuais marxistas brasileiros ao reduzir o impacto do mito da democracia racial no pensamento social brasileiro contribuíram para despertar a atenção da sociedade e do Estado brasileiro para a vigência da desigualdade entre os brancos e negros.
Foi através dos estudos marxistas que fizeram com que a sociedade civil organizada, principalmente o movimento negro, adquirisse base teórica para atuarem de forma mais efetiva e consistente frente aos problemas relacionados com a desigualdade étnica na sociedade brasileira. Ou seja, a negação do preconceito e da igualdade racial como fenômenos ativos na intelectualidade do país perdem força e vem à tona a secular situação de exploração e marginalização do segmento populacional negro antes camuflado por diversas teorias formuladas pela elite branca brasileira.
2.3. A questão racial e os novos paradigmas a partir da década de 1980
As teorias formuladas pela intelectualidade marxista brasileira no que se tange a questão racial no Brasil a partir das décadas de 1980 até os dias atuais vão começar a perder espaço no pensamento racial brasileiro.
Na corrente intelectual marxista o preconceito e a discriminação raciais em relação ao ser negro é fruto de uma sociedade capitalista de classes. Onde uma minoria social composta por indivíduos brancos e detentora de privilégios econômicos, políticos e culturais de forma a manter sua situação como classe dominante reproduz discursos ideológicos subjetivos, como a democracia racial e o racismo cientifico, para as classes sociais dominadas, que, no Brasil, em sua maioria, é composta pelos indivíduos negros e seus descendentes.Ou seja, o povo negro é vitima da discriminação e do preconceito racial porque se encontra inserido nas classes sociais pobres e exploradas dentro de uma estrutura maior que é o sistema capitalista.
Na perspectiva marxista o problema do negro no Brasil será somente solucionado na medida em que ocorrer a transformação radical de toda ordem estabelecida ou seja a revolução socialista .Mas para que ocorra tal revolução é necessária o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e a possível consolidação da sociedade capitalista de classes.O ser negro deve integrar-se a classe do proletariado para ser condutor da transformação social e com isso a resolução dos seus problemas.
Ao mencionar sobre integração do negro na sociedade de classes e a possível revolução socialista proposto pela corrente marxista brasileira, principalmente por Florestan Fernandes, Reis (2007, p.234) ressalta,
F. Fernandes sonha ainda com uma sociedade brasileira integrada nacionalmente, emancipada, autônoma, livre, independente e moderna, desenvolvida, democrática, avançada objetiva e subjetivamente. E o sujeito criador desse Brasil novo não será burguesia brasileira, que, por ser dependente, é basicamente egoísta e autoritária, mas o proletariado e o campesinato, as maiorias excluídas-mulheres, negros, crianças, estudantes, enfim, os cidadãos brasileiros. Se a burguesia brasileira teve de ceder ao passado, deve amalgamar com ele, este novo sujeito se abrirá ao futuro e resistirá ás pressões do passado- presente.
No entanto, nas décadas de 80 , viu-se o fortalecimento da sociedade capitalista e a consolidação da sociedade de classes no Brasil assim como a nível internacional a desagregação do socialismo real na URSS e em outros países. Os paradigmas de cunho marxista entram em crise no pensamento social brasileiro. Soma-se a isso, a não transformação da ordem capitalista em prol das classes sociais dominadas assim como a total integração do povo negro na sociedade de classes no país como previam os marxistas brasileiros. O que vêm ocorrendo a partir das décadas de 80 é a manutenção da discriminação e do preconceito racial em relação a população negra no Brasil.
Nesse contexto surgem novas interpretações para problemática racial brasileira iniciada com os estudos e pesquisas realizadas por Carlos Hasenbalg, como a sua tese Discriminação e desigualdades raciais no Brasil publicada 1979, Edward Telles, em sua obra Racismo à brasileira, George Reid Andrew, com a obra América Afro-Latina – 1800-2000 entre outros.Esses intelectuais vão entender que a consolidação do capitalismo e a sociedade de classes no Brasil não integrou o ser negro como advogavam os marxistas,mas ao contrario, acentuou as disparidade raciais.No capitalismo o termo raça é um fator decisivo na inserção dos indivíduos no mundo do trabalho,principalmente,no diz respeito a sociedade brasileira.Segundo Hasenbalg (1979 apud AGUIAR,2008,p.120)
A raça, como traço fenotípico historicamente elaborado, é um dos critérios mais relevantes que regulam os mecanismos de recrutamento para ocupar posições na estrutura de classes e no sistema de estratificação social. Apesar de suas diferentes formas (através do tempo e do espaço), o racismo caracteriza todas as sociedades capitalistas multirraciais contemporâneas. Como ideologia e como conjunto de práticas cuja eficácia estrutural manifesta-se numa divisão racial do trabalho, o racismo é mais do que reflexo epifenomênico da estrutura econômica ou um instrumento conspiratório usado pelas classes dominantes para dividir os trabalhadores. Sua persistência histórica não deveria ser explicada como mero legado do passado, mas como servindo aos complexos e diversificados interesses do grupo racialmente supra ordenado no presente.
O estudos realizados por essa no nova geração de intelectuais vai propor que a situação de marginalização e desigualdade em que se encontra grande parte da população negra brasileira em relação aos indivíduos brancos não vão ter origens irredutivelmente na situação de classe social dominada como preconizava as teses dos intelectuais das décadas de 60 e 70.Nesta perspectiva ha uma ampliação dos conceitos de explicação da assimetria entre os grupos étnicos brasileiro.Pois a principal causa da desigualdade racial é a discriminação racial entorno do ser negro.Pois tal atitude inviabiliza a ascensão econômica dos mesmos impossibilitando-os na integração social.
As teses formuladas a partir das décadas de 80, principalmente as de Carlos Hasenbalg,vão ser sustentadas por pesquisas empíricas e estatísticas sobre as condições sociais, de renda ,educacionais entre outras categorias dos grupos étnicos da sociedade brasileira.Utilizando-se de dados sociais dos diversos Institutos de pesquisa,em diversos contextos históricos, esclarecendo assim a relevante disparidade entre brancos e negros nos diversos setores da sociedade brasileira.
As novas perspectivas a cerca da questão racial no Brasil iniciada nos anos 80 vão contribuir decisivamente na desmistificação da democracia racial brasileira assim como propor soluções que concretas para o combate as desigualdades raciais a qual o pensamento marxista brasileiro não solucionou. Essa nova forma de entender a realidade racial brasileira vai servir como base para a criação de mecanismos concretos de promoção da igualdade racial no Brasil,as chamadas políticas afirmativas.
Capitulo 3
As Políticas Afirmativas nos Estados Unidos
As iniqüidades sócio econômicas entre brancos e negros nos Estados Unidos tem suas origens no regime escravista instituído no decorrer da historia daquela nação.Semelhante ao Brasil , nos EUA , a elite branca norte americana impôs o regime de trabalho compulsório aos negros originários do continente africano.Durante séculos a população negra serviu de mão obra escrava na produção de riquezas das colônias e posteriormente dos Estados norte americanos - principalmente nas colônias e Estados da região sul.Porém tal riqueza não fora distribuída igualmente entre os negros e brancos daquela nação, perpetuando assim a desfavorável situação econômica dos primeiros em relação aos segundos no âmbito das relações sociais norte americanas.
A abolição da escravidão negra nos EUA se deu durante a guerra civil denominada “Guerra de Secessão” ocorrida em 1861 a 1865. Tal conflito envolveu os Estados do norte contra os Estados sul e têm como causas as diferenças políticas e econômicas entre ambas as partes. Além desse conflito havia a campanha abolicionista que mobilizava a opinião publica do Norte e causava o ódio nos proprietários de escravos localizados em sua maioria nos estados sulistas. No decorrer da Guerra de Secessão o presidente Abraham Lincoln, que representava os estados do norte, interessado no apoio da população negra, principalmente para servirem como soldados,na guerra contra os estados sulistas em 1863 decreta o fim da escravidão negra em todos os estados norte americanos.
Após a “Guerra da Secessão”, com a vitória das forças do norte industrializado contra o sul escravista, a abolição da escravidão negra foi consolidada com a edição da 13ª Emenda na Constituição dos Estados Unidos. E em 1875 foi aprovada a primeira declaração de direitos do país a qual impendia à discriminação racial. Apesar disso, o que ocorreu de fato no âmbito das relações raciais na sociedade norte americana foi um período de intensa violência contra os negros que perdurou até segunda metade do século XX.
As relações entre brancos e negros nos Estados Unidos, a partir do período pós abolição, foram marcadas por manifestações de violência e segregação institucional, especialmente nos Estados do sul do país.A violência contra a população negra adquiriu tamanha gravidade naquela nação ao ponto de surgir grupos civis organizados que difundia o ódio e a violência física contra a população afro- americana.E uma dessas organizações que ficara conhecida internacionalmente foi a chamada Ku- Klux- klan.
A Ku- Klux- klan é uma sociedade secreta racista ainda existente nos estados do sul dos EUA. A klan original foi fundada em 1867, no Tennessee, por seis ex-oficiais do exercito confederado dos estados do sul. Ela uniu em seu seio todos os defensores da escravidão negra e adversários da União e do Partido Republicano.Os membros dessa organização civil eram convencidos de que a natureza dos brancos era superior à dos negros,e não queriam aceitar que ex-escravos se tornassem cidadãos com direitos iguais.Em suma tal organização é um exemplo das diversas barreiras as quais os negros norte americanos recém libertos da escravidão iriam enfrentar na conquista da cidadania.
Além dos espaços civis da nação norte-americana os indivíduos pertencentes a etnia negra foram vitima da violência racial no espaço institucional de vários estados norte americanos ,principalmente naqueles localizados na região sul , durante grande parte do primeira metade do século XX. Nesse período existia em vários Estados termos legais que segregavam nos diversos espaços civis como nos transporte coletivos, estabelecimentos educacionais, bairros, cinemas entre outros os indivíduos da etnia negra com os pertencentes a etnia branca.As chamadas “Jim Crow” (leis segregacionistas) marcou a sociedade norte americana e funcionaram como um eficaz instrumento de perpetuação das desigualdades entre negros e brancos nos EUA.
Porém tais leis passaram a ser questionadas pelo movimento negro norte americano nas décadas de 50 e 60. Nessas décadas o embate entre negros e brancos foi marcado pelos atos de extrema violência por ambas as partes. Naquele país, a combinação dos indivíduos pertencentes à etnia branca com o negro era rara e isso mergulhou a nação em uma violenta guerra civil que ficara conhecida internacionalmente.
Nas décadas de 50 e 60 os grupos civis organizados que faziam apologia ao ódio contra os negros como a Ku Klux Klan intensificou suas ações nessas décadas. Em contraposição dentro do movimento negro norte americano surgiu grupos que difundiam a luta armada contra os indivíduos pertencentes a etnia branca. E um desses grupos foram os chamados Panteras Negras.
Os Panteras Negras constituiu-se em um partido político que possuía uma orientação ideológica marxista. Formado em 1966 na Califórnia, tal organização foi uma conseqüência direta do desenvolvimento do movimento pelos direitos civis em prol da população negra norte americana. Os militantes dessa organização, em diversos momentos dos conflitos, recorriam ás armas contra a repressão policial e as ações violentas da Ku Klux Klan .
Os Panteras Negras viam que as raízes econômicas e políticas do racismo estavam no sistema econômico capitalista e que a luta negra deve ser um movimento revolucionário para extinguir toda a estrutura de poder para a possível conquista da libertação do povo negro. Adrian Wood transcreve a fala de um dos principais lideres dos Panteras negras Bobby Seale,
“Não combatemos racismo com racismo. Combatemos racismo com solidariedade. Não combatemos o capitalismo explorador com capitalismo negro. Combatemos o capitalismo com o socialismo básico. E não combatemos o imperialismo com mais imperialismo Combatemos o imperialismo com o internacionalismo proletário” (WOOD,2008,p.5)
A luta pelos direitos civis para população negra nos EUA não se limitou em ações radiais. Pois diversas correntes do movimento negro eram contrários a luta armada contra a elite branca norte americana. Setores das organizações civis do movimento negro propunham mecanismos pacíficos na conquista da cidadania para os indivíduos afro-americanos. E um dos principais lideres dessa corrente foi o pastor Martin Luther King.
Os ativistas dos setores pacíficos do movimento negro norte americano trataram de organizar diversas formas de luta contra a segregação racial nos EUA, a exemplo dos boicotes contra os serviços de transporte urbano que mantinham a segregação entre brancos e negros no interior dos ônibus.
O Paradoxo na sociedade norte americana foi questionado pela a organização e a possível mobilização dos afro-americanos. O povo negro ergueu-se contra a discriminação e a segregação racial que sofriam no seu país. Na metade do século XX,nos estados do sul dos Estados Unidos imperavam varias leis racistas que tornavam os indivíduos negros párias-sociais, ou um meio-cidadão. Em relação a esse paradoxo Souza ressalta,
Se Convocam os negros para servir no exército e lutar nas guerras, mas impediam os mesmos de votar e de freqüentar uma escola pública com os demais brancos. Negavam-lhes hospedagem nos hotéis e nem em lanchonetes eram atendido.
(SOUZA, 1996, p.32)
A constante organização e a possível mobilização da população negra norte americana vão fazer com que a classe política estadunidense eliminasse as leis de segregação racial .Pois em agosto de 1964 o então presidente norte americano Lyndon B. Johnson assina o civil Reights Act (Ato de Diretos Civis ) tornando ilegal e inconstitucional a segregação e a discriminação racial em todos os estados da união norte-americana.A aprovação de tal lei foi um avanço na burca do combate a discriminação racial nos EUA.
Embora as leis de segregação racial tenham sido derrubadas o nível de pobreza entre os indivíduos negros cresceu na sociedade norte americano, aumentando assim, as disparidades econômicas entre as etnias naquele país. Essa situação vai contribuir para o movimento negro norte americano passasse a pressionar o governo a promover políticas públicas de inserção da população negra na dinâmica da mobilidade social. As chamadas políticas de ação afirmativa.
As políticas afirmativas surgem na dinâmica da luta pelos direitos civis promovidas pelo movimento negro norte americano no governo do presidente J. F. Kennedy (1961-1963).Segundo tais leis, as instituições do governo americano foram proibidas de cometerem atos discriminatórios contra os indivíduos pertencentes a etnia negra interessados a ocuparem cargos públicos.Além de estimular tais instituições a contratarem afro americanos nos seus respectivos quadro de funcionários.
Porém os mecanismos fundamentais de combate as iniqüidades raciais no corpo social da nação norte americana serão criados principalmente no governo de Lyndon Johnson (1963-1968).Respaldado no artigo VII do Ato do dos Direitos Civis (Civil Rights Act) Johnson implanta políticas anti-discriminatórias com a finalidade de inibir as constantes discriminações relacionadas à etnia,à religião ou gênero que vigorava no mercado de trabalho daquele País.
Durante o seu governo Johnson estimulou as empresas que prestavam serviços ao estado a utilizarem a ação afirmativa em prol dos afro americanos.O objetivo de tal postura do governo era de garantir o princípio da igualdade de oportunidade entre os cidadãos norte americano na dinâmica do mercado de trabalho.As políticas afirmativas para os indivíduos pertencentes a etnia negra nos EUA não se limitara no âmbito das relações do governo com as empresas privadas.Para Munanga (2001,p.32)
Os empregadores foram obrigados a mudar suas praticas, planificando medidas de contratação, formação e promoção nas empresas visando a inclusão dos afros americanos; as universidades foram obrigadas a implantar políticas de cotas (...) as mídias e órgãos publicitárias foram obrigadas a reservar em seus programas um certa percentagem para a participação dos negros (...) programas de aprendizado de tomada de consciência racial foram desenvolvidos a fim de levar a reflexão aos americanos brancos na questão do combate ao racismo.
Após o inicio da implantação das primeiras políticas afirmativas ,na década de 60, os governos norte americanos ampliou e criou diversas formas dessas ações no decorrer da segunda metade do século XX.De forma a possibilitar o melhor entendimento de tais políticas publicas Skidmore classifica em três etapas.Segundo ele,
A primeira delas sugeria que, no processo de admissão de dois candidatos a um mesmo emprego ou cargo, ambos com igual qualificação, se um deles fosse “minoria” ou “mulher”, então sobre este último deveria recair a preferência para admissão ao cargo ou emprego. Na segunda posição de destaque estava aquelas que propunham o aumento genérico da quantidade numérica dos “pretendentes bem-sucedidos do grupo das minorias” sem, contudo, estabelecer uma proporção quantitativa entre eles. A terceira e última opção era aquela que propunha uma “razão numérica, ou cota, baseada em algum princípio de representação”. Aqui havia também diferentes propostas de se quantificar essa representação. Uma delas consistia em tomar-se a “razão” entre as chamadas “minorias” e mulheres de uma determinada localidade e tomá-la como cota. (SKIDMORE, 1997 apud CALVINO, 1997, p.98-99)
Após o governo de Jonson o estado foi adquirindo um papel condutor no processo de eliminação das praticas racistas, via políticas afirmativas, historicamente enraizadas na mentalidade social estadunidense. Tal atitude governamental propugnada foi sem dúvida um marco sem precedentes para população negra norte americana. Haja vista que no passado histórico daquela nação, ora o estado legitimava, com leis segregacionistas, ora se omitia diante da questão etnológica do país. A conduta gradual de combate ao preconceito foi um parâmetro para vários países inclusive para o Brasil.
Nos Estados Unidos, as políticas de ação afirmativas vêm sendo aplicadas em situações específicas,principalmente nos espaços onde as desigualdades se manifestam de forma acentuada, ou seja, elas têm sido desenvolvidas em situações particulares. Elas têm sido adotadas em instituições ou empresas que vem discriminando visivelmente a população afro americana.Ao comprovar ,via diagnóstico, a discriminação praticada por tais instituições, a aplicação da ação afirmativa é justificada pela busca da igualdade por parte do estado.
A partir de 1964 e até o início dos anos 80, as políticas de ação afirmativa, nos EUA, passaram por um processo de crescimento gradual, sendo sistematicamente implementadas no decorrer daquelas décadas. No entanto, durante o governo do presidente Ronald Reagan as políticas afirmativas sofreram forte refluxo, voltando a fortalecer-se somente na administração do Presidente Clinton e pelo Ato de Diretos Civis (Civil Rights Act) de 1991. As políticas de ação afirmativa não possui um consenso absoluto na sociedade norte-americana, principalmente no segmento formado pelo grupo racial branco.Porem as criticas promovidas pela elite branca norte americana não impede a continua implantação de tais políticas.Fazendo com esse modelo norte americano de tratar as disparidades etnógicas torne-se referencia mundial.
A copia do modelo norte americano de combate ao racismo foi transplantada para o Brasil. Apesar que na nação brasileira o racismo se manifestou e manifesta de forma peculiar em ralação às terras dos yankis. Nesse sentido faz jus os seguintes questionamentos, Será que importação do exemplo da America do norte atende a especificidade do racismo à moda brasileira? O modelo Yanki de combate as disparidade etnógicas pode não atender a todas as especificidades do racismo brasileiro. Porém se configura como um norte para as ações dos segmentos sociais favoráveis a extirpação desse secular problema vigente na sociedade brasileira.Portanto o modelo norte americano é um fundamental referencial teórico.
A contribuição da iniciativa norte America foi de fato relevante para os setores afro brasileiros, pois trouxe uma nova óptica, ou seja, foi através das iniciativas norte americanas que os movimentos organizados do povo negro perceberam que o Estado pode intervir positivamente na inclusão dos segmentos marginalizados da dinâmica da mobilidade social. Foi seguindo essa lógica que o movimento negro no Brasil adquiriu consistência no seu projeto de luta contra a discriminação e disparidades raciais vigente na sociedade brasileira.
3.2. O papel do movimento negro na conquista das Políticas Afirmativas no Brasil
No Brasil, a partir das décadas de 60 e 70, o movimento negro passou a criticar o chamado “mito da democracia racial”, conclamando aos negros e seus descendentes a assumir identidade como negro.A idéia de autodeterminação dos indivíduos afro brasileiros tinha como base ampliar as fileiras de um grupo politicamente organizado que lutaria pelo fim da desigualdades raciais no pais.O Brasil importou um discurso identitário típico dos negros norte americano na luta pelos direitos civis naquele país.
No Brasil não existiu uma forma de discriminação racial institucionalizada e aberta, fato que torna mais complexa a luta dos afro-brasileiros pelo reconhecimento de direitos. O imaginário o qual os negros no Brasil sempre tiveram sido considerados legalmente iguais aos brancos admite-se que eles já estejam no ápice do reconhecimento jurídico. Mas, se considerar que os direitos fundamentais individuais na atualidade têm um conteúdo mais extenso do que a garantia de liberdades civis e a garantia de participação política, conclui-se que os negros brasileiros ainda não obtiveram pleno reconhecimento de direitos.
Nesse sentido é fundamental fazer uma análise histórica a respeito da trajetória do movimento negro brasileiro na luta por fazer a sociedade reconhecer o seu caráter preconceituoso e desigual em relação a população negra, assim como demonstrar os avanços e retrocessos da luta do povo negro pela implantação de medida políticas no combate as disparidades socioeconômicas entre negros e brancos formulada no decorrer história Brasil.
No final do século XIX , em meio a crise do sistema escravista brasileiro, os indivíduos pertencente a etnia negra se mobilizaram em torno do movimento abolicionista.Foram inúmeras as ações da população negra na luta pela extinção do trabalho compulsório imposto pela elite branca aos indivíduos não brancos.Porém após a abolição legal da escravidão e a possível instalação do regime republicano no Brasil notou-se um refluxo no movimento negro.
Na primeira metade do século XX destacou ,a nível nacional, as ações do movimento negro denominado “Frente Negra Brasileira”.Tal organização tinha como objetivo denunciar o racismo e o preconceito o qual a sociedade brasileira cultiva em relação aos indivíduos pertencentes a etnia negra.Porém tal organização foi banida na década de 30,principalmente, devido a instalação da ditadura estadonovista por Getulio Vargas. Durante a vigência do Estado Novo não só o movimento negro foi impedido de se desenvolver como também qualquer movimento social que buscava organizar os grupos marginalizados da sociedade brasileira.
Com o fim do Estado Novo e o seguido processo de redemocratização do Brasil, observa-se uma reorganização do movimento negro em diversos Estados brasileiros. Principalmente no Rio de Janeiro e no Estado de São Paulo.Inúmeras foram as organizações do movimento negro que buscavam lutar contra uma sociedade marcada pela desigualdade racial e orientada pelo mito da democracia racial.
Nesse contexto histórico a temática racial brasileira passou ocupar espaço não só no âmbito do movimento social negro mas também nos círculos políticos e intelectuais brasileiros.Tal efervescência pela questão racial está relacionada com própria conjuntara internacional. Pois naqueles anos, pós Segunda Guerra mundial, no continente europeu verifica-se o repudio as conseqüências funestas da política racista adotada no regime nazista alemão. Nos Estados Unidos percebe-se os violentos conflitos entre brancos e negros nas lutas pelos os direitos civis.Pressionada pelas organizações do movimento negro e pela própria conjuntura internacional a classe política brasileira em 3 de julho de 1951 aprova a chamada Lei Afonso Arinos no segundo governo de Getúlio Vargas (1950-1954).
A Lei Afonso Arinos em suas atribuições proíbe a discriminação racial no Brasil. segundo ela, os indivíduos que promover a discriminação racial poderá ser penalizado ou até ser condenado em regime de reclusão.A aprovação de tal lei representou o reflexo da organização e mobilização do movimento negro no final da década de 40 e 50 e principalmente devido ao constrangimento que o governo brasileiro vivenciou no ano de 1947.
Naquele ano dois incidentes envolvendo estrangeiros instalados no Brasil levaram os deputados brasileiro a aprovar a Lei Afonso Arinos.O primeiro caso teve como principal envolvida a antropóloga negra norte-americana Irene Diggs a qual foi barrada ,por seguranças, na porta do Hotel Serrador localizado no Rio de Janeiro.Nesse mesmo ano um grupo de atores negros do Teatro Experimental do Negro tiveram sua entrada impedida no Hotel Glória, também no Rio de Janeiro, para a participação em uma festa organizada pela Sociedade Brasileira dos Artistas para a qual tais atores foram convidados.
Porém o caso de racismo que provocou maior constrangimento e repercussão na mídia internacional ocorreu em 1950, quando a coreógrafa Katherine Dunham e a cantora Marian Anderson, ambas artistas negras norte-americanas com fama projetadas internacionalmente, foram discriminadas no Hotel Esplanada localizado em São Paulo.
Apesar da mobilização do movimento negro nas décadas de 50 e 60, fora somente a partir da década de 80 que movimento negro vai alcançar suas principais conquistas.Com o eminente fim do regime militar na década de 80 e o retorno da democracia no Brasil ,abre espaço para a uma ampla discussão a respeito da realidade social Brasileira. Pois durante o regime militar viu-se a queda dos movimentos sociais de massa cerceados por um Estado altamente repressivo. Nesse sentido foi ínfima as conquistas do movimento negro.Segundo Silva; Luiz; Jaccoud; Silva (2009,p.22-23)
No período de 1964 até fim da década de 1970,houve grande refluxo nos movimentos sociais de militância antirracista.O período dos governos militares caracterizou-se pela negação da existência de um problema racial no Brasil,e sua abordagem passou a ser definida como questão de “segurança nacional”.Neste contexto até mesmo a pergunta “cor” foi eliminada do Censo Demográfico de 1970.
A ausência de indicadores sociais durante o período militar que levassem em conta a variável raça/cor somado ao silencio por parte das entidades representativas do segmento social negro provocado por um Estado autoritário contribuíram para a difusão da idéia de Brasil como nação racialmente democrática.Apesar da conjuntura política desfavorável para a organização dos movimentos sociais, no final dos anos 70, surge o Movimento Negro Unificado (MNU) o qual passou ,ainda que forma tímida, denunciar o preconceito e a desigualdade etnológica existente no Brasil.
O Movimento Negro Unificado tem suas origens na organização denominada Convergência Socialista (CS). A CS era composta por militantes negros os quais possuíam uma orientação Marxista. Os lideres dessa organização acreditavam que as lutas contra o racismo presente na sociedade brasileira tinham que convergir com as lutas anticapitalistas encabeçada por diversos grupos atuantes da época. Na concepção dos militantes da Convergência Socialista o capitalismo era o sistema econômico que usufruía do racismo e somente com a sua queda e a conseqüente construção de uma sociedade igualitária poderia ser superado ao exclusão racial brasileira.
As principais bandeiras do Movimento Negro Unificado eram a desmistificação da democracia racial brasileira, a organização política da população negra ,a transformação do movimento negro em um movimento de massas assim como a criação de um leque de alianças com o movimento sindical e partidos políticos na luta contra a desigualdade e o preconceito etnológico no Brasil. Para Santos (1994 apud DOMINGUES ,2008,p.105)
(...) todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e cultural do negro], fundadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades religiosas [como terreiros de candomblé, por exemplo,], assistenciais [como as confrarias coloniais], recreativas [como “clubes de negros”], artísticas [como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia], culturais [como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas [como o Movimento Negro Unificado]; e ações de mobilização política, de protesto anti-discriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro.
Na década de 80,com o processo de redemocratização do Brasil, percebe-se uma intensa e ampla mobilização do movimento negro em praticamente todo território nacional.As entidades representativas do movimento negro organizou a campanha “Não deixe sua cor passar em branco”.De abrangência nacional tal campanha teve como principal objetivo despertar a consciência negra na população afro brasileira.
Essa campanha foi uma estratégia concatenada pelo movimento negro para mobilizar a população negra para responder o quesito de autoidentificação da “cor” no Censo que iria ser realizado em 1991. Pois na medida em que a população negra comparece-se nos dados estáticos oficiais a classe política, as instituições do estado e a própria sociedade civil brasileira poderia compreender melhor a realidade socioeconômica em que se encontrava a maioria dos indivíduos da etnia negra fazendo com facilita-se a elaboração de políticas sociais voltada para esse seguimento historicamente marginalizado na sociedade brasileira.
A ampla mobilização do povo negro assistida na década de 80 vai fazer com que vários setores da população brasileira aderissem a causa racial.Um exemplo dessa ampliação foi a Campanha da Fraternidade de 1988. Sob o lema “Ouvi o clamor desse povo negro” a Igreja Católica ,principalmente nos seus setores progressistas, buscou despertar na sociedade brasileira a consciência solidária para com os indivíduos pertencentes a etnia negra.
“Nesse sentido nos anos 80 o termo “negro”“ é “resgatado e dotado de nova significação: Negro tornou-se uma palavra de ordem, de reconstrução da dignidade, de desenvolvimento da auto-estima. Transformamos desqualificação na qualificação maior de nossa identidade”.(GARCIA apud JACCOUD,2009,p.25)
A ampliação do debate publico relacionado à temática racial na sociedade brasileira nos anos 80 é destacada por D’ Adesky (2001 apud SILVA; LUIZ; ;SILVA,W.,p.25)
A denuncia do racismo vinha associada à demanda por respeito à cultura dos descendentes de africanos e da afirmação de sua identidade específica.A negação,pela sociedade brasileira,do valor da herança cultural e histórica negra repercute na reivindicação de uma cidadania baseada na preservação e valorização das tradições culturais de origem africana,na reinterpretação da história e na denuncia de todos os fatores de desenraizamento e de alienação que atingem a população negra.
No governo de José Sarney (1985-1990) medidas políticas em prol da total redemocratização do país foram implantadas. Naquele governo o grande evento político foi a convocação de uma Assembléia Constituinte responsável pela elaboração de uma nova Constituição brasileira. Em novembro de 1986 foi eleita a Constituinte. Nessa conjuntura política ampliou-se a mobilização social da população negra e multiplicaram-se a realização de encontros em praticamente todos estados brasileiros com o intuito de construir propostas visando à promoção da população negra e ao combate ao racismo vigente na sociedade brasileira.
O resultado dessa efervescência social proporcionada pelo movimento negro durante processo de redemocratização brasileira cita-se a criação da Fundação Cultural Palmares (FCP). Essa instituição vinculada ao Ministério da Cultura que tem como objetivo promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra no formação da sociedade brasileira.
Tal instituição representou a concretização de um antigo anseio dos militantes de diversos movimentos negros que atuaram no decorrer do século XX. Movimentos os quais reivindicavam uma maior participação dos representantes do povo negro junto ao governo brasileiro através de uma instituição representativa da comunidade negra. Pois através desse espaço os projetos de inclusão positiva da população negra na sociedade brasileira teriam maior chance de concretização.
A Fundação Cultural Palmares tinha entre os seus objetivos a identificação das comunidades remanescentes de quilombos e o apoio à demarcação e titulação de suas respectivas terras. Durante muitos anos a FCP agregou as responsabilidades pela política voltada para o segmento populacional afro brasileiro, apesar de ter sido criada para promover a valorização do patrimônio cultural negro na sociedade brasileira.
Apesar da vitória do movimento negro na criação da FCP, as principais reivindicações do movimento negro da época não foram atendidas, mantendo assim, o Estado brasileiro inerte no que tange a promoção de políticas publicas voltadas para o combate as iniqüidades étnicas na sociedade brasileira.
No ano de 1988 foi marcado pela promulgação da Constituição brasileira. Tal constituição foi a mais democrática da historia do Brasil.Naquele mesmo ano completou-se 100 anos de abolição da escravidão negra no Brasil.O ano do centenário da Lei Áurea de1888 foi comemorado através de grandes mobilizações do movimento negro por todo território nacional.As conseqüências dessas mobilizações foram refletidas no texto Constitucional o qual considerou crime inafiançável a pratica do racismo na sociedade brasileira.Segundo Jaccoud (2009,p.27)
A Constituição Federal de 1988 participa do dialogo direto com a temática da discriminação racial. Tendo como marco a afirmação da igualdade, o combate aos preconceitos, o repúdio ao racismo e a defesa da pluralidade e da liberdade de culto, o texto constitucional trata do racismo, reconhecido como crime inafiançável e imprescritível, e da diversidade cultural da Nação como aspecto a ser reconhecido e valorizado.Neste sentido,ela dá continuidade à trajetória iniciada durante os anos 1980,quando a denúncia contra o racismo e a reafirmação e a valorização da cultura negra apresentavam-se como elementos centrais da estratégia política do movimento negro.
Criminalização do racismo prevista na Constituição de 1988 foi uma grande vitória do movimento negro brasileiro .Pois dessa forma o Estado brasileiro admitiu no seu maior ordenamento jurídico a existência de racismo como fenômeno ativo no âmbito das relações sociais do País.Por essa Constituição fica claro oficialmente que não existe no Brasil a equidade étnica e que a partir de então o estado brasileiro assume a responsabilidade de promover esforços políticos para concretizar a democracia racial.
Em uma analise positiva da Constituição de 1988, Sarmento (2002 apud Jaccoud, 2009, p.27-28) argumenta que o combate ás desigualdades raciais não foi objeto de tratamento específico pela tal constituição. Entretanto, como tem destacado a bibliografia sobre o tema, a centralidade dada aos princípios da dignidade humana (Art.1º), da redução das desigualdades (Art.3º), da promoção do bem de todos (Art.3º), da recusa de qualquer forma de preconceito ou discriminação (Art.3º), da prevalência dos direitos humanos (Art.4º)
e da defesa da igualdade (Art.5º) permitiu o acolhimento não apenas do repúdio ao racismo (art.5º,inciso XLII),mas de ampla defesa da justiça ,do combate aos preconceitos e da defesa da pluralidade,todos com transbordamento direto à questão racial.
Apesar das inúmeras vitorias do movimento negro no decorrer da década de 80 não se notou concretização de políticas de ação afirmativa no combate a desigualdade racial presente na realidade social brasileira nesse período. Pois nesse período a proposta geral dos movimentos negros era denunciar o racismo oculto e a desigualdade etnológica do país.
Foi nos anos 90 que se viu a concretização de ações afirmativas no Brasil. Pois o contexto político brasileiro no inicio dessa década estava pautado na consolidação das instituições democráticas e no repudio a qualquer tipo de repressão por parte do Estado, favorecendo assim, a ampliação do debate sobre os problemas que afetam a realidade social brasileira. Nessa década ocorreu uma grande mobilização de varias entidades do movimento negro a chamada Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela cidadania e a Vida.
Essa passeata mobilizou milhares de afro-brasileiros em 20 de novembro de 1995 em Brasília no governo de Fernando Henrique Cardoso. O objetivo político desse ato foi denunciar desigualdade racial existente no Brasil e propor a implantação de políticas afirmativas como forma de combater a histórica discriminação racial brasileira. O resultado desse movimento foi a institucionalização no Ministério da Justiça do Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra. Tal Grupo possuía objetivo de propor ações integradas de combate à discriminação racial e de recomendar políticas de consolidação da cidadania da população.
A Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela Cidadania e a Vida marcou a história do movimento negro no Brasil. Pois até então as lutas do movimento negro ,em sua maioria ,possuía um caráter mais denunciativo contra um Estado e uma sociedade imersos no mito da democracia racial.
Essa passeata demonstrou uma evolução no movimento negro brasileiro. Pois além de incumbir um papel denunciativo, as entidades representativas do movimento negro organizadora daquele evento, propuseram ao governo brasileiro uma serie de soluções na área da saúde, educação, mercado de trabalho, segurança publica, na questão agrária entre outros setores os quais influenciavam diretamente á vida dos milhares negros da sociedade brasileira.
Essas soluções foram reunidas em um único documento o qual foi entregue ao então presidente da republica Fernando Henrique Cardoso. Tal documento foi intitulado de Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial e serviu de base para inúmeras políticas publicas em prol da população negra adotas pelo poder publico em diversos estados brasileiros.O movimento negro a partir de então passa a propor soluções concretas para eliminar as seculares barreiras que vem impedindo a conquista da real cidadania para os afro brasileiros.Segundo Jaccoud (2009,p.32-33)
O documento então entregue ao governo federal ressalta não apenas o protesto “contra as condições subumanas em que vive o povo negro deste país,” Mas principalmente, expressa a demanda por ações efetivas do Estado. Apontando a existência de racismo na escola, que impede a valorização positiva da diversidade étnico-racial, denunciando uma divisão racial do trabalho no país, destacando o acesso diferenciado a políticas públicas, como no caso da saúde, da segurança pública e da justiça, o documento da macha demanda do Estado à criação de condições efetivas para que todos possam se beneficiar da igualdade de oportunidades como condição de afirmação da democracia brasileira.
Os anos que se segue após a A Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela Cidadania e a Vida viu-se na sociedade brasileira a ampliação de iniciativas políticas que visavam o combate da discriminação racial.Como por exemplo a realização ,por parte do governo federal brasileiro,do seminário Internacional Multiculturalismo e Racismo: O Papel da Ação Afirmativa nos Estado Democráticos Contemporâneos.Tal evento ocorrido em 1996 possuiu um certo grau de relevância na medida em que as discussões giraram em torno da aplicabilidade da políticas de ações afirmativas no Brasil. Analisando a importância histórica desse seminário, Santos indaga (2007apud JACCOUD, 2009, p.34) “ A cerimônia de abertura assistiu, pela primeira vez, ao reconhecimento público de um presidente brasileiro da existência de discriminação e desigualdade racial em desfavor dos negros.”
A conquista da verdadeira cidadania do povo negro no Brasil está estritamente relacionada com a organização e luta do movimento negro no decorrer da historia do país .Mas cabe salientar que além desses fatores internos soma-se a conjuntura internacional que em vários momentos do devir histórico brasileiro influenciou diretamente na postura que o Estado e a sociedade brasileira trataram determinados temas políticos,econômicos,sociais e culturais que atuam na existência cotidiana dos milhares de brasileiros.Em consonâncias com essa idéia é de suma importância explicitar o papel que a III Conferência Mundial contra Racismo,Discriminação Racial,Xenofobia e Intolerância Correlata ocorrida em Durban na África do sul no ano de 2001.
Tal Conferencia convocada pela a Organização das Nações Unidas tinha como objetivo principal, a nível internacional, a criação de mecanismos efetivos de combate a pratica do racismo vigente em diversos países. A intolerância em relação às diferenças culturais é acentuada na medida em que o mundo se torna cada vez mais internacionalizado. Daí a importância da responsabilidade dos estados mundiais em criar soluções para os novos problemas provenientes integração internacional.
No final da citada conferencia foi concretizada um acordo internacional o qual os países participantes se comprometeram a adotar medidas políticas de combate a discriminação racial e os problemas relacionados a intolerância cultural vigentes na sociedade mundial.Pois,
“Reconhecemos a necessidade de se adotarem medidas especiais ou medidas positivas em favor das vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata com intuito de promover sua plena integração na sociedade. As medidas para uma ação efetiva, inclusive as medidas sociais, devem visar corrigir as condições que impedem o gozo dos direitos e a introdução de medidas especiais para incentivar a participação igualitária de todos os grupos raciais, culturais, lingüísticos e religiosos em todos os setores da sociedade, colocando todos em igualdade de condições.” (CONFERENCIA MUNDIAL CONTRA RACISMO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, XENOFOBIA E INTOLERANCIA CORRELATA, Declaração de Durban e plano de ação.Brasília:FC/Ministério da Cultura,2001)
Após a participação do Brasil na conferencia de Durban varias medidas de combate a desigualdade racial passou a ser promovidas pelo governo federal e por vários Estados brasileiros.A temática racial passou a ocupar maior espaço no âmbito das instituições brasileiras.Segundo Jaccoud (2009,p.36)
A conferencia de Durban constituiu efetivo marco para o tratamento das questões raciais no Brasil. Pela primeira vez, o governo brasileiro assumiu, na cena publica nacional e internacional, a existência de um problema racial no país e comprometeu-se com o enfrentamento. Como resultado, varias medidas começaram a ser implementadas pelo governo federal.Foi criado o conselho Nacional de combate à discriminação Racial(CNCD) ligado à Secretaria de Estado de Direitos Humanos,tendo como objetivo incentivar a criação de políticas publicas afirmativas e proteger os direitos de indivíduos e de grupos sociais,raciais e étnicos sujeitos a discriminação racial.
Nos anos posteriores a conferencia de Durban notáveis avanços políticos no que tange a promoção da igualdade racial no Brasil foram implantados. Cabe aqui salientar institucionalização da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) através da Lei nº 10.678 de 2003 . Porém de forma a ampliar as responsabilidades do governo federal para com outros seguimentos historicamente excluídos da sociedade brasileira, como os povos indígenas, a Lei nº 10.678 de 2003 foi alterada pela Lei nº 12.314 de 19 de agosto de 2010.
Segundo a Lei 10.678 de 2003 a função da Seppir é
Assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial, na formulação, coordenação e avaliação das políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos, com ênfase na população negra”. (Lei 10.678 de 2003)
Com a criação da Seppir a situação socioeconômica desfavorável da população negra brasileira passa a ocupar maior espaço junto ao estado brasileiro fazendo com que consolide a temática racial nas instituições brasileiras.
Em suma, foi essencial a organização e a mobilização do movimento negro, principalmente nas décadas de 80 e 90, na luta pela equidade racial na sociedade brasileira. Importantes conquistas em prol da cidadania do povo negro, como a criminalização da pratica do racismo previsto na Constituição Federal, a redução do impacto da “democracia racial” na mentalidade brasileira assim como a criação de instituições e Políticas de Ação Afirmativas no âmbito do poder público que visam o combate à histórica marginalização dos indivíduos afro brasileiros. Foi mérito do movimento negro o despertar da consciência negra que vem ocorrendo nos indivíduos que representam grande parte da população brasileira.Ou seja,
Ao fundo desse processo inovador, o movimento negro reinventou-se e mobilizou-se, apresentando-se como ator inteiro na cena pública, em uma variedade de mobilizações e manifestações, reafirmando nova postura de demanda em que se alia o combate à discriminação à demanda pela promoção da igualdade racial. (SILVA; LUIZ; SILVA, W, 2009, p.91)
Capitulo 4
A promoção da igualdade racial
No limiar dos anos 2000 ergue-se na sociedade brasileira novas perspectivas no combate a iniqüidade étnica no país.O fortalecimento do debate publico relacionada a temática racial vista em vários setores da sociedade e a possível consolidação dessa temática junto a determinadas instituições do Estado brasileiro,cabe aqui citar o Conselho Nacional de Combate à Discriminação Racial (CNCD)1 ,A Seppir, o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR)2 o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir)3 , foram sem sombra de duvida frutos da organização e luta do movimento negro, principalmente no decorrer das décadas de 80 e 90 assim como a própria evolução do movimento negro no sentido de propor soluções concretas na promoção da equidade racial no país não se limitando no caráter denunciativo contra uma sociedade historicamente marcada pelo preconceito e pela discriminação racial em relação aos indivíduos negros.
No aspecto político os avanços na promoção da equidade racial visto na primeira década dos anos 2000 também estão relacionados com a mudança do governo brasileiro.Com a eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) em 2002 históricas reivindicações do movimento negro passaram a se tornar agenda do governo Lula.Visto que foi nesse governo que ocorreu a primeira nomeação de um ministro negro para Superior Tribunal de Justiça (STJ) o Dr. Benedito Gonçalves.Tal decisão do presidente Lula foi um ato simbólico aja visto que nas principais instâncias do Estado brasileiro a presença de indivíduos negros é quase nula.
A nomeação de Benetido Golçalves para ocupar uma cadeira no STJ representou uma tentativa do governo em aumentar a auto-estima do povo negro e abrir as portas de cargos relevantes da estrutura governamental à uma maior diversidade de cidadãos brasileiros, ou seja,não somente um padrão homogênea na ocupação dos cargos públicos.
A partir dos anos 2000 nota-se uma transformação no que tange o combate da desigualdade racial no Brasil. Nas décadas anteriores a 2000, de forma geral, o papel do movimento negro assim como o governamental limitaram-se a propor leis e instituições que possuíam um caráter restrito ao combate à discriminação e ao preconceito racial vigentes nas relações sociais brasileiras.Como ápice dessas conquistas cita-se a criminalização da pratica do racismo na Constituição de 1988.
Os desafios notados na primeira década dos anos 2000 estão relacionados com a adoção das políticas de promoção da igualdade racial nos vários espaços civis e institucionais da sociedade brasileira que historicamente foram majoritariamente ocupados por indivíduos pertencentes a etnia branca.O papel das chamadas políticas afirmativas se configura como um importante condutor da promoção da igualdade racial e da possível conquista da cidadania negra.
4.1 O quadro social
Ao fazer uma analise das políticas de ação afirmativas em prol da integração social e econômica da população negra no Brasil é de suma importância considerar a realidade social da população brasileira desenhada pelas pesquisas estatísticas desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) no período de 1995 a 2005.Pois os promotores das políticas publicas voltadas para efetivação da promoção da equidade racial ,principalmente a partir dos anos 2000, vão buscar a legitimidade nos indicadores sociais quantitativos e qualitativos divulgados pelas pesquisas do IBGE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
As ações desses órgãos vão ser imprescindíveis na medida em que os discursos propagados pelos setores conservadores da sociedade brasileira contrários a validade das políticas afirmativas em prol da população negra vão cair no campo do senso comum. A realidade social, fundamentada no empirismo, vai demonstrar o imoral abismo entre brancos e negros na sociedade brasileira.
O questionamento mais comum visto na critica dos critérios de identificação racial das pesquisas estatísticas gira em torno das seguintes perguntas: Afinal quantos de nós brasileiros são negros e quantos de nós são brancos?Como saber quem é negro e quem é branco em um país multirracial?
Conforme já foi amplamente demonstrado na literatura, a resposta depende tanto do conceito de cor ou raça usado quanto de como é feita a pergunta. Há um quase consenso no país segundo o qual o melhor modo de fazer a pergunta é a auto-identificação como uma dentre cinco categorias: preto, pardo, branco, indígena e amarelo além da opção não-declarado. (BARÓ; PINHEIRO; JACCOUD, 2009, p.94) 4
As categorias de identificação racial utilizadas pelo IBGE, entre 1995 e 2005, serviram de base para a implantação de políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no decorrer da primeira década dos anos 2000. Viu-se nesses anos a promoção de inúmeras políticas públicas nos setores chaves da sociedade brasileira. Como nas áreas da saúde, na questão agrária, educação, mercado de trabalho entre outros setores os quais são evidenciados o preconceito e a discriminação em torno dos indivíduos pertencentes à etnia negra.
As pesquisas estatísticas realizada em 1995, de acordo com BARÓ, PINHEIRO e JACCOUD (2009, p.94) “demonstraram que os grupos pretos e pardos representavam 45% da população brasileira e, dez anos depois, alcançaram o patamar de 49,6%,o que representa um aumento de 4,5 pontos percentuais”.Essa mesma pesquisa buscou comparar o numero de brasileiros que auto-identificaram como pertencentes à etnia branca. A população branca no espaço temporal de dez anos, 1995 a 2005, obteve uma significativa queda., “Equiparando a uma redução na mesma magnitude no grupo dos brancos, que passam de 54,4% da população para 49,8% em 2005.” (BARÓ; PINHEIRO; JACCOUD, 2009, p.94)
Os negros, de acordo com a citada pesquisa, representam praticamente a metade da população brasileira. Porém essa metade numérica da população brasileira não possuía igualdade no âmbito das relações sociais, econômicas, educacionais, culturais da sociedade. Existe uma disparidade étnica em praticamente todos os setores do campo social brasileiro. Conforme revelam os indicadores sociais.Pois os
Negros nascem com peso inferior a brancos, tem maior probabilidade de morrer antes de completar um ano de idade, têm menor probabilidade de freqüentar uma creche e sofrem taxas de repetências mais altas na escola,o que os leva a abandonar os estudos com níveis inferiores aos do brancos.Jovens negros morrem de forma violenta em maior numero que jovens brancos e têm probabilidades menores de encontrar um emprego.Se encontram um emprego,recebem menos da metade do salário recebidos pelos brancos,o que leva a que se aposentem mais tarde e com valores inferiores,quando o fazem.Ao longo de toda vida,sofrem com o pior atendimento no sistema de saúde e terminam por viver menos e em maior pobreza que brancos. (BARÓ; PINHEIRO; JACCOUD, 2009, p.93)
Em suma varias pesquisas quantitativas e qualitativas promovidas pelos órgãos competentes, principalmente a partir de 1995, vão desenhar um alarmante quadro social brasileiro na contemporaneidade, evidenciando assim, a emergência da aplicação de políticas publica e privadas no combate ao histórico problema da desigualdade racial brasileira.As políticas de ação afirmativas em prol do povo negro que vêm sendo adotadas nos setores chaves da sociedade brasileira, como na questão agrária,na área da saúde,no mercado de trabalho e principalmente na educação, além de ser legitimadas pela atual constituição brasileira, representam o inicio do pagamento de uma divida histórica que o estado e a sociedade brasileira possuem para com um seguimento social que foi escravo por quase três século e meio além de não possuir a cidadania de fato por quase um século e meio.
4.2 As políticas afirmativas na questão agrária
No que se refere a implantação das políticas afirmativas em prol da democratização do acesso a terra para a população negra vem a tona a histórica problemática da distribuição de terra no Brasil.Em uma nação que teve como base de nascimento e desenvolvimento o latifúndio faz jus os intermináveis conflitos agrários.A concentração de grandes extensões do território brasileiro em torno de uma minoria da população contribui para a disseminação de problemas de ordem social como a pobreza, a violência nos grandes centros urbanos entre outros.E esses problemas atinge principalmente a população negra.
No Brasil colônia e posteriormente no império, a maioria dos negros, na situação de escravos,possuíam restrito acesso a propriedade da terra. Naqueles períodos da historia brasileira a conquista da terra pelos negros em vários momentos e em varias localidades se dava através dos chamados quilombos. Para Mattoso (1990 apud VICENTINO, 2004, p.112)
Um quilombo é um esconderijo de escravos fugitivos. É preciso distingui-lo dos verdadeiros movimentos insurrecionais organizados contra o poder branco. O quilombo quer paz, somente recorre à violência se atacado, se descoberto pela polícia ou pelo Exército que tentam destruí-lo, ou se isto for indispensável à sua sobrevivência. Quilombos e mocambos são constantes na paisagem brasileira desde o século XVI. Reação contra o sistema escravista? Retorno à pratica da vida africana ao largo da dominação dos senhores? Protesto contra as condições impostas aos escravos,mais do que contra o próprio sistema,espaço livre para a celebração religiosa? Os quilombos são tudo isso ao mesmo tempo. Eles surgem da própria instabilidade do regime escravista, do trabalho organizado sem qualquer fantasia, da severidade rígida, das injustiças e maltratos.
Nos dias atuais em varias regiões do território brasileiro existem inúmeras comunidades remanescentes dos antigos quilombos. Após as diversas pressões e mobilizações do movimento negro o Estado brasileiro reconheceu na Constituição Federal de 1988 que tais comunidades fazem parte do bem cultural nacional e que, portanto devem ser protegidas pelo Estado e pela sociedade brasileira.
Porém as comunidades remanescentes de quilombos há décadas enfrentam inúmeros problemas relacionados com a negligência por parte do Estado no que se refere à promoção de políticas publicas básicas, como saneamento básico, acesso a educação, a saúde entre outras políticas, essenciais a manutenção de uma vida digna de qualquer ser humano. Segundo Baró,Pinheiro e Jaccoud (2009, p.110),“Em algumas comunidades, os moradores não têm acesso sequer aos documentos de identificação civil, o que lhes traz dificuldade para demandar, por exemplo, os serviços e benefícios de proteção social a que têm direito.”Mas o principal percalço que vem assolando a vida dos milhares de habitantes que residem nas comunidades remanescentes de quilombos está relacionado com a propriedade da terra.
Na Constituição Federal de 1988 especificamente no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias esclarece que, “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras,é reconhecida a propriedade definitiva,devendo o Estado brasileiro emitir-lhes títulos respectivos”.5
No decorrer dos anos 90 viu-se inúmeros problemas no campo institucional no que tange a responsabilidade de demarcação e de titularização das comunidades quilombolas por parte de determinados órgãos da administração publica brasileira.No Governo de Fernando Henrique Cardoso a responsabilidade por tal questão foi transferida do INCRA para Fundação Cultural Palmares.
Naquele período a FCP delimitou e intitulou inúmeras comunidades quilombolas no território nacional. Porém os não quilombolas, em sua maioria grileiros e grandes proprietários de terras, não admitiram facilmente as medidas adotadas pela FCP causando assim inúmeros conflitos jurídicos e sociais em varias regiões do país.Os conflitos na esfera jurídica, em sua maioria,tem como natureza a própria constituição brasileira.Pois nela ,como já foi dito, respalda a titularização das terras para as comunidades quilombolas, porém a mesma constituição , estabelece a desapropriação de determinadas terras mediante indenização.Causando assim um aumento na oneração do estado e o possível desinteresse por parte da classe política brasileira.
No Governo Lula varias medidas foram adotadas no que se refere a questão agrária para as comunidades remanescentes de quilombos.No âmbito institucional a responsabilidade de regulamentação das terras passou da PCP para o INCRA.A FCP ficou responsável para certificar a autodeterminação das inúmera comunidades como quilombola e o INCRA com a função de regulamentação e desapropriação ,caso for necessário,das terras tidas como historicamente pertencente aos descendentes de escravos.
Cabe destacar no Governo Lula a política de ação afirmativa denominada Programa Brasil Quilombola. Esse programa tem o objetivo de desenvolver políticas publicas com vista a oferecer melhores condições de acesso a saúde, educação, saneamento básico entre outros direitos para os habitantes das comunidades quilombolas. A gestão desse programa está sob responsabilidade da Seppir. As ações desse programa possuem determinadas peculiaridades no sentido de respeitar a identidade étnica e as características culturais das comunidades quilombolas beneficiadas.
A partir de 2004 diversas políticas de ação afirmativas em beneficio das comunidades quilombolas vem sendo adotadas por diversos ministérios. O programa Saúde da Família Quilombola desenvolvido pelo Ministério da Saúde é um exemplo dessas políticas. Em relação a esse programa Baró, Pinheiro e Jaccoud (2009, p.110) atestam, “é destinado a apoiar prefeituras onde existem comunidades quilombolas, aumentando ali, em 50%%, o valor dos incentivos para a Saúde da Família e o Saúde Bucal, o que beneficiou mais de 62 mil quilombolas em 54 cidades.
Apesar dos avanços que vem ocorrendo no sentido de garantir a cidadania de fato para os descendentes dos negros escravizados que se encontram nas comunidades quilombolas é irrisória a atenção com que o Estado possui para com um importante segmento da população brasileira aja visto que são mais de centenas de comunidades quilombolas em todo o País.O aprofundamento das políticas de ação afirmativa em prol das comunidades remanescentes de quilombos é sem duvida o pagamento de uma divida histórica que o estado brasileiro vem fazendo para com o povo negro.
3.2 As políticas afirmativas na Saúde
As políticas de ação afirmativa em prol da saúde da população negra que vem sendo adotadas no Brasil foram fruto da luta e da organização do movimento negro durante vários anos, principalmente, a partir dos anos 90.No decorrer daquela década inúmeras ações como protestos, eventos científicos, publicações de artigos e pesquisas entre outras relacionadas a saúde do povo negro fizeram com que ocorresse a conscientização do Estado e da sociedade brasileira no que tange ao acesso à saúde de qualidade para um importante seguimento social da população brasileira composto pelos afro brasileiros.
Em resposta a essa mobilização, principalmente devido a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela Cidadania e a Vida, o governo brasileiro em 1995 cria o Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra (GTI) e do Subgrupo Saúde. Tal grupo em abriu de 1996 promoveu a Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra. Os resultados de tal mesa foram,
a) a introdução do quesito cor nos sistemas de informação de mortalidade e de nascidos vivos b) a elaboração da Resolução 196/96 do CNS, que introduziu, dentre outros, o recorte racial em toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos; e c) a recomendação de implantação de uma política nacional de atenção as pessoas com anemia falciforme. (POLITICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA, Seppir, Brasília, 2009)
Tais medidas foram fundamentais para que o governo e a sociedade brasileira pudessem compreender a realidade a qual a população negra vivencia no que se refere a saúde assim como elaborar soluções.O principal resultado dos debates da Mesa Redonda foi a elaboração do Programa de Anemia Falciforme do Ministério da Saúde (PAF/MS).Esse programa, de acordo com Baró, Pinheiro e Jaccoud (2009, p.134)
Estabelecia um conjunto de ações que tinha como objetivo reduzir a morbimortalidade e melhorar a qualidade de vida dos portadores de anemia falciforme, bem como disseminar informações relativas à doença. Para tanto, deveria atuar desde a busca ativa pelas pessoas afetadas, passando pelo diagnóstico neonatal a todos os recém-nascidos e chegando à ampliação do acesso aos serviços e diagnóstico e ao tratamento de boa qualidade.
A anemia falciforme é uma doença que atinge majoritariamente a população negra.O compromisso do Estado no combate a essa enfermidade foi durante muitos anos uma bandeira do movimento negro, a conclusão do PAF/MS no ano de 2000 foi mais uma conquista do movimento negro.Porém esse programa foi implementado em poucos estados e municípios do país demonstrando assim o pouco descaso por parte do governo brasileiro no tange a saúde para população negra.
A partir de 2004 uma serie de avanços relacionados à melhora da saúde do povo negro foram notados.Isso se deve principalmente pela mobilização do movimento negro,de entidades civis e governamentais na realização de diversos seminários -como por exemplo o I Seminário Nacional de Saúde da População Negra realizado pelo Ministério da Saúde, pesquisas ,eventos científicos entre outros nos quais tinham como pauta a questão da saúde para o povo negro.
Inúmeras pesquisa, realizadas a partir de 2004, vão demonstrar a existência de diferenciais no acesso aos serviços de saúde entre negros e brancos na sociedade brasileira assim como os fatores condicionantes,como as condições sociais,que contribuem favoravelmente para com essas iniqüidades.
As condições econômicas dos indivíduos são fatores decisivos na questão do acesso à saúde de qualidade. Nesse sentido inúmeras pesquisas demonstram que a maioria dos indivíduos pertencentes as camadas financeiramente pobre do Brasil são negros.Ou seja,
No que se refere à pobreza, estudos revelam que os negros correspondem a cerca de 65% da população pobre e 70% da população extremamente pobre, embora representam 45% da população brasileira.Os brancos, por sua vez, são 54% da população total, mas somente 35% dos pobres e 30% dos extremamente pobres. (POLITICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA, Seppir,Brasília, 2009,p.19)
A pobreza econômica a qual se encontra milhares de afro brasileiros faz com que os mesmos fiquem refém dos problemas relacionados à saúde. A estrita relação entre pobreza com saúde indesejável fica evidente na medida em que se analisam, por exemplo, a vida nos grandes centros urbanos no Brasil. Nas medias e grandes cidades as pessoas com baixo poder aquisitivo, que em sua maioria são negros, vão estabelecer moradias em regiões as quais possuem péssimas condições de existência. Como ausência de abastecimento de água tratada e de coleta de lixo, inadequado sistema de saneamento básico, alta densidade demográfica entre outros fatores que vão proporcionar a proliferação de inúmeras doenças. Tais enfermidades vão atingir principalmente a população negra. No que se trata da mortalidade infantil no Brasil inúmeras pesquisas vão apontar que,
O risco de uma criança preta ou parda morrer antes dos cinco anos por causa infecciosas e parasitárias é 60% maior do que o de uma criança branca. Também o risco de morte por desnutrição apresenta diferenças alarmantes, sendo 90% maior entre crianças pretas e pardas que entre brancas. (POLITICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA, Seppir, Brasília, 2009, p.19)
Ao analisar o nível de mortalidade na população brasileira adulta causada por fatores externos como homicídios, acidentes naturais e de trabalho entre outros, no viés racial, fica clara a existência da desigualdade entre brancos e negros no numero de óbitos no país.Pois,
O risco de uma pessoa negra morrer por causa externa é 56% maior que o de uma pessoa branca;no caso de um homem negro,o risco é de 70% maior que o de um homem branco.No geral,o risco de morte por homicídios foi maior nas populações preta e parda,independente do sexo. (POLITICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA, Seppir, Brasília, 2009, p.20)
Em suma, em vários aspectos relacionados com a saúde entre brancos e negros no Brasil os inúmeros estudos e pesquisas realizados por diversos órgãos vão demonstrar que a situação vivenciada pelos afro brasileiros é critica.Fazendo com que o estado brasileiro crie políticas afirmativas para os negros adquirem o direito á saúde.Nesse sentido em 2004 foi elaborada a Política Nacional de Saúde da População Negra.Essa política afirmativa tem como objetivo de coordenar e sistematizar as políticas voltadas para saúde da população negra que até então eram adotadas de forma dispersas pelos órgãos competentes do estado brasileiro. Baró, Pinheiro e Jaccoud (2009, p.134) mencionam as três linhas de atuação de tal política,
i)O programa Nacional de Atenção ás pessoas com Doença Falciforme e outras Homoglobinopatias - que tem enfatizado a importância da atenção pré-natal e o cuidado com as crianças falcêmicas recém-nascidas,(...) realização de testes na população de risco para detectar a existência da doença e da inclusão do quesito raça/cor em todas as instâncias de atendimento da saúde para a detecção e tratamento dos falcêmicos; ii)a inclusão do recorte racial no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal e no Programa Nacional de Dst/Aids e iii) a criação do incentivo à equidade em saúde,que estabeleceu um aumento de 50% no valor (...) dos incentivos para o Saúde da Família e o Saúde Bucal nos municípios de maior vulnerabilidade social, principalmente naqueles com população remanescente de quilombos.
Portanto é notória as ações do governo brasileiro ,principalmente a partir de 2004,na elaboração de políticas afirmativas na área da saúde em benefício da população negra.Porém tais medidas são muito tímidas diante da situação critica em que vive uma grande parte da população brasileira.
3.3 Políticas afirmativas no mercado de trabalho
O trabalho é fundamental para qualquer ser humano manter sua existência e conquistar a sua cidadania, segundo Frigotto (2002, p.40)
O trabalho, em seu sentido de produção de bens úteis materiais e simbólicos ou criador de valores de uso, é condição constitutiva da vida dos seres humanos em relação aos outros. Mediante isso, o trabalho transforma os bens da natureza ou os produz para responder, antes de tudo, às suas múltiplas necessidades. Por isso o trabalho é humanamente imprescindível ao homem, desde sempre.
Porém no mercado de trabalho brasileiro o acesso aos postos de trabalho, principalmente aqueles que possuem melhor remuneração, é claramente desigual entre brancos e negros. A pigmentação da pele, mesmo após 123 de abolição da escravidão, é um fator determinante no que se refere a ocupação de um espaço no âmbito das relações de produção de bens de existência da vida humana.O preconceito e a discriminação em relação ao ser negro ainda é presente na mentalidade da sociedade brasileira.
O trabalho é o principal promovedor da renda dos indivíduos. Ao passo que é através da renda que as pessoas adquirem os bens necessários a uma vida digna.No Brasil inúmeros estudos e pesquisas realizadas por diversos órgãos, nos últimos 20 anos , demonstram que existe uma notável disparidade entre os negros e brancos no que se refere a renda. Segundo Silva; Luis; Jaccoud (2009, p.83)
Conforme estudo recente, a razão da renda, ou seja, o resultado da divisão da renda de negros pela renda de brancos entre 1987 e 2000 permaneceu praticamente a mesma, em torno de 2,4 pontos. Neste período, os brancos possuíam, em média, uma renda 2,4 vezes maior que os negros. Entre 2001 e 2007, a razão de renda entre brancos e negros diminuiu progressivamente, chegando a 2,06 pontos em 2007, o que indica que a renda media de brancos era então um pouco maior que o dobro da renda de negros. Neste ritmo de queda, a projeção é que demoraria 22 anos para que a razão de renda entre os dois grupos seja igual a 1,0 , o que significaria alcançar a igualdade de rendimentos.
Porém cabe salientar que a redução das disparidades da renda entre negros e brancos, demonstrada na pesquisa acima, nos últimos anos foi devido principalmente aos inúmeros programas de distribuição de renda que o governo brasileiro vem adotando na ultima década. Pois tais programas, como o Bolsa Família, melhoram as condições de renda das camadas mais pobres do país, que em sua maioria é composta pelos indivíduos pertencentes à etnia negra, aumentando assim a renda dos negros. Ou seja, não foi devido ao aumento de oportunidades para os negros na ocupação de melhores posto no mercado de trabalho que vem contribuindo pela tímida redução das disparidades de renda entre as etnias no Brasil.
Em relação aos efeitos dessas políticas redistributivas Silva; Luis; Jaccoud (2009, p.85) afirma que “tais políticas não são capazes de responder aos mecanismos discriminatórios que dificultam a mobilidade de negros no mercado de trabalho. E, no que se refere a renda advinda do trabalho, não se observa melhoria na desigualdade entre brancos e negros.”
As disparidade de renda entre trabalhadores brancos e negros tem como explicação o preconceito e a discriminação racial em relação aos indivíduos negros no mercado de trabalho.Mesmo negros e brancos com os mesmos níveis educacionais os primeiros possuem menores rendimentos que os segundos . Como é atestado por Silva, Luiz e Jaccoud (2009, p, 87),
Em 1995, um negro com menos de quatro anos de estudo recebia aproximadamente 64% da renda que um branco com a mesma escolaridade. Um negro com mais de 11 anos de estudo, a renda era equivalente a 69% de um trabalhador branco com a mesma escolaridade. Considerando estes dois grupos de trabalhadores em 2007, percebe-se pouca alteração no quadro de desigualdade renda (...) [Pois] em 2007, um trabalhador negro com menos de quatro anos de estudo apresentou renda equivalente a 72% da renda de um branco com a mesma escolaridade. Contudo, a diferença aumentou para os trabalhadores com quatro e sete anos de estudos. Para o grupo com mais de 11 anos de estudo, contudo, o quadro permaneceu praticamente estável em comparação com 1995.
Com vista a combater tais desigualdades entre brancos e negros no mercado de trabalho o estado brasileiro no decorrer da década de 90 passou a adotar algumas políticas afirmativas principalmente no âmbito institucional.Os esforços do governo brasileiro no que se refere a promoção da igualdade racial foi notado principalmente após as inúmeras mobilizações do movimento negro.
Em 1996 foi instituído o Grupo de Trabalho para Eliminação da discriminação no Emprego e na Ocupação (GTDEO). Cabe salientar que tal grupo foi uma contrapartida do governo brasileiro à ação promovida pelas entidades representativas do movimento negro junto a Organização Internacional do Trabalho (OIT). As entidades do movimento fizeram uma denuncia formal na OIT no que se refere à existência da discriminação racial no mercado de trabalho do Brasil. Obrigando assim o governo brasileiro a adotar determinadas medidas.
O GTDO foi instituído no Ministério do Trabalho em 1996, mas somente em 2000, viu-se a concretização de resultados quando tal Grupo criou, nas delegacias e subdelegacias regionais, os núcleos de promoção da igualdade de oportunidades e de combate a discriminação no emprego e na profissão. Entre os principais objetivos desses núcleos é “propor estratégias e ações que visem eliminar a discriminação e o tratamento degradante e que protejam a dignidade da pessoa humana, em matéria de trabalho;” 6
Mas foi somente a partir de 2001 que se notou no Brasil a realização de inúmeras políticas de ação afirmativa em prol dos indivíduos negros no mercado de trabalho. Principalmente no que se refere ao serviço publico brasileiro.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), de forma pioneira, instituiu ações direcionadas ao seu corpo de funcionário no sentido de ampliar as oportunidades para os indivíduos pertencentes a etnia negra.O MDA instituiu a cota mínima de 20% para indivíduos negros na ocupação dos cargos de direção do ministério assim como estabeleceu a mesma porcentagem no preenchimento de vagas via concurso público.
No que se refere às empresas que já prestam ou que pretendem prestar algum serviço ao MDA “a partir de agosto de 2002(...) deverão ser procedidas de comprovação de desenvolvimento de ações de cunho/afirmativo de resgate de cidadania,respeitando diversidade -raça/gênero- em seus quadros funcionais”.7
Após iniciativa do MDA o Ministério da Justiça (MJ) e Ministério da Cultura (MinC) adotaram -se semelhante programas .Esses dois ministérios instituíram a cota de 20% para negros no preenchimento de cargos de direção e assessoramento superior além de estabelecer a prioridade na contratação de empresas prestadoras de serviços as quais desenvolvem políticas afirmativas em prol da população negra.
O ministério das relações exteriores desenvolveu um programa inovador em matéria de políticas afirmativas.Esse ministério ofereceu bolsas de estudo para apoiar candidatos negros e se prepararem para o concurso de formação de diplomatas oferecido pelo Instituto Rio Branco.Algumas instituições do Poder Judiciário brasileiro no decorrer de 2002 passou a implementar programas de ações afirmativas em beneficio de afro brasileiros, como ocorreu no Tribunal Superior do Trabalho (TST) o qual implantou uma política de reserva de vagas nos contratos com as empresas prestadoras de serviços. Essas empresas para adquirir serviços do TST teriam que comprovar que em seus respectivos quadros de funcionários possuía no mínimo 20% de funcionários negros.
Em suma, diversos órgãos do governo federal passaram a sinalizar o interesse de adotar políticas de ação afirmativas principalmente após a participação do Brasil na 3° Conferencia Mundial contra o Racismo ocorrida em Durban na África do Sul no ano de 2000.
Apesar das históricas iniciativas do governo federal em promover a igualdade entre brancos e negros nas estruturas do Estado cabe salientar que os resultados foram praticamente nulos. Pois muitas das decisões tomadas pelos citados ministérios não manteve continuidade nos anos posteriores. Porém, como salienta Silva, Luis e Jaccoud (2009, p.129)
Essas iniciativas, ainda que apresentando resultados escassos, representaram um marco importante no movimento do Estado brasileiro de reconhecimento de que não apenas as desigualdades raciais devem ser combatidas com ações efetivas, mas também que as ações afirmativas, priorizando uma população historicamente marginalizada,deveriam ter como meta,inclusive,a alteração do perfil do funcionalismo publico,ainda marcadamente excludente no que diz respeito a presença de negros em seus quadros.
Em relação às desigualdades raciais notadas no mercado de trabalho oferecido pelo setor privado brasileiro não foi notados avanços no que diz respeito adoção de políticas afirmativas.Pois no setor comercial os postos chaves das empresas,como gerentes,diretores entre outros, são maciçamente ocupados por indivíduos brancos. Inúmeros são os casos pelo país de denúncias contra a prática de racismo no setor privado brasileiro. Como atesta Silva, Luis e Jaccoud (2009, p.130),
Em 2000, O Ministério do Trabalho recebeu denuncias do disque-racismo de Salvador, que, baseado em pesquisas realizadas, alertava que alguns shoppings e hotéis da cidade praticavam discriminação racial tanto na admissão quanto no processo de ascensão dos trabalhadores. O argumento era de que nos grandes centros comerciais da cidade a reduzida presença de negros causava perplexidade, ainda mais nos cargos de gerencia,já que Salvador possuía 72,5% de sua população negra,em 2000.
Na tentativa de promover equidade étnica no mercado de trabalho assim como combater a discriminação racial nesse setor em 2002 foi criado no Ministério Publico do Trabalho a Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação com objetivo de articular as ações promovidas pelo Ministério no que tange as questões raciais. Tal coordenadoria promoveu uma serie de estudos relacionados com a diversidade étnica no corpo funcional de inúmeras empresas no Brasil.
Após tal levantamento o ministério do trabalho em 2005 sistematizou um programa que buscava estabelecer acordos e compromissos com as empresas notificadas para que as mesmas pudessem adotar determinadas medidas para reverter o quadro de desigualdade étnica em seus respectivos quadros de funcionários. Esse programa denominou-se de Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidades para Todos. Inicialmente esse programa se limitou em atuar nas empresas do setor financeiro e posteriormente em outras empresas. Pois, os vários estudos realizados pelo Ministério do Trabalho demonstravam as disparidades entre negros e brancos que trabalham nesse setor.
Em suma, o programa propõe a atuação efetiva do Ministério Publico do Trabalho na luta contra a discriminação racial, de gênero e na inclusão justa de pessoas negras e do sexo feminino no mercado de trabalho. Tais ações pretendem contemplar a diversidade de gênero e de raça em cada estado brasileiro de acordo com os a suas peculiaridades. A iniciativa busca não somente coibir atitudes discriminatórias, mas promover ações afirmativas que ofereçam igualdade de oportunidades para as vitimas do preconceito vigente na sociedade brasileira principalmente no mercado de trabalho.
Portanto o que tem visto nos últimos anos no que se refere a concretizações de políticas afirmativas em prol do povo negro na esfera do mercado de trabalho, ainda que timidamente, representa uma mudança de postura e da própria mentalidade do estado e da sociedade brasileira em relação ao combate ao um problema que a população negra vivencia desde o Brasil colonial.
3.4 As Políticas afirmativas na educação brasileira
A educação dentro do campo histórico sempre representou um mecanismo o qual diferencia os sujeitos no âmbito das relações sociais. Ela ,principalmente no contexto econômico o qual a sociedade vivencia,é fundamental na conquista de melhores condições materiais e culturais de existência para qualquer ser humano.
Porém no Brasil o acesso uma educação de qualidade historicamente foi privilégio de uma minoria da população a qual em sua maioria é composta por indivíduos brancos. Nos dias atuais ao fazer uma analise do perfil etnológico dos indivíduos brasileiros que possuem um alto nível educacional percebe-se que a maioria desses indivíduos são brancos.
No aspecto educacional brasileiro de acordo com Baró, Pinheiro e Fontoura (2009, p.124-126) “em diversos aspectos os negros encontram-se em situação desfavorável em relação aos brancos; na inserção na escola, especialmente no ensino médio; na defasagem escolar - inadequação entre idade e serie; na evasão; na repetência, entre outros.” Essa situação vai ser refletida no mercado de trabalho onde a população negra vai ocupar postos de trabalhos os quais receberão remuneração inferior aos brancos.
De forma a promover equidade na educação o governo brasileiro nos últimos anos vem adotando uma serie de políticas afirmativas em beneficio da população negra, principalmente a partir de 2000. E uma dessas medidas foi a promulgação da Lei n° 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade da inclusão no currículo do ensino básico,tanto fornecido pelas escolas publicas e privadas, da História e da Cultura Afro - brasileiras.Tal lei foi uma notável conquista do movimento negro que durante muitos anos exigiu do Estado uma medida em prol da formação e conhecimento dos estudantes sobre as raízes que a sociedade brasileira possui com os povos africanos.
A lei 10.639/2003 representou uma ruptura nos paradigmas que até então permeavam no ensino da Historia na educação básica brasileira os quais des- favoreciam o entendimento e a possível consolidação da identidade afro- brasileira. Foram notáveis as ações de resistência das instituições de ensino brasileira no que diz respeito à implantação dessa lei. E um dos fatores que impede a plena concretização de tal lei é o numero reduzido de professores capacitados em Historia e cultura africana. Uma vez que nas universidades brasileiras praticamente não existia nos cursos de Historia a disciplina Historia da África.
Cabe ressaltar que em 2008 ocorreram algumas alterações na citada lei. Pois devido principalmente às pressões do movimento indígena a lei 10.639 de 2003 foi modificada pela lei 11.645 de 10 de março de 2008 a qual obrigou também a inclusão dos estudos da Historia e cultura dos povos indígena na educação básica brasileira. Fazendo com que a educação no país valoriza-se também o conhecimento e a consolidação da identidade de um segmento social historicamente explorado e marginalizado da sociedade brasileira.
Um dos grandes problemas que os afro-brasileiros historicamente enfrentam na educação é sem dúvida a continuação regular nas etapas do processo de ensino aprendizagem nas instituições educacionais.Pois na maioria dos casos de evasão escolar dos alunos negros é devido a falta de auxilio financeiro durante a permanência na escola.Nesse sentido uma das mais recentes políticas de ação afirmativa em prol da permanência dos estudantes negros na escola é o projeto Fortalecimento Educacional dos Negros e Negras no Ensino Médio implantado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2006 nos Estados do Pará,Maranhão, Rio Grande do Sul e Santa Catarina o qual oferece apoio pedagógico e uma bolsa mensal no valor de R$ 60,00 para os alunos afro-brasileiros selecionados.O MEC vem desenvolvendo tal projeto em caráter piloto.Porém demonstra ser um eficaz mecanismo de promoção da igualdade racial na educação brasileira.
A discrepante disparidade entre brancos e negros na educação brasileira é sem duvida no ensino superior oferecido pelas universidades publicas e privadas do país. Inúmeros são os estudos e pesquisa que comprovam a desigualdade racial nesse nível educacional. Pois “do total dos universitários brasileiros, 97% são brancos,sobre 2% de negros e apenas 1% de descendentes de orientais.” (HENRIQUES, 2001 apud MUNANGA, 2003)
A desigualdade entre brancos e negros nas universidades localizadas em diversos estados brasileiros é de extrema relevância na medida em que diversas pesquisas comparam o numero de indivíduos negros presentes na população de cada estado com o numero de estudantes negros que estudam nas universidades desse respectivos estados.Como atesta Vogt,
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o número de alunos brancos é de 76,8%, o de negros 20,3% para uma população negra no estado de 44, 63%; na Universidade Federal do Paraná (UFPR) os brancos são 86,6%, os negros, 8,6%, para uma população negra no estado de 20,27%; na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), brancos são 47%, negros 42,8% e a população negra no estado, 73,36%; na Universidade Federal da Bahia (UFBA), 50,8% são brancos, 42,6% negros e 74,95% a população negra do estado; na Universidade de Brasília (UnB), são brancos 63,74%, são negros 32,3%, tendo o Distrito Federal uma população negra de 47,98%; na Universidade de São Paulo (USP), os alunos brancos somam 78,2%, os negros, 8,3% e o percentual da população negra no estado é de 27,4%. (VOGT. Carlos. Ações afirmativas e políticas de afirmação do negro no Brasil. Disponível em: .Acesso em:18 junho 2011.)
De forma a promover a igualdade racial nas universidades brasileiras inúmeras políticas de ação afirmativas vem sendo implantadas nos últimos anos pelo o poder publico brasileiro principalmente a partir de 2001. E uma das mais polêmicas medidas é a reserva de determinada quantidade de vagas nos diversos cursos superiores oferecidos pelas universidades para estudantes negros.
O sistema de cotas para afro brasileiros foi adotado de forma pioneira na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) pela Lei Estadual 3.708 /2001. Tal lei estabeleceu a reserva mínima de 40% para estudantes pertencentes a etnia negra e parda relativas aos cursos de graduação oferecidos não somente pela UERJ como também pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
Como é demonstrado pela Historia toda medida que visa alterar os espaços usufruídos pelos grupos privilegiados é vitima de diversas criticas.Como foi o caso da promulgação da referida lei.De acordo com as criticas a lei feria o principio da proporcionalidade fazendo com que o Estado revogasse a lei 3.708 de 2001 promulgando assim a Lei 4.151 de 2003 a qual estabeleceu a reserva ,em 40% ,das vagas para estudantes carentes e não somente para negros.
Após a iniciativa da UERJ diversas universidades brasileiras passaram a adotar políticas de ação afirmativas em prol da população negra principalmente o sistema de reservas de vagas para estudantes negros. Porém muitas barreiras vêm sendo criadas por determinados setores da sociedade brasileira contrários a promoção da equidade racial no país principalmente no campo educacional de nível superior.
Além dos desafios os quais a população negra se depara na conquista de melhores condições no mercado de trabalho, na saúde, na questão agrária e principalmente na educação tal segmento enfrenta constantes invertidas da intolerância racial como exemplifica Silva, Jaccoud e Soares (2009,p.171)
No dia 28 de março, alguns estudantes residentes na Casa do Estudante Universitário (CEU) atearam fogo à porta de três apartamentos habitados por estudantes de países africanos. Esse fato alcançou projeção nacional e internacional, sendo manchete nos principais jornais de circulação nacional e de países como Guiné-Bissau, Senegal e Nigéria. A repercussão negativa levou a um pronunciamento oficial do governo brasileiro, lamentado o episódio e expressando o seu comprometimento em combater práticas racistas e xenófobas em território nacional.
A plena democracia racial no Brasil está refém do acesso, permanência e sucesso do seguimento populacional afro-decendente em todos os níveis da educação. É de suma importância advertir de que as medidas compensatórias são as reparações de uma injustiça histórica e de uma discriminação que tem marginalizado os negros dos setores chaves da sociedade brasileira.Portanto as políticas de ações a afirmativas que vêm sendo adotadas no Brasil contribuem para integrar econômica e socialmente um seguimento relevante da população brasileira. Segmento o qual enfrentou e vem enfrentando diversos percalços no decorrer da história simplesmente pelo fato de possuir a pele negra.
Considerações finais
A proposta do presente trabalho foi elaborar uma analise das políticas de ações afirmativas em prol da população negra a qual o Estado brasileiro vem adotando ,nos últimos anos, como forma promover a equidade étnica no país.No decorrer do trabalho ressaltou-se que historicamente a população negra foi excluída de forma econômica,social e culturalmente por mecanismos de cunho político-ideológico em diversos momentos do devir histórico brasileiro.
As transformações políticas e econômicas vivenciadas pela sociedade brasileira tão pouco modificou o quadro social o qual se encontrava, e encontra, a grande parte da população etnicamente negra do país.Fora necessário provir do meio externo e principalmente da organização e luta do movimento negro o despertar da nação brasileira para com um problema que vem sendo arrastado há séculos no interior do seu corpo social.
As políticas afirmativas em prol dos afro-brasileiros demonstram ser um eficaz instrumento de promoção da cidadania plena para o povo negro. Pois através delas um relevante seguimento da população brasileira poderá ter acesso a uma serie de direitos universais garantidos pela própria constituição do país. No entanto, tais direitos são usufruídos somente por uma parcela majoritariamente branca da população brasileira como foi demonstrado no decorrer deste trabalho.
A promoção da igualdade racial que vem sendo realizada pelas instituições e esferas do estado brasileiro através das políticas afirmativas é palco de diversas críticas de setores da sociedade que não pretendem facilitar o acesso do povo negro aos direitos sociais demonstrando assim a vigência da mística democracia racial em vários segmentos da sociedade brasileira. A concretização das políticas afirmativas em prol do povo negro que representa praticamente a metade da população brasileira, como já foi ressaltado neste trabalho, contribui positivamente não somente para os afro-brasileiros, mas também para toda sociedade da nação brasileira.


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1 Criado em 2001 o CNDC está ligado à Secretaria de Estado de Direitos Humanos e tem como finalidade incentivar a criação de políticas publicas afirmativas e proteger os direitos de indivíduos e de grupos sociais,raciais e étnicos propensos à discriminação racial.a criação desse foi um reflexo da Conferencia de Durban.
2 Institucionalizado em 2003 o CNPIR é um órgão ligado a Seppir e tem um caráter consultivo e tem objetivo de propor políticas de combate ao racismo,ao preconceito e à discriminação e de promoção da igualdade racial.Apesar da
3 O Fipir visa articular os poderes públicos Municipais, Estaduais e Federais na elaboração de políticas voltadas para promoção da igualdade racial
4 Essas categorias de identificação racial foi utilizadas nas pesquisas do IBGE no período entre 1995 e 2005.Porem no censo 2010 foram utilizadas as seguintes categorias: branco, preto, amarelo, pardo e indígena.A categoria não-declarado não foi utilizada no ultimo Censo.
5 Constituição Federal - Presidência da Republica Federativa do Brasil
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6 Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego n° 604, de 1° de junho de 2000, Art.2, Inc.II que institui os Núcleos.
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