sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Mulheres quebram estereótipos no carnaval brasileiro

Mulheres quebram estereótipos no carnaval brasileiro
Nem só de passistas vive o carnaval do Brasil. Isto está cada ano mais evidente nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo. A escola paulista vencedora deste ano, a Rosas de Ouro, é presidida por uma mulher, Angelita Basílio, e em 2009, no Rio de Janeiro, o Salgueiro sagrou-se campeão também com uma mulher na presidência da escola, Regina Celi Fernandes Duran.
Apesar de ser um espaço majoritariamente masculino, o mundo do samba e do carnaval tem mudado e incorporado mais mulheres. Nos últimos anos, pesquisas a respeito do assunto têm esclarecido sobre a importância feminina. Um exemplo é o livro “A Força Feminina do Samba”, escrito por Nilcemar Nogueira, neta de Cartola e Dona Zica. A obra faz um apanhado inédito de 60 perfis de mulheres, entre tias, baianas, passistas, porta-bandeiras, cozinheiras, aderecistas, carnavalescas, intérpretes e compositoras. Mulheres que venceram o preconceito contra a mulher e contra o próprio samba, contribuindo para o desenvolvimento da identidade cultural brasileira, reverenciando a trajetória feminina, cuja sabedoria foi passada de geração em geração.
O livro fala de pioneirismos, como o de Ruça, de Vila Isabel, a primeira mulher que chegou à presidência de uma escola de samba, em 1987, e uma das poucas que alcançou o posto até hoje. Segundo a autora, mesmo dominado por homens, o samba sempre foi um terreiro gerenciado por mulheres.
De acordo com José Ramos Tinhorão, historiador e crítico musical, o samba nasceu no Rio de Janeiro, na Cidade Nova, perto da Praça Onze. E foi na Cidade Nova, segundo o livro “Brasil Século XX: ao Pé da Letra da Canção Popular”, que estava situada a casa de Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, a mais famosa das “tias” baianas – herdeiras das tradições culturais africanas encarregadas de transmiti-las às gerações futuras. A casa de Tia Ciata pode ser considerada um dos berços do samba porque “exalava a cultura africana: dança, culinária, cultos religiosos (candomblé) e ritmo”.
Até o início do século XX, o samba era apenas ritmo, não havia letra, assim como o choro, gênero totalmente instrumental surgido a partir do fim do século XIX. Do choro, ao maxixe e ao samba, a música brasileira em sua formação sofreu diversas influências, como das hispano-americanas e europeias. E o nome feminino que remete a essa evolução é o de Chiquinha Gonzaga. Ela promoveu a anexação de ritmos negros, como lundu e o maxixe, a consagrados ritmos brancos, como valsa, polca e música sacra.
Revolucionária na arte e na vida, largando o marido e vivendo sozinha com um dos filhos, sobrevivendo de dar aulas de piano e vendendo suas músicas, Chiquinha agitou a vida cultural do Rio de Janeiro, impondo-se profissionalmente no meio musical, apesar da sociedade não aprovar tais atitudes em uma mulher. Seu primeiro sucesso foi a polca “Atraente”, gênero musical que exerceu grande influência na criação do maxixe, do choro e do samba brasileiro. Entre 1897 e 1899, Chiquinha Gonzaga, influenciada pelos ensaios do Cordão Rosa de Ouro, que aconteciam próximo a casa onde morava, compôs a sempre lembrada “Ó Abre Alas”, inaugurando o que hoje conhecemos como marchinha de carnaval. Ela também foi a primeira mulher a compor músicas para óperas e peças teatrais e a pioneira feminina a reger uma orquestra no Brasil. Como afirma o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral, “se a música brasileira urbana tem muitos pais, a mãe é uma só: Chiquinha Gonzaga”.
Apesar de toda a euforia com os novos ritmos, o samba sofreu por muito tempo preconceito da elite, que tinha como referência de “boa música” o que vinha da Europa e, portanto, classificavam a nova manifestação cultural como atraso cultural do país, produzida por “boêmios” e “vagabundos”. Ao mesmo tempo, para as mulheres, que também passam a viver sob nova realidade com a afirmação de direitos e com influência da chamada revolução sexual a partir da década de 1960, vários nomes se afirmaram no cenário do samba, como Leci Brandão, Alcione e uma em especial, Dona Ivone Lara.
A cantora e compositora recentemente teve sua vida contada no livro “Nasci para Sonhar e Cantar – Dona Ivone Lara: a Mulher no Samba”, da jornalista Mila Burns. Dona Ivone Lara foi a primeira mulher a assinar um samba-enredo, “Os Cinco Bailes da História do Rio”, em parceria com Silas de Oliveira e Bacalhau, levado à avenida em 1965 pelo Império Serrano. Também é co-autora de outros clássicos da música nacional, como “Sonho Meu” e “Acreditar”. Com quase 90 anos, é considerada a maior cantora e autora viva de samba no Brasil e o sucesso, segundo Mila Burns, vai além das influências musicais familiares que teve, tem relação direta com a capacidade que teve Dona Ivone Lara de se impor em um nicho majoritariamente masculino – o dos compositores.
Apesar dos avanços, como a presença de mulheres trabalhando em vários setores importantes das escolas de samba e algumas sendo vitoriosas à frente das presidências, ainda existem desafios, como a presença delas nas baterias. O Salgueiro foi a primeira escola a ter mulheres na bateria, mas as ritmistas ainda ocupam um percentual muito pequeno. A Mangueira, por exemplo, admitiu mulheres na bateria apenas em 2007, em seus 80 anos de história. Segundo o site
www.sambariocarnaval.com.br, São Paulo é onde há a maior concentração de mulheres na bateria, tocando vários instrumentos, e lá estão em grande número. Na escola Águia de Ouro, quase 30% dos ritmistas são mulheres e há também uma bateria exclusivamente feminina, garantindo nota máxima para a escola já há alguns anos.

Fontes
CABRAL, Sérgio. A MPB na Era do Rádio. São Paulo: Moderna, 1996.
WORMS, Luciana Salles, COSTA, Wellington Borges. Brasil Século XX: Ao Pé da Letra da Canção Popular. Curitiba: Nova Didática, 2002.
Jornal do Brasil, 07/02/2009.
Revista Caros Amigos – Rebeldes Brasileiros – Zumbi e Chiquinha Gonzaga.
Fascículo 1.
Revista Nossa História, Nº 16, fevereiro de 2005 e Nº 32, junho de 2006.

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