sexta-feira, 24 de abril de 2015

A rainha Ginga, considerada a fundadora do reino de Angola

Dona Ana de Sousa ou Ngola Ana Nzinga Mbande ou Rainha Ginga (c. 1583 — Matamba, 17 de dezembro de 1663) foi uma rainha (“Ngola“) dos reinos do Ndongo e de Matamba, no Sudoeste de África, no século XVII. O seu título real na língua quimbundo – “Ngola” -, foi o nome utilizado pelos portugueses para denominar aquela região (Angola).
Nzinga viveu durante um período em que o tráfico de escravos africanos e a consolidação do poder dos portugueses na região estavam a crescer rapidamente. Era filha de Nzinga a Mbande Ngola Kiluanje e de Guenguela Cakombe, e irmã do NgolaNgoli Bbondi (o régulo de Matamba), que tendo se revoltado contra o domínio português em 1618, foi derrotado pelas forças sob o comando de Luís Mendes de Vasconcelos. O seu nome surge nos registros históricos três anos mais tarde, como uma enviada de seu irmão, numa conferência de paz com o governador português de Luanda. Após de anos de incursões portuguesas para capturar escravos, e entre batalhas intermitentes, Nzinga negociou um tratado de termos iguais, converteu-se ao cristianismo para fortalecer o tratado e adaptou o nome português de Dona Ana de Sousa. No ano subseqüente, entretanto, reiniciaram-se as hostilidades. As fontes divergem quanto ao motivo:
•Ngoli Bbondi teria se revoltado novamente, fazendo grandes ofensas aos portugueses e derrotando as tropas do governador português João Correia de Sousa em 1621. Dona Ana, entretanto, teria permanecido fiel aos portugueses, a quem teria auxiliado por vingança ao assassinato, pelo irmão, de um filho seu. Tendo envenenado o irmão, sucedeu-lhe no poder.
•tendo os termos do tratado sido rompidos por Portugal, Dona Ana pediu a seu irmão para interceder e lutar contra a invasão portuguesa. Diante da recusa de seu irmão, Nzinga, pessoalmente, formou uma aliança com o povo Jaga, desposando o seu chefe, e subseqüentemente conquistando o reino de Matamba. Ganhou notoriedade durante a guerra por liderar pessoalmente as suas tropas e por ter proibido as suas tropas de a tratarem como “Rainha”, preferindo que se dirigissem a ela como “Rei”. Em 1635 encontrava-se disponível para formar uma coligação com os reinos do Congo, Kassanje, Dembos e Kissama. Como soberana, rompeu os compromissos com Portugal, abandonando a religião católica e praticando uma série de violências não só contra os portugueses, mas também contra as populações tributárias de Portugal na região. O governador de Angola, Fernão de Sousa, moveu-lhe guerra exemplar, derrotando-a em batalha em que lhe matou muita gente e aprisionando-lhe duas irmãs, Cambe e Funge. Estas foram trazidas para Luanda e batizadas, respectivamente com os nomes de Bárbara e Engrácia, tendo retornado, em 1623, para Matamba.
A rainha manteve-se em paz por quase duas décadas até que, diante do plano de conquista de Angola por forças da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais, percebeu uma nova oportunidade de resistir. Traída eventualmente pelos Jaga, formou uma aliança com os holandeses que à época ocupavam boa parte da Região Nordeste do Brasil. Com o auxílio das forças de Nzinga, os holandeses conseguiram ocupar Luanda, de 1641 a 1648.
Em Janeiro de 1647, Gaspar Borges de Madureira derrotou as forças de Nzinga, aprisionando sua irmã, D. Bárbara. Com a reconquista definitiva de Angola pelas forças portuguesas de Salvador Correia de Sá e Benevides, retirou-se para Matamba, onde continuou a resistir.
Em 1657, um grupo de missionários capuchinhos italianos convenceu-na a retornar à fé católica, e então, o governador de Angola, Luís Martins de Sousa Chichorro, restitui-lhe a irmã, que ainda era mantida cativa.
Em 1659, Dona Ana assinou um novo tratado de paz com Portugal. Ajudou a reinserir antigos escravos e formou uma economia que ao contrário de outras no continente, não dependia do tráfico de escravos. Dona Ana faleceu de forma pacífica aos oitenta anos de idade, como uma figura admirada e respeitada por Portugal.
Após a sua morte, 7000 mil soldados da Rainha Ginga, foram levados para o Brasil e vendidos como escravos. Os portugueses passaram a controlar a área em 1671. Em certas áreas, Portugal não obteve controle total até o século XX, principalmente devido ao seu tipo de colonização, centrado no litoral. No Brasil, o nome da Rainha Ginga é referido em vários folguedos da Festa de Reis dos negros do Rosário, onde reis do congo católicos lutam contra reis que não aceitam o cristianismo.
Dona Ana de Sousa possuía muitas variações do seu nome que, em alguns casos, eram completamente distintos. Entre eles (mas não apenas, registram: Rainha Nzinga, Nzinga I, Rainha Nzinga Mdongo, Nzinga Mbandi, Nzinga Mbande, Jinga, Singa,Zhinga, Ginga, Ana Nzinga, Ngola Nzinga, Nzinga de Matamba, Rainha Nzingha de Ndongo, Ann Nzingha, Nxingha, Mbande Ana Nzingha e Ann Nzingha.

Publicado por Eileen Morais Salvação Barreto
Livro conta história da rainha Ginga, heroína angolana
por PEDRO ROSA MENDES, Paris 26 Julho 2010


 Obra conta como Ginga reinou 40 anos e resistiu durante 30 aos portugueses.
A rainha Ginga (1582-1663) é apresentada como “uma protonacionalista angolana, na luta contra o poder colonial português, e uma heroína de todo o continente” numa nova obra… de referência publicada em França sobre “a mulher mais famosa de África”.
Ana de Sousa N’Jinga M’Bandi, a célebre rainha Ginga, “é uma das figuras mais fascinantes da história africana”, resumiu o historiador e editor francês Michel Chandeigne, entrevistado pela Lusa em Paris.
Michel Chandeigne, fundador da Livraria Portuguesa em Paris e especialista da história da expansão portuguesa, acaba de publicar N’Jinga, Rainha de Angola, numa edição de referência do relato do padre Antonio Cavazzi de Monteccuccolo (1621-1678).
O volume, de 416 páginas, é a história da conversão de “uma rainha terrível” ao catolicismo, considerada durante muito tempo como a força anticristã mais terrível da África Central, explicou Michel Chandeigne à Lusa. Ginga reinou durante 40 anos e resistiu quase 30 aos portugueses, com as suas tropas de Jagas, “uma seita cruel”.
O relato de Cavazzi, um missionário que desprezava os africanos mas que paradoxalmente estudou em detalhe os seus cultos, é também o resultado do fascínio que a heroína angolana exercia sobre os seus contemporâneos. O fascínio foi partilhado pelo missionário que devia salvá-la para o Deus cristão e que foi seu confessor. Cavazzi oficiou ele mesmo as exéquias da “Rainha dos Jagas”. “Ginga era uma mulher inteligente. Todos, mesmo os seus inimigos da época, têm um discurso unânime sobre isso. Tinha uma liberdade sexual total. Dormia com escravos que estavam à sua disposição sob ameaça de morte se tivessem encontros com qualquer outra mulher”, recorda Chandeigne. “Ginga tende a ficar na história africana como a grande heroína do continente. Morreu muito velha. Era uma mulher com uma força de homem, digamos, que comandou as suas tropas no campo de batalha durante muitos anos. É uma figura proto nacionalista de resistência aos portugueses e à opressão”, acrescenta também o historiador francês. “Ao contrário do que se passou no Congo, onde a Igreja local estava nas mãos da elite do país e onde a população abraçou por sua vontade o cristianismo, em Angola a adesão à nova fé foi reticente e forçada”, escrevem no prefácio ao livro Linda Heywood e John K. Thornton, dois dos maiores especialistas do período abrangido pela vida de Ginga. O testemunho de Cavazzi “é excepcional porque o homem era muito atento às práticas culturais, aos cultos dos africanos, aos vestidos, à vida quotidiana. É um testemunho ímpar na história das missões e temos também desenhos com descrição de sacrifícios, práticas de justiça, penas de morte”, iconografia que corresponde aos relatos de grande crueldade que atravessam a obra. A edição da Chandeigne sobre a rainha Ginga, resultado de dez anos de trabalho, corresponde à primeira versão da Histórica descrizione de tre regni Congo, Matamba ed Angola, manuscrito descoberto em Modena (Itália) nos arquivos da família Araldi, em 1969. É deste manuscrito “perdido” que Chandeigne reproduz as aquarelas com cenas da vida na Matamba seiscentista.“Era uma mulher de poder, uma mulher livre, uma grande heroína africana”, resume Michel Chandeigne. “Espero que com este livro o fenômeno ultrapasse as fronteiras do mundo lusófono.”

Nenhum comentário: