quarta-feira, 31 de março de 2010

Iº SALÃO DE ARTES VISUAIS “CULTURA NEGRA”

V FECAN FESTIVAL DE CULTURA E ARTE NEGRA

Iº SALÃO DE ARTES VISUAIS “CULTURA NEGRA”
• DESENHO, PINTURA, ESCULTURA E FOTOGRAFIA
A muito se falava em realizar um salão de artes visuais com o tema que abrange o prodigioso legado da cultura negra em todas as modalidades e possibilidades.
É chegada a hora de perdermos o medo, e hoje através do V FECAN, temos certeza, este objetivo cultural que faz parte da vida dos homens será alcançado e também pela importância do próprio tema motivar o artista plástico no desenvolvimento de seu potencial.
Biolla
Coordenador de Artes Plásticas no V FECAN

REGULAMENTO
O Iº SALÃO DE ARTES VISUAIS “CULTURA NEGRA”.
Acontecerá no período de 01 de Maio a 16 de Maio de 2010,
no NECUN (Núcleo de Estudos da Cultura Negra).

1. INSCRIÇÃO
1.1– A inscrição se dará no período de 20 de março a 20 de Abril de 2010.
É gratuita e aberta a artistas brasileiros e estrangeiros legal e comprovadamente residentes há mais de 02 (dois) anos no país.
1.2– A inscrição será feita em ficha própria ou fotocópia, acompanhada de um breve currículo do artista, (para o caso de artista iniciante não é necessário o envio deste).
È imprescindível o completo preenchimento de 2(duas)vias, datilografadas ou em letra maiúsculas, só serão aceitas fichas de inscrição assinadas pelo artista ou por seu procurador, através de instrumento específico.
As fichas de inscrição poderão ser obtidas no NECUN (AV. DEPUTADO ESTEVES RODRIGUES, Nº 20 – CENTRO) ou CENTRO DE EXTENSÃO E CULTURA DR. HERMES DE PAULA, Praça Dr. Chaves, nº 32 – CEP: 39.400-005 – Centro – Montes Claros-MG
ou também pelo Email: neafrotamboresdosmontes@gmail.com
1.3– O Dossiê, com formato máximo de 21x33 cm (tamanho ofício), deverá conter Xerox de comprovante de endereço (p/ futuros contatos), currículo resumido, a inscrição de no máximo3 trabalhos em uma modalidade contendo no verso o nome do artista, dimensões da obra, título, material utilizado e ano de execução. Sendo aceitas obras no ato da inscrição.
1.4– Serão aceitas obras inéditas ou não desde que se comprometam com as normas do Iº Salão de Artes Visuais “Cultura Negra”.
1.5– Cada artista terá direito a apenas uma inscrição individual ou em grupo.
1.6– Devem ser apresentados obrigatoriamente três trabalhos por inscrição, cabendo a comissão de seleção e premiação determinar qual irá participar da mostra. Dípticos,trípticos e polípticos são considerados obras únicas.
1.7– O artista disporá das seguintes medidas máximas para a apresentação dos trabalhos: obras bidimensionais 3,60m (três metros e sessenta cm) de largura e 2,00 (dois metros) de altura para o conjunto das três obras. Obras tridimencionais – 1,00m (um metro) de largura e profundidade, por 2,20m (dois metros e 20 centímetros) de altura cada peça. Obras que excederem essas especificações não serão aceitas.
1.8– Não serão aceitas obras realizadas com materiais perecíveis ou adulteráveis que prejudiquem a apresentação de outros trabalhos ou comprometam a integridade física do local de exposição, dos funcionários e do público em geral.1.9 – As inscrições juntamente com as obras deverão ser entregues diretamente, ou por via postal no NECUN (AVENIDA DEPUTADO ESTEVES RODRIGUES, Nº 20– CENTRO– MONTES CLAROS – MG – CEP: 39400-215) inscrições só serão aceitas postadas até 20 de Abril de 2010.
1.10 – Os membros da comissão de seleção e premiação não poderão se inscrever.
Embora não concorram à premiação, é permitida a inscrição de membros da comissão organizadora.
1.11– A comissão organizadora do salão rejeitará inscrições que não estejam de acordo com os termos deste regulamento.
1.12– O ato da inscrição implica automaticamente e plena concordância com as normas deste regulamento.

2. SELEÇÃO
2.1– A seleção dos trabalhos será realizada em etapa única por uma comissão composta por, no mínimo, 03 (três) membros, quando será lavrada a ata de seção, onde estarão fundamentados os critérios adotados.
2.2– A comissão de seleção selecionará obras de no máximo 30 (trinta) artistas, cabendo a mesma se achar necessária selecionar mais obras.
2.3– O resultado da seleção será publicado nos meios de comunicação local. Todos os artistas selecionados serão comunicados por telefone, telegrama ou internet nos dois primeiros dias úteis após a seleção. Os que não forem selecionados serão avisados do resultado por via postal.
2.4– O material de inscrição dos artistas selecionados e não selecionados incluindo o dossiê, não será devolvido. (motivo: futuros contatos)
2.5– Somente serão expostas as obras selecionadas, não sendo permitidas substituições ou modificações das mesmas após seleção.

3. TRANSPORTE
3.1 – Os artistas deverão enviar suas obras por conta própria, para o endereço prescrito no item (1.9) NECUN (AVENIDA DEPUTADO ESTEVES RODRIGUES, Nº 20 – CENTRO MONTES CLAROS –MG,CEP: 39400-215).
A comissão de seleção sugere o máximo cuidado no envio das obras, cabendo ao artista a responsabilidade por danos as mesmas.
3.2 - A devolução das obras será realizada por frete a cobrar, por transporte escolhido pela coordenação do salão.
Caso o artista tenha uma transportadora de sua preferência, deverá informar a coordenação do salão e contatar a empresa para retirar os trabalhos em Montes Claros.
Isso deverá ser feito no prazo de 20 dias após o encerramento do
Iº SALÃO DE ARTES VISUAIS “CULTURA NEGRA”.

4. MONTAGEM
4.1 – Caberá exclusivamente à comissão organizadora o conceito da montagem do salão.
4.2 – Equipamentos e materiais especiais, necessários à apresentação da obra, serão fornecidos pelo artista, sendo de sua total responsabilidade a operacionalização e manutenção dos mesmos.
4.3 – As obras que eventualmente tenham sido danificadas durante o transporte para o Iº Salão de Artes Visuais “Cultura Negra”, só serão expostas se houver tempo hábil para o seu restauro e se a devida cobertura das despesas for efetuada pelo responsável.

5. PREMIAÇÃO
5.1 – A premiação será realizada por uma comissão composta por no mínimo 03 (três) membros convidados pela coordenação, onde será lavrada a ata da seleção e onde estarão fundamentados os critérios adotados.
5.2 – O Iº Salão de Artes Visuais “Cultura Negra” conferirá 04(quatro) prêmios aquisição:
por seguimento:um desenho,um pintura,um escultura e um fotografia
R$ 800,00 (oitocentos reais)
R$ 800,00 (oitocentos reais)
R$ 800,00 ( oitocentos reais)
R$ 800,00 (oitocentos reais)

todos com descontos de 3% previstos pela lei municipal.
5.3 – Os artistas premiados receberam os prêmios em Montes Claros durante a solenidade de abertura do salão.
5.4 – O conjunto da obra premiada será integralmente incorporada aos acervos do (NEAFRO TAMBORES DOS MONTES) com todo o equipamento e material que o compuserem.

6. DISPOSIÇÕES GERAIS
6.1 – As obras não poderão ser alteradas ou retiradas antes do encerramento do salão em Montes Claros.
6.2 – As comissões de seleção e premiação atuarão desde sua formação e até que sejam lavradas e assinadas as respectivas atas, quando serão automaticamente extintas.
6.3 – As decisões das comissões de seleção e premiação serão irretratáveis e irrecorríveis.
6.4 – Ficará a cargo da comissão organizadora qualquer deliberação posterior à extinção das comissões de seleção e premiação.
6.5 – Os casos omissos neste regulamento serão resolvidos pela comissão organizadora.
HORÁRIO DE ATENDIMENTO: DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA,
DAS 8H ÀS 12H E DAS 14H ÀS 18H
PELO TELEFONE: (038)3229 3564 NECUN9104-4369(038) 9946-4731
Com Hilário Bispo


FICHA DE INSCRIÇÃO DO SALÃO
Iº SALÃO DE ARTES VISUAIS “CULTURA NEGRA”
Desenho,Fotografia,Pintura e Escultura



Prazo de entrega dos dossiês
20 de Março a 20 de Abril 2010
Local--------------------------------------
Inscrição nº-----------------
A ser preenchido somente pela Administração do Salão
ARTISTA----------------------------------------------
ENDEREÇO--------------------------------------------
CIDADE------------------------------------------------
BAIRRO --------------------------------CEP-----------
ESTADO-----------------------------------------------
DDD TELEFONE------------IDADE--------------------
CPF ----------------------------------------------------
RG------------------------------------------------------
E-mail--------------------------------------------------
Submeto-me ao Regulamento do Salão


Nome do responsável pela inscrição--------------------------------




Essa Ficha deverá ser colada na obra


ARTISTA_____________________TÉCNICA____________
TÍTULO DA
OBRA___________________________
DIMENSÕES (cm____________________
VERTICAL___________HORIZONTAL__________
PROFUNDIDADE___________________________
VALOR DA OBRA_______________
ANO DE EXECUÇÃO_________________




Essa Ficha deverá ser colada na obra


ARTISTA_____________________TÉCNICA____________
TÍTULO DA
OBRA___________________________
DIMENSÕES (cm____________________
VERTICAL___________HORIZONTAL__________
PROFUNDIDADE___________________________
VALOR DA OBRA_______________
ANO DE EXECUÇÃO_________________




Essa Ficha deverá ser colada na obra


ARTISTA_____________________TÉCNICA____________
TÍTULO DA
OBRA___________________________
DIMENSÕES (cm____________________
VERTICAL___________HORIZONTAL__________
PROFUNDIDADE___________________________
VALOR DA OBRA_______________
ANO DE EXECUÇÃO_________________

quarta-feira, 24 de março de 2010

Mídia deturpa e agride história da única religião genuinamente brasileira

Santo Daime:
mídia deturpa e agride história da única religião genuinamente brasileira

Altino Machado
POR MOISÉS DINIZ

A revista Veja acaba de publicar uma sensacionalista reportagem sobre o assassinato do cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e de seu filho Raoni, 25.
Na reportagem, sem nenhuma base material, a revista acusa o criminoso Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, 24, Cadu, de ter ingerido ayahuasca, levando-o a cometer o crime.

De forma irresponsável e leviana, a revista acusa o uso da ayahuasca como causa do crime e passa a agredir a história dos três líderes que, aqui no Acre, fundaram religiões amazônicas, de raízes indígenas: o mestre Raimundo Irineu Serra, o mestre Daniel Pereira de Matos e mestre Gabriel.

Na tentativa de dar base científica à reportagem, a revista Veja produz um Frankenstein de intolerância religiosa, de desinformação e de preconceito com religiões amazônicas e indígenas. Em nenhum momento cita um estudo científico, com suas fontes e suas provas acadêmicas.

Quando cita a Associação Brasileira de Psiquiatria, não apresenta nenhum especialista, nenhuma fonte demonstrativa ou qualquer prova do que escreve na reportagem. Apenas apresenta a caricatura de um “bacana” com transtorno psíquico, esquizofrênico, que fumava maconha, e que tinha uma mãe e uma tia-avó também esquizofrênicas.
Não apresenta outros casos semelhantes pelo Brasil afora. São mais de 200 centros, entre União do Vegetal e Santo Daime, com mais de 30 mil seguidores. Por que o caso Glauco deveria servir de regra para uma religião que já completou mais de meio século sem um único caso de violência ou morte entre aqueles que a praticam?

Aqui no Acre, entre as igrejas do Alto Santo, Barquinha e União do Vegetal, são milhares de seguidores gozando de elevada qualidade de vida, respeitados socialmente e livres das pragas do alcoolismo e do consumo de drogas.

Aqui no Acre, entre os seguidores do Santo Daime, da UDV e da Barquinha, há juízes e promotores, jornalistas renomados, deputados e prefeitos, médicos e economistas, empresários, professores de universidades, delegados, policiais, membros de academias e de instituições laicas e respeitadas.

Homens e mulheres que estudam, acessam as bibliotecas e estão informados sobre os avanços da ciência, as curvas da economia e da política e as reportagens fantasiosas, levianas, preconceituosas, anticientíficas e mentirosas de Veja.

Milhares de jovens escaparam das grades dos presídios e até da morte porque abraçaram a religião dos entes mágicos da floresta, das ancestrais aldeias indígenas e da fraternidade de viver como irmãos nos dias de louvor, sob a simplicidade de seus hinos e do consumo ritualístico da ayahuasca.

Não há um único caso de agressão física, de violência, de distúrbio ou de morte entre os seguidores da UDV, do Santo Daime ou da Barquinha, em mais de meio século de religião, entre milhares de seguidores.

A revista Veja deturpou tudo: a história e a resistência dos líderes religiosos, o papel espiritual e social que cumpre as igrejas ayahuasqueiras, a origem indígena milenar e a longa tradição de vida saudável de seus membros. A revista Veja só não esqueceu daquilo que está lhe ficando peculiar: escrever com preconceito e leviandade. Veja sequer respeitou a história.

A ayahuasca serviu como base para o estabelecimento de diferentes tradições espirituais por comunidades indígenas nos países amazônicos desde tempos imemoriais. Os povos indígenas utilizaram a ayahuasca como um elo imaterial com o divino que estava entre as árvores, os lagos silenciosos, os igarapés. É que, para eles, a natureza possuía alma e vontade própria.

Povos indígenas do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador, há quatro mil anos, utilizam a ayahuasca em seus rituais sagrados, como o padre usa o vinho sacramental na Eucaristia e os indígenas bebem o peyote nas cerimônias sincréticas da Igreja Nativa Americana.

O uso ritualístico da ayahuasca é bem mais antigo que o consumo do saquê ou Ki, bebida sagrada do Xintoísmo, usada a partir de 300 a.C, feito do arroz e fermentado pela saliva feminina, sendo cuspida pelas jovens virgens em tachos.

As origens do uso da ayahuasca nos países amazônicos remontam à Pré-história. Há evidências arqueológicas através de potes e desenhos que nos levam a afirmar que o uso da ayahuasca ocorra desde 2 mil a.C.

A utilização da ayahuasca pelo homem branco é uma acolhida da espiritualidade das florestas tropicais, um banho de rio milenar e sentimental do tempo em que os povos amazônicos viviam em fraternidade econômica e religiosa.

Os ataques ao uso ritualístico-religioso da ayahuasca, como bebida sacramental, nos autoriza a afirmar que podem estar nascendo interesses menos inocentes e mais poderosos do que uma simples preocupação acadêmica com a utilização de substâncias psicoativas.

Nunca é bom esquecer que a ayahuasca é uma substância natural exclusiva das florestas tropicais dos países amazônicos e pode alimentar interesses econômicos relacionados a patentes e elevar a cobiça sobre a nossa inestimável biodiversidade.

Não custa nada ficar alerta para essa esquizofrenia da grande mídia em atacar o uso ritualístico-religioso da ayahuasca. É mais fácil roubar um pão numa padaria do que uma hóstia no altar, mesmo que os dois sejam feitos do mesmo trigo. Por que tanto interesse em dessacralizar o uso da ayahuasca?

A ayahuasca é uma combinação química simples e ao mesmo tempo complexa, que envolve um cipó e um arbusto endêmicos do imenso continente amazônico. Simples porque a sua primitiva química material da floresta é realizada por homens comuns, do pajé ao ayahuasqueiro dos templos amazônicos.

Complexa porque envolve a elevação de indicadores psico-sociais de qualidade de vida e
ajuda a atingir estados ampliados de consciência dos usuários. Isso por si só já alça a ayahuasca a um patamar superior no plano do controle científico dessas duas ervas milenares.

Assim, a ayahuasca ganha contornos políticos por envolver recursos florísticos de inestimável valor psico-social e espiritual. Os seus usuários consideram o “vinho das almas” como um instrumento físico-espiritual que favorece a limpeza interior, a introspecção, o autoconhecimento e a meditação.

Utilizar ayahuasca aqui na Amazônia é beber do próprio poço de nossa ancestralidade e da magia que representa a nossa milenar resistência. Aqui na floresta, protegidos pelos entes fortes de nossa religião animista e natural, nossos ancestrais não precisaram “miscigenar” sua fé.

Não foi necessário fazer como os negros escravos, que deram nomes de santos católicos aos seus deuses africanos. Nossos ancestrais indígenas não precisaram batizar Iemanjá de Nossa Senhora ou Oxossi de São Sebastião para se protegerem da fé unilateral do dono da terra e das almas.

É que entre nós a terra era de todos e o único dono era o senhor da chuva, do orvalho e do sol.
A beleza coletiva dos recursos naturais era compartilhada por toda a aldeia, do curumim ao sábio ancião.

A ayahuasca era a essência espiritual dessa convivência material fraterna e universal entre as árvores carinhosas, os riachos irmãos, os pássaros cantores, os peixes, as larvas, os insetos, as flores. A ayahuasca ancestral era o elo entre a terra e o espírito.
Se não fosse uma erva espiritual e mágica, trazida pelas mãos milenares dos povos indígenas amazônicos, ela não teria resistido ao tempo. Por isso é natural que a ayahuasca atraia cada vez mais o homem branco, esmagado pelo destrutivo modo de vida urbano, elitista, ocidental, capitalista.

A ayahuasca não é um chá que se consome como se bebe um líquido ácido qualquer.
O seu uso é espiritual e envolve aqueles que o utilizam na mais límpida tradição de amar o próximo e reencontrar os valores que perdemos na caminhada do planeta que se dividiu em castas, cores, fronteiras e etnias.

Não entrarei no debate acadêmico sobre o uso de substâncias psicoativas por parte das religiões milenares, das eras pré-colombianas aos templos dos tempos atuais. Não tenho competência para debater os pontos de vista da medicina, da psicologia ou da etnofarmacologia. Ficarei apenas com os resultados do uso milenar da ayahuasca pelos povos indígenas.

A milenar história amazônica não registra casos de morte ou de seqüelas à saúde dos povos indígena por terem utilizado a ayahuasca. Nenhum índio, nesses séculos de consumo da ayahuasca, deu entrada no hospital dos brancos ou foi curado pelos pajés.

A ayahuasca não é “taliban”, seus usuários não constituem nenhuma seita, eles não são fanáticos, não há um único caso de morte ou de castigo físico que tenha sido resultado do seu consumo ritualístico.

O uso ritualístico da ayahuasca não provoca transes místicos ou de possessão. Ela não age no organismo como a antiga bebida hindu, denominada soma, que se divinizou por afastar o sofrimento, embriagando e elevando as forças vitais.

Depois de 4 mil anos de uso sagrado e ritualístico da ayahuasca, os estudiosos da civilização ocidental erguem argumentos anêmicos e endêmicos de uma sociedade que tem medo do “contato” aberto do homem com a natureza. É que eles têm medo da relação amorosa entre o indivíduo e a natureza com os seus elementos poderosos e coletivos.

Os sábios e avançados incas utilizaram a ayahuasca para consolidar-se como povo, como nação e para ajudar no florescimento da cultura, da matemática, da agricultura e da astronomia. Não é qualquer planta ou cipó que faz um povo, uma história milenar, uma religião.

Só não puderam utilizar a sagrada ayahuasca para produzir metálicos fuzis, pois se assim fosse, não teriam sido dizimados pelos invasores espanhóis. Pizarro não consumiu o “cipó dos mortos”, por isso dizimou tantos guerreiros, mulheres índias, donzelas, pajés, curumins.

A ayahuasca resistiu, venceu os invasores e as suas crenças unilaterais, atravessou os séculos, os milênios, unificou as milenares gerações indígenas e suavizou a dor “civilizaria” das eras pós-colombianas.

A ayahuasca é a religião da terra para o céu, da matéria eterna e natural para o infinito do sonho humano, a religião natural. Uma verdadeira e única religião do Brasil, aliás, uma colossal e genuína religião amazônica e indígena.

Encerro esse ensaio com um relato da experiência física de quem fez uso ritualístico-religioso da ayahuasca:

Lembro de tudo nitidamente. Eu via seres de luz carregando lixo da floresta para dentro de uma caminhonete. Muitos seres e muito lixo. Então perguntei para um deles:
- O que é isso?
Um dos seres me respondeu:
- São as suas máscaras, você não pode ver ainda.

Moisés Diniz é autor do livro O Santo de Deus e deputado estadual pelo PCdoB do Acre. Clique aqui e leia os manifestos (de março de 2006) sobre ayahuasca, de autoria do Centro Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo e do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, os mais tradicionais do Acre.-- Michael Laiso Felix Jornal Tribuna Afrobrasileira61. 8141 6843"Admita seus erros. O melhor professor que existe é a própria experiência de ter errado".www.tribunaafrobrasileira.com.br

Afeganistão usa Islã para ajudar mulheres

Autoridades do país asiático decidem recorrer a líderes religiosos para conscientizar população sobre efeitos nocivos da violência de gênero
Preocupado com violações dos direitos das mulheres no Afeganistão, o governo do país resolveu recorrer a líderes religiosos - entre eles mulás, representantes de mesquitas islâmicas - para tentar diminuir os casos de violência de gênero e casamentos forçados, em uma iniciativa encabeçada pelo Ministério para Assuntos Religiosos e o Ministério para Assuntos da Mulher.
Os dois órgãos, com o apoio do PNUD, buscam conscientizar a população sobre os direitos do sexo feminino, utilizando um meio de grande identificação: o islamismo. "Acreditamos que, ao envolver líderes religiosos, a violência doméstica vai diminuir", afirma Mawalwi Abdul Hanan, que participa do projeto.
Além de usar o Islã para alertar para as consequências do casamento precoce, da união forçada e da violência de gênero, o governo afegão também quer tirar dúvidas sobre questões envolvendo herança, comparando o que é estabelecido pela legislação islâmica sobre os direitos hereditários da mulher ao que ocorre na prática.
O programa já começou a dar resultados. Mulás abordam o tema da violação de direitos nos sermões de sexta-feira, em suas mesquitas. Ao público masculino, eles explicam os efeitos nocivos das ações contra o sexo oposto, segundo apontamentos muçulmanos. A ideia é que, ao envolver os homens desde o início, tornando-os agentes de transformação, a visão da sociedade sobre o estatuto da mulher também mude.
A população afegã é formada, quase que integralmente, por comunidades tradicionais ligadas estritamente à cultura e aos costumes locais. Essa situação faz com que as pessoas, às vezes, confiem somente nos líderes religiosos e mulás, nos quais depositam a proteção dos valores da sociedade. Por isso, ao recorrer a eles, o governo espera mudar a realidade das mulheres afegãs.
O projeto foi inicialmente implementado na província de Balkh, no fim do ano passado. Envolveu 250 mulás de cinco distritos, que participaram de sessões de capacitação e palestras sobre os direitos da mulher segundo o Islã. Para o coordenador do projeto do PNUD para Igualdade de Gênero na cidade de Mazar-e-Sharif, Ahmaduddin Sahibi, "o programa tem um enfoque muito correto, principalmente em áreas rurais".
A intenção das autoridades afegãs é reproduzir a experiência em outras províncias, em iniciativa que conta com o respaldo da ONU. A organização trabalha com o governo do país asiático para tentar abordar as necessidades das mulheres, algo que considera fundamental para o desenvolvimento.
Uma das promessas mais recentes do governo afegão foi a de elevar para 30%, até 2013, a participação feminina em cargos públicos. Atualmente, somente 22% dos funcionários do governo são mulheres. Desse total, apenas 9% ocupam funções de liderança.

terça-feira, 23 de março de 2010

SEPPIR comemora Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial em 31 de março

Para marcar a passagem do Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) debaterá o tema “O Brasil e o mundo 50 anos após o massacre de Shaperville”. A mesa-redonda será realizada no dia 31 de março, no Salão Negro do Ministério da Justiça, em Brasília.
A programação será aberta às 14h pelo ministro da Igualdade Racial, Edson Santos. Haverá debate, após as seguintes exposições:
• Os desdobramentos da Conferência de Durban e seus reflexos na América Latina - Maria Inês Barbosa, sanitarista e especialista em relações étnico-raciais.• A promoção da igualdade racial na construção de novos parâmetros para as políticas públicas - Mário Teodoro, diretor de Estudos, Cooperação Técnica e Políticas Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).• A sociedade civil como parceira e indutora da transformação social - Cida Bento - diretora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT).
História - O Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1969. Desde então, o 21 de março homenageia a memória dos 69 sul-africanos assassinados pela polícia em 1960 por se manifestarem contrários à chamada “Lei do passe”, que impedia o direito de ir e vir da população negra. O episódio ficou conhecido como o “Massacre de Sharpeville”, em referência à favela, situada em Joanesburgo, na África do Sul, e marcou um novo capítulo na história mundial que culminou com o fim do apartheid.
Comunicação Social da SEPPIR /PR
" ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, pela sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar". Nelson Mandela

Jefferson Cristiano Gomes
Coordenação Agentes de Pastoral Negros (APNs) - Quilombo BH
GUP - Grupo de Universitári@s Palmares
Membro da Associação Cultural Odum Orixás e do grupo Alafiá
Fórum Permantente de Educação e Diversidade Etnico Racial de MG
Assistente Social (em curso)
Terapeuta Energético - Reiki
8723-0262

Fórum Nacional de Juventude Negra lança edital de concurso de pequenos projetos

Fórum Nacional de Juventude Negra lança edital de concurso de pequenos projetos

O Fórum Nacional de Juventude Negra lança neste dia 21 de março, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, o Fundo de Apoio para Pequenos Projetos às Organizações Juvenis Negras "Manuel Faustino dos Santos Lira".
A iniciativa é parte de um conjunto de ações que compõe a Campanha Nacional contra o Extermínio da Juventude Negra e visa capilarizar suas ações através de apoio financeiro às organizações juvenis negras para que possam realizar atividades relacionadas aos temas da Campanha.
O Fundo objetiva apoiar pontualmente o desenvolvimento de atividades de organizações e grupos de juventude negra do Brasil, que tenham como diretriz o combate à violência contra a juventude negra, visando potencializar o debate sobre o tema e ampliar os espaços de disseminação das perspectivas da juventude negra frente a essa realidade.
O nome do Fundo é uma homenagem ao jovem negro soteropolitano Manuel Faustino dos Santos Lira, um dos heróis da Revolta dos Búzios no século XVIII, que foi executado aos 18 anos de idade, em 08 de novembro de 1799, condenado à morte por enforcamento, por integrar o grupo dos líderes da Revolução.
A Campanha Nacional contra o Extermínio da Juventude Negra se destina a propiciar um diálogo junto à sociedade sobre os efeitos históricos do racismo na qualidade de vida da juventude negra brasileira e a negação dos direitos humanos essenciais a essa juventude, culminando muitas vezes na morte programada de milhares de jovens negros e negras por todas as regiões do país, enfatizando nesse cenário as discussões sobre violência de gênero, intolerância religiosa e demais formas de discriminações correlatas.
A Campanha é uma realização do Fórum Nacional de Juventude Negra, em parceria com o Instituto Cultural Steve Biko e a ONG Enda Brasil, com apoio da Fundação Kellog.
Mais informações: www.fonajune. com.br

quarta-feira, 17 de março de 2010

Manifesto de Lançamento da Campanha Nacional Contra a Faxina Étnica

Saudações Afro Comunistas


Gilbertinho

Manifesto de Lançamento da Campanha Nacional Contra a Faxina Étnica
Em dezembro do ano passado o Círculo Palmarino, Conlutas, Intersindical, MTST, NEINB-USP − Núcleo de Apoio à Pesquisa em Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro, Uneafro, Mães de Maio, IBCCRIM − Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, MNU e Periferia Invisível se reuniram em São Paulo para organizar uma frente de movimentos sociais que tivesse como principal objetivo o lançamento de uma Campanha Contra a Faxina Étnica da população afro-descendente brasileira em 2010. Nossas organizações entendem que a estruturação ideológica e econômica do capital vem formando inúmeros territórios de maioria negra nas cidades (favelas, periferias etc), que sofrem seguidas violações aos direitos humanos, criminalização da pobreza, encarceramento em massa e racismo institucional. Este processo chamamos de Faxina Étnica e há um grande desconhecimento da sociedade em relação ao tema.

A Faxina Étnica pode ser expressa pelo encarceramento em massa, o vertiginoso aumento das taxas de homicídios, a política de remoção e despejo e a precarização das relações de assalariamento que forma um novo tipo de relação entre poder estatal e massas subalternizadas e estigmatizadas.

Enlenquemos alguns dados para elucidar a questão. Entre 1996 e 2006 o número de homicídios ao ano aumentou de 38.888 para 46.660, um crescimento de 20%. Entre os jovens negros a taxa de homicídio é de 74,1 por 100 mil, já entre os brancos é de 41,8 por 100 mil. Em 1.990 havia 90 mil presos, em 2007 o número cresceu para 422 mil e a maioria é esmagadoramente afro-descendente. Esses números ganham cor, idade, sexo e espaço nos noticiários de nosso país a cada invasão de uma favela nas grandes cidades. Na fila de desempregados e em cada ação policial. Entretanto, esses mesmos noticiários identificam e interpretam esses dados como simples casos de polícia em que vândalos, bandidos ou vagabundos merecem tal tratamento por parte do estado. Mudar esse quadro é o principal objetivo da Campanha Contra a Faxina Étnica.

Por isso, lançaremos no I Fórum Social Urbano, que ocorrerá entre os dias 22 a 26 de março de 2010, a Campanha Nacional Contra a Faxina Étnica, mobilizando entidades e organizações da sociedade civil contra a política de Faxina Étnica do estado brasileiro. Pretendemos construir um Fórum Nacional Contra a Faxina Étnica para definir estratégias unitárias de ação contra esta política de estado.

Se você é um sujeito indignado com o racismo e suas consequências, venha somar forças conosco.

Entidades que assinam o Manifesto:

· Círculo Palmarino

· CONLUTAS

· Uneafro

· MTST

· Mãos de Maio

· MNU

· NEINB – USP

· IBCCRIM

· Periferia Invisível
Deixe a sua coragem levantar-se com a sua raiva! Liberdade e não Escravidão! Mobilizar e preparar!

Maatla ke a Rona (O poder é nosso)! Amandla Ngawethu (Poder para o povo)!

Políticas Públicas de Eliminação da Identidade Mestiça

Políticas Públicas de Eliminação da Identidade Mestiça
e Sistemas Classificatórios de Cor, Raça e Etnia


Excelentíssimos Senhores Ministros,



As observações que faremos resultam do trato desde 2001, com idéias e práticas de políticas públicas étnicas e raciais no Brasil e em outros países. Esta atuação nos faz ter a convicção de que o Sistema de Cotas para Negros da UnB não é, a rigor, medida de ação afirmativa. Ele não visa combater discriminação racial, de cor, ou de origem, nem corrigir efeitos de discriminações passadas, nem assegurar os direitos humanos e as liberdades fundamentais de grupos étnicos e raciais, como exige a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial para distinguir uma medida especial de uma medida de discriminação racial.

O Sistema de Cotas para Negros da Universidade de Brasília, inversamente do que defendia Darcy Ribeiro, o idealizador, fundador e primeiro reitor da UnB, tem por base uma elaborada ideologia de supremacismo racial que visa à eliminação política e ideológica da identidade mestiça brasileira e a absorção dos mulatos, dos caboclos, dos cafuzos e de outros pardos pela identidade negra, a fim de produzir uma população composta exclusivamente por negros, brancos e indígenas.

Exige a UnB que “Para concorrer às vagas reservadas por meio do sistema de cotas para negros, o candidato deverá ser de cor preta ou parda, declarar-se negro e optar pelo sistema de cotas”. Assim, as cotas da UnB não se destinam a proteger pretos e pardos em si; pretos e pardos que se autodeclarem mestiços, mulatos, caboclos são excluídos do sistema de cotas da UnB; também são excluídos aqueles afrodescendentes que se autodeclaram negros, mas são de cor branca.

Para que estas cotas fossem medidas de ação afirmativa seria necessário que se identificar como negro fosse causa de discriminação racial, mas ao excluir os autodeclarados negros de cor branca das cotas a própria UnB tacitamente reconhece que somente identificar- se como negro não expõe uma pessoa a discriminações raciais no Brasil, como ocorre em outros países. Do contrário, a UnB estaria também os discriminando.

Elas também não visam a corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, pois neste caso o segmento beneficiado seria em função da ancestralidade e não da cor e muito menos da autodeclaração.

Por que, então, a UnB, em vez de estabelecer um sistema de ação afirmativa para todos os pretos e pardos, decidiu excluir os pretos e pardos que não se identificam como negros? A história do racismo e, especificamente, da mestiçofobia, elucida as motivações que conduziram ao atual projeto racial para o povo brasileiro implementado pelo governo federal.

A UnB não foi a primeira universidade brasileira a veicular idéias e a defender políticas públicas de base racial no Brasil. No séc. XIX e até metade do séc. XX, em diversas universidades do país e do estrangeiro, idéias racistas faziam parte do conteúdo lecionado. Refletindo o poder da autoridade científica que as universidades possuem, muitos, inclusive governantes e legisladores, acreditavam que havia raças superiores em inteligência, em resistência física, em aptidões morais. Ensinavam, também, que seria um prejuízo para uma nação formada por pessoas de suposta raça superior gerar filhos mestiços com pessoas de raça inferior.

Alguns racistas defendiam que o mestiço seria um ser intermediário entre a raça superior e a inferior; outros que seria inferior à raça inferior. Esta última corrente racista afirmava que o mestiço, diferentemente das raças superiores e inferiores, e por não ser uma raça, seria um ser anormal, não adaptado a qualquer ambiente, propenso a doenças físicas e psicológicas, destituído das melhores qualidades das raças que lhe deram origem e tanto pior quanto mais se diferenciasse delas.

No Brasil, com grande e crescente população mestiça, isto foi visto pelo racismo acadêmico como um problema que comprometeria as possibilidades de progresso do país. Nina Rodrigues defendia políticas criminais diferenciadas racialmente. Sylvio Romero e Oliveira Viana defendiam o desaparecimento gradual dos mestiços pelo branqueamento. O racismo teve também grandes opositores. Intelectuais como Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre defenderam que a miscigenação não era um problema para o Brasil, mas uma vantagem que, entre outras, formava a identidade nacional e protegia a Nação de conflitos raciais e étnicos.

Em outros países, os ideólogos do racismo forneceram o material para os discursos políticos que na Alemanha levaram os nazistas ao poder e mestiços a campos de concentração e a cirurgias de esterilização. Na Austrália, mestiços foram separados de suas mães aborígenes. Na África do Sul, foram segregados pelo apartheid.

Nos EUA, a partir do final do séc. XIX, junto com leis proibindo casamentos inter-raciais, organizações racistas como a Ku Klux Klan conseguiram paulatinamente impor, inclusive legalmente, uma inovação, a Regra da Única Gota (One Drop Rule), pela qual uma gota de sangue africano faria com que uma pessoa fosse classificada como Negro (palavra que também existe no vocabulário inglês). No censo dos EUA até 1920 não havia a categoria Negro. Desde 1850, havia as categorias Black (ou seja, preto) e Mulatto. No censo de 1930, porém, pela regra da única gota, pretos e mulatos tiveram apenas a opção Negro.

Estas normas visavam delimitar espaços de poder racial, daí a necessidade de eliminar politicamente e também ideologicamente o mestiço e a mestiçagem. Apenas em 1970, após o assassinato de Martin Luther King, o termo Black voltou ao censo; no censo de 2000, os mestiços conseguiram voltar a ser contados (e outra vez no censo dos EUA deste ano).

No Brasil, seu primeiro censo oficial, de 1872, tinha para a variável “cor/raça” as opções ‘branca’, ‘preta’, ‘parda’ e ‘cabocla’; no censo de 1890, a opção ‘parda’ foi substituída por ‘mestiça’, retornando o termo ‘parda’ em todos os censos seguintes que tiveram o quesito “cor/raça”, passando a incluir também os mestiços caboclos. Assim, o censo brasileiro sempre trouxe um espaço para a expressão da identidade mestiça. As opções ‘preta’ e ‘branca’ sempre constaram nos quesitos “cor/raça” dos censos, os quais nunca trouxeram a opção ‘negra’. Somar pretos e pardos e incluí-los numa categoria ‘negra’ tornou-se, porém, uma reivindicação de movimentos negros, inclusive junto ao IBGE.

Com o fim da II Guerra Mundial, a idéia de raça foi perdendo credibilidade acadêmica. No Brasil, porém, os mestiços passaram também a ser vistos como um problema ideológico e político. O sociólogo Florestan Fernandes, da Universidade de São Paulo (USP), afirmava que “dentro da população negra e mestiça não há homogeneidade. Criar esta homogeneidade é um problema preliminarmente político”.

Caberia levar o mulato “a aceitar a sua condição de negro”. E questionava, “(…) Como fazer para reeducar o mulato, como levá-lo a sair de um comportamento egoístico e individualista?” Antes haveria uma raça superior e uma inferior e os mestiços deveriam ser miscigenados até não se diferenciarem de uma delas, a branca; agora haveria uma raça opressora e uma oprimida e os mestiços deveriam ser reeducados para identificarem- se com uma delas, a negra.

O antropólogo Kabengele Munanga, da USP, sobre o mesmo tema, assim se expressou: “Se no plano biológico, a ambigüidade dos ‘mulatos’ é uma fatalidade da qual não podem escapar, no plano social e político-ideoló gico, eles não podem permanecer ‘um’ e ‘outro’, ‘branco’ e ‘negro’”, e acrescentou, “Construir a identidade ‘mestiça’ ou ‘mulata’ que incluiria ‘um’ e ‘outro’, ou excluiria ‘um’ e ‘outro’, é considerado por mestiços conscientes e politicamente mobilizados como uma aberração política e ideológica, pois supõe uma atitude de indiferença e de neutralidade perante o processo de construção de uma sociedade democrática”, (na Introdução do livro “Mulato negro-não-negro e/ou branco-não-branco”, de Eneida de Almeida dos Reis).

Este modo de ver o mestiço, porém, não é apenas marginalizador e moralmente ofensivo; ele também leva a um preconceito de caráter biológico: seria normal o branco ter identidade branca, o negro identidade negra, o índio identidade indígena, mas não o mestiço ter identidade mestiça; ele seria um ser incompleto, necessitado da identidade negra. Chegam a atribuir ao mestiço um risco de problemas psicológicos em função de uma suposta ambivalência.

A própria mestiçagem, que em regra ocorreu e ocorre no Brasil de forma harmoniosa, também passou a ser apresentada de forma equivocada e negativa. Afirma um etnólogo cubano com livro recentemente publicado no Brasil: “o mestiço surge nas sociedades violentadas e complexadas. Ou seja, é a inseminação violenta das fêmeas do grupo dominado pelo macho do grupo dominante e a eliminação física dos machos do grupo dominado-conquistad o”. Ou seja, estão ensinando o mestiço a ter vergonha de suas origens, a negar o sangue de seu pai ou de sua mãe.

Estas depreciações se reproduzem em agressões morais fora do meio acadêmico.

Também se refletiram no recente decreto do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, que determina a inclusão dos mulatos e dos pardos na categoria negra. Nisto não há inovação: pelo Alvará Régio de 4 de abril de 1755, o rei de Portugal, D. José I, proibiu o emprego do termo caboclo para os filhos mestiços de portugueses e indígenas e nós desaparecemos por décadas dos documentos oficiais.

Estes discursos visando à incorporação dos pardos pelos negros ativeram-se aos mulatos e silenciaram em regra sobre os milhões de caboclos do país, cuja população é possivelmente mais numerosa do que a preta também nacionalmente. Na região Norte, há cerca de 14 pardos (em sua maioria caboclos) para cada preto e aqui no Centro-Oeste a proporção é de cerca de 11 para 1. Mesmo no Sudeste, onde a proporção entre pardos e pretos é de 4 para 1, parte destes pardos são mamelucos. Mestiços de brancos e indígenas já habitavam o Brasil décadas antes da chegada de africanos.

Nossa Constituição assegura a valorização da diversidade étnica e regional e a proteção de todos os grupos participantes do processo civilizatório nacional. O mestiço brasileiro, organizando- se em associações para a defesa de sua identidade, tem esta reconhecida oficialmente por leis como as que instituíram o Dia do Mestiço nos Estados do Amazonas, de Roraima e da Paraíba, e também o Dia do Caboclo.

Contradizendo sua política interna, o Brasil tornou-se signatário dos documentos finais da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, e de sua Conferência de Revisão, promovidas pela ONU em 2001 e 2009,

“Reconhecemos, em muitos países, a existência de uma população mestiça, de origens étnicas e raciais diversas, e sua valiosa contribuição para a promoção da tolerância e respeito nestas sociedades, e condenamos a discriminação de que são vítimas, especialmente porque a natureza sutil desta discriminação pode fazer com que seja negada a sua existência”.

As próprias comissões de seleção, porém, têm demonstrado que pardo não é negro. Diversos casos têm sido noticiados envolvendo duas pessoas com parentesco sangüíneo, inclusive de gêmeos idênticos, em que uma é aceita como negra e outra não. E também de exclusão de cotista quando já cursando a faculdade.

Desconhecemos um único caso em todo o Brasil no qual isto tenha ocorrido com dois parentes de cor preta; todos os casos de que temos conhecimento ocorreram com pessoas pardas. Informa a UnB que a sua comissão responsável pela decisão é formada por representantes de movimentos sociais ligados à questão, especialistas no tema. De movimentos negros, pois pardos não compõem tais comissões.

Cotas para estudantes provenientes das escolas públicas e carentes valoriza o ensino público, a meritocracia, a solidariedade, estimula o investimento e não o conflito racial. É necessário instituir o ensino fundamental em período integral (inclusive existe uma PEC, a 94/03, no Senado - seria muito interessante ser implementada) e aumentar o número de vagas nas universidades. Cotas raciais não custam um centavo ao governo.

Ações afirmativas não visam criar diferenças, pelo contrário, visam superar discriminações motivadas por diferenças. Visam levar à cidadania, não a relativizar. Harmonizam com a Constituição cidadã que esta Suprema Corte tem defendido.

Muito obrigada.

quinta-feira, 11 de março de 2010

MANIFESTO EM DEFESA DOS TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS

Manifesto publicado na pagina da ABA

FSM 2010-PORTO ALEGRE-RS
OFICINA DEFESA DOS TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS E COMUNIDADES
TRADICIONAIS E IMPACTOS INSTITUCIONAIS.
QUILOMBOLAS, ATIVISTAS DO MOVIMENTO NEGRO E MOVIMENTO
SOCIAL presentes na retro referida oficina, proposta pelo MNU Nacional em Parceria
com o Ministério Público Estadual/RS e Comissão de Direitos Humanos da ALERGS,
após depoimentos de representantes de comunidades quilombolas de SC, RS e PR na
presença de uma centena de participantes após intervenção das entidades presentes na
mesa, destacando MNU-Nacional, AKANI, IACOREQ, GT-QUILOMBOLA MNURS,
APNs, foi aberta para inscrições para manifestação dos participantes, com intensa
participação dos mesmos ressaltando a participação dos membros da Nova Cartografia
Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil que, generosamente, fez o
registro da reunião, representantes da Rede Puxirão do Paraná, Federação Quilombola
do Paraná, representantes das quatro comunidades quilombolas urbanas de Porto
Alegre, representantes de três comunidades quilombolas de Santa Catarina,
representantes da CPT, aproveitamos para registrar nosso agradecimento a Socióloga
Simone Rita que também, generosamente, documentou em ata as intervenções e ainda
ao Ministério Público Estadual Parceiro na realização da oficina propiciando o Espaço e
Estrutura para realização da Oficina, enriquecida ainda com a contribuição de uma
centena de ativistas, destacando ainda a presença da Antropóloga Miriam Chagas do
MPF, da Antropóloga Raquel Mombeli do NUER, Emanuel Almeida Farias Junior
Mestre em Antropologia e José Carlos Vandersen cabe ainda Registrar uma ausência
total dos representantes governamentais convidados para essa atividade pelo Ministério
Público Estadual. Em Síntese apresentamos o Manifesto e encaminhamentos acordados
ao final da reunião para o conjunto do Movimento Social em anexo
MANIFESTO
Considerando que no Balanço de 10 anos do FSM-2010 em Porto Alegre as
Comunidades Quilombolas tem muito pouco a comemorar, e esse pouco se dá graças a
luta insistente e cotidiana das comunidades quilombolas pois se aprofundam cada vez
mais os ataques aos territórios negros, Quilombolas, Comunidades Tradicionais e
Indígenas em todo País.
Considerando provém de todas as esferas de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário)
como demonstram a retirada de pauta do Decreto de Desapropriação para reconhecimento
da Comunidade Quilombola da Invernada dos Negros em SC sem
qualquer explicação plausível, publicação esta que estava prevista para 20 de novembro
de 2009.Considerando a negociata em torno do Estatuto da Igualdade Racial com a retirada da
temática Quilombola privilegiando os interesses do Agronegócio.
Considerando a falta de controle efetivo por parte do movimento social e baixíssima
executividade orçamentária dos parcos recursos referente a temática Quilombola.
Considerando a demora para implementação e execução dos processos de titulação das
comunidades Quilombolas, bem como, e a existência de Ação Direta de
Inconstitucionalida de atacando patrocinada pelo DEM atacando o Decreto 4487/2003,
bem como, o Projeto de Decreto Legislativo da lavra do Deputado Valdir Collato
(PMDB-SC) também atacando o Decreto 4887/2003.
Considerando que as Comunidades vem resistindo como demonstram as mobilizações
existentes no final do ano passado com ocupação do INCRA como ocorridos em SC,
RJ, Salvador Bahia, MG as mobilizações no RS, interrupção de BRs como no EspíritoSanto.
Considerando que o conflito vem se acirrando existindo varias lideranças Quilombolas
ameaçadas de morte, presas, perseguidas e assassinadas como ocorrido na Comunidade
dos Alpes – Quilombo Urbano em Porto Alegre-RS.
Considerando que tais fatos em especial a demora na implementação das Políticas
Públicas e na Titulação das Comunidades expõem as Comunidades a um agravamento
da situação de opressão e exploração já existentes e que tal situação não é fruto de mero
desmando administrativo mas de uma opção política a favor dos interesses do
agronegócio e contrários aos interesses das comunidades tradicionais.
Considerando a necessidade de avançarmos na resistência, rompermos o isolamento,
articularmos a unidade para luta em defesa dos territórios Quilombolas e que para
construirmos um outro Mundo sem Racismo, Exploração, Opressão, Xenofobia e
Intolerância só se concretizará com luta e mobilização, os ativistas sociais, militantes do
Movimento Negro, Quilombolas presentes na Oficina Defesa dos Territórios
Quilombolas e Comunidades Tradicionais e Impactos das Políticas Institucionais
realizada das 14h às 20h do dia 26 de Janeiro de 2010 no Auditório do Ministério
Público, Praça da Matriz, Porto Alegre nº 110.
Deliberamos:
1- Lançamento do Movimento Nacional em Defesa da Titulação e
Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Quilombolas.
2- Agenda de Mobilização e Articulação do Movimento nos Estados com Plenárias
Estaduais entre os dias 21 e 31 de Março de 2010.
3- Indicativo para o dia 22 de Abril de 2010 – Dia de Jornada de Luta Quilombola.
(Atos nos Estados, Ida a Brasília para agenda com o STF e Congresso Nacional).
Contra o Racismo Institucional
Em defesa do Decreto 4887/2003
Pelo indeferimento da ADIN do DEM
Pela retirada de pauta e arquivamento do Decreto Legislativo do Deputado Valdir
Collato do PMDB de SC.Pela Titulação Imediata das Terras de Quilombo.

O futuro da antropologia está em sua capacidade de exorcizar a "diferença"
e torna-la consciente e explícita.
Roy Wagner, The invention of culture, 1975
Carlos Eduardo Marques - Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas da FEVALE/UEMG
Membro do Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais da
UFMG (NUQ/UFMG)
Membro do Grupo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia
(GT Quilombos/ABA)

quarta-feira, 10 de março de 2010

Racismo e cotas

Luiz Felipe de Alencastro.
Folha de São Paulo. Domingo, 7 de março de 2010

Pacto entre proprietários de escravos constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica do Brasil
LUIZ FELIPE DE ALENCASTROCOLUNISTA DA FOLHA
Em 2010, os negros brasileiros passam a formar a maioria da população do país. A mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentossobre o nosso passado e desafios para o nosso futuro.No século 19, o Império do Brasil aparece como a única nação que praticava o tráfico negreiro em larga escala.Alvo da pressão britânica, o comércio de africanos passou a ser proscrito por uma rede de tratados que a Inglaterra teceu no Atlântico. Na sequência do tratado de 1826, a lei de 7 de novembro de 1831 proibiu o comércio de africanos no Brasil.Entretanto, 760 mil indivíduos vindos da África foram trazidos entre 1831 e 1856, num circuito de tráfico clandestino.Ora, a lei de 1831 assegurava a liberdade imediata aos africanos introduzidos no país após a proibição.
A partir daí, os alegados proprietários desses indivíduos livres eram considerados sequestradores, incorrendo nas sanções do artigo 179 do Código Criminal de 1830.Porém, o governo imperial anistiou, na prática, os senhores culpados do crime de sequestro, deixando livre curso ao crime correlato, aescravização de pessoas livres.Imoral e ilegal. Os 760 mil africanos desembarcados até 1856 é a totalidade de seus descendentes, continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, aescravidão do Império era ainda,primeiro e sobretudo,ilegal.Tenho para mim que esse pacto dos sequestradores constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira. Firmava-se oprincípio da impunidade e do casuísmo da lei. Consequentemente, não são só os negros brasileiros que pagam o preço da herança escravista.Outra deformidade gerada pelo sistema refere-se à violência policial.Depois da Independência, no Brasil, como no sul dos EUA, o escravismo passou a ser consubstancial à organização das instituições nacionais.Entre as múltiplas contradições engendradas por essa situação, uma relevava do Código Penal: como punir o escravo delinquente sem encarcerá-lo, sem privar o senhor do usufruto do trabalho do cativo que cumpria pena de prisão? O quadro legal definiu-se em dois tempos.Primeiro, a Constituição de 1824 garantiu, no artigo 179, a extinção das punições físicas. "Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura,a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis."Conforme os princípios do iluminismo, ficavam preservadas as liberdades e a dignidade dos homens livres. Num segundo momento, o artigo 60 do Código Criminal reatualiza a pena de tortura: "Se o réufor escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés,será condenado na de açoites...".Com o açoite, com a tortura, podia-se punir sem encarcerar: estava resolvido o dilema. Oficializada até o final do Império, essa prática punitiva atingiu as camadas desfavorecidas, travando o advento de uma política fundada na liberdade individual e nos direitos humanos. Uma terceira de formidade gerada pelo escravismo afeta o estatuto dacidadania.É sabido que até a Lei Saraiva, de 1881, os analfabetos, incluindo negros alforriados, podiam ser eleitores de primeiro grau, que elegiam eleitores de segundo grau, os quais podiam eleger e ser eleitos parlamentares. Depois de 1881, foram suprimidos os dois graus de eleitores. Em 1882, o voto dos analfabetos foi vetado.Decidida no contexto pré-abolicionista, a proibição buscava barrar o acesso do corpo eleitoral aos libertos. Gerou-se uma infra cidadania que perdurou até 1985, quando foi autorizado o voto dos analfabetos. Masa exclusão foi mais impactante na população negra, em que o analfabetismo registrava, e continua registrando, taxas proporcionalmente mais altas do que entre os brancos.Nascidas no século 19, as arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro. Por essa razão, ao agir em sentido contrário, a redução das discriminações que ainda pesam sobre os negros consolidará nossa democracia.Democracia Não se trata aqui de uma lógica indenizatória, destinada a garantir direitos usurpados de uma comunidade específica,como foi o caso, emboa medida, nos julgamentos sobre as terras indígenas. Trata-se,sobretudo, de inscrever a discussão sobre as cotas no aperfeiçoamentoda democracia.Nesse sentido, a arguição de inconstitucionalidade impetrada no Supremo Tribunal Federal [que analisa a constitucionalidade do sistemade cotas da Universidade de Brasília] revela-se obsoleta. Na verdade,as cotas raciais beneficiaram e beneficiam dezenas de milhares de estudantes nas universidades privadas no quadro do ProUni e 52 mil estudantes nas universidades públicas, funcionando há vários anos, com grande proveito para a comunidade acadêmica e para o país.Os incidentes suscitados pelas cotas raciais são mínimos e muitíssimo menos graves do que as truculências perpetradas nos trotes universitários. Como no caso do plebiscito sobre o presidencialismo e o parlamentarismo, o debate sobre as cotas raciais atravessa as linhas partidárias. Aliás, as primeiras medidas de política afirmativa relativas à população negra foram tomadas, como é conhecido, pelo governo FHC.A existência de alianças transversais deve nos conduzir, mesmo em ano de eleição, a um debate onde os argumentos possam ser analisados a fim de contribuir para a superação da desigualdade racial que pesa sobre ademocracia brasileira.LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO é historiador e professor na Universidade de Paris 4. Este artigo é um resumo da fala apresentada no STF, como representante da Fundação Palmares.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0703201009.htm

DEFESA DAS AÇOES AFIRMATIVAS E DAS COTAS RACIAIS PARA A POPULAÇAO NEGRA, POVOS INDIGENAS E ALUNOS EGRESSOS DAS ESCOLAS PUBLICAS BRASILEIRAS

Exmo Senhor Ministro Enrique Ricardo Lewandowski A nossa luta pelas ações afirmativas e por cotas raciais no Brasil tem uma perspectiva de futuro. O racismo não escolhe tempo, nem espaço, nem lugar. O racismo é mais que uma ideologia, é uma instituição em si, constituído na História. O racismo se realimenta, cotidianamente, pois, reforça-se no apoio incondicional das elites econômicas, movidas que são pelos seus privilégios e pelo que o eurocentrismo legou à Ciência e ao Mercado. As doutrinas eurocêntricas formaram parte significativa dos intelectuais brasileiros e influenciaram as instituições do Estado e as instituições privadas, entre essas, as instituições educacionais, de modo que, o processo de exclusão racial na sociedade brasileira funcione sem conflitos e na base de pseudos consensos. Entretanto, sabemos que explicitar o racismo e, por ventura, os conflitos étnicos e raciais, é necessário e fundamental para evidenciar a desigualdade entre campos de Poder e romper com cristalização e a naturalização das desigualdades raciais. Ao fazer isso, o Movimento Negro Brasileiro revela, põe a nu, o quadro de violência física, material e simbólica a que a população negra, está submetida. Por essa razão, essa Audiência Pública sobre a constitucionalidade das políticas de ações afirmativas para grupos sociais historicamente excluídos é importantíssima pelos seus resultados no futuro, pelos impactos que poderá produzir no processo histórico da luta pela redução da violência que é o racismo e na promoção do desenvolvimento humano, porque o que estamos falando aqui é da humanidade, da humanidade negro-africana que racismo busca a todo o momento negar. Senhor Ministro, as ações promovidas na Justiça brasileira com o objetivo de derrubar o sistema de cotas partem das mesmas alegações. Argumenta-se que o sistema de cotas fere o princípio da isonomia, que as Universidades não teriam autonomia para legislar sobre a matéria, que o conceito de raças está superado com o avanço das Ciências biológicas e da Genética, que os problemas da realidade social brasileira restringe-se à dicotomia ricos e pobres, enfim, uma repetição enfadonha da cantilena de gilbertofreyriana e dos seus seguidores, inconformados com a emancipação e autonomia dos históricos sujeitos sociais subalternos. Todavia, toda decisão jurídica é um palco de lutas e de conflitos políticos duros e polêmicos. Assim, entendemos que a discussão sobre as políticas de ações afirmativas e as cotas raciais precisam ser pensadas a partir do que representa o racismo na sociedade brasileira. Esse é o centro do nosso debate. Marcada pela hierarquização racial, a nossa sociedade moldou-se como um modelo racista sui generis. Aqui, não se precisa de um instrumento legal para excluir objetivamente a população negra das possibilidades efetivas de emancipação econômica, política, acadêmica e social. A partir do discurso da sociedade harmônica e pacífica articularam-se fórmulas objetivas e eficazes que geram barreiras para a ascensão social negra, de forma que, cotidianamente, negras e negros são postos à prova tendo que demonstrar genialidade para aquilo que, em verdade, bastaria algum esforço. É o racismo institucionalizado pela imprensa, pelo judiciário, pelo senso comum, pela escola e sobretudo, pela Academia. A legitimação simbólica e política se dá pela reprodução de que somos todos iguais, que vivemos numa sociedade multicultural e de que o cruzamento racial se deu a partir de bases integradoras. Na realidade, porém, vivemos num país de tamanha iniqüidade racial ao ponto de se passar a responsabilizar os (as) negros (as) pela sua própria exclusão, alegando que, se todos são iguais, com as mesmas oportunidades, os que não "progridem" é porque são preguiçosos e incompetentes. Ora, a afirmação de que com a aplicação de medidas como as ações afirmativas e as cotas raciais, negros e negras estariam sendo beneficiados por um sistema inconstitucional e discriminatório, reforça a idéia em que as vítimas são postas como algozes que, com a política de cotas raciais, estariam injustamente "tomando" as vagas dos jovens brancos. Esta é uma operação social que faz uma inversão e justifica o racismo de Estado, é a vitória da (falsa) neutralidade estatal. Outra alegação é a de que não haveria nos Conselhos das Universidades Públicas a prerrogativa para implementar a política de cotas. Este argumento reforça a tentativa de controle externo nas Instituições de Ensino Superior que fere, frontalmente, o princípio ético, acadêmico, político e constitucional da autonomia universitária, sobretudo, neste momento em que a fúria neoliberal avança sobre as Universidades Públicas, impondo-lhes formas de regulamentação e controle. É inequívoca, a prerrogativa dos Conselhos das Universidades Públicas para estabelecer, segundo as suas próprias interpretações e em consonância com os valores constitucionais, seus próprios sistemas e critérios político-acadêmicos para seleção de estudantes. Há, apenas, o exercício legítimo da prerrogativa constitucional exercido pela Comunidade Universitária das Universidades públicas brasileiras, que nos últimos anos vem adotando políticas de reserva de vagas. Outro argumento é o da impertinência do critério raça/cor na definição de políticas públicas. Que o fator de discriminação relativo à cor ou à tonalidade da pele apenas resultará em casuísmos e arbitrariedades e que a ciência contemporânea aponta de forma unânime que o ser humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso para identificar alguém como negro ou branco. Tal alegação é recorrente na discussão da política de cotas, e constitui-se como estrutura do discurso do racismo. São tentativas de negar a realidade afirmando não haver um critério social e político que especifique definitivamente quem são os negros e brancos na sociedade brasileira. Uma rápida análise dos números e dos indicadores sociais bastará para que percebamos, objetivamente, que se construiu um conceito político e social da raça que existe e funciona na definição de lugares e barreiras sociais. Sabemos que a raça em sua concepção biológica do século XIX já foi superada nos debates acadêmicos em todo o mundo. Entretanto, sabemos também que, no Brasil, a categoria racial subsiste enquanto construção política e social e que sujeitos com determinadas características físicas, fenotípicas, morfológicas estão sujeitos à determinados benefícios ou impeditivos reais na construção de sua própria trajetória de vida e de cidadania. Ao defender que a raça é uma categoria ultrapassada a sua consideração para efeito da construção da política de ações afirmativas - incorrem na maior iniqüidade da democracia brasileira: a presunção de que todos somos iguais para eximir o Estado de suas responsabilidades. A lógica neoliberal dessa argumentação conduz-nos à controvertidas confusões como se as cotas fossem privilégios anti-republicanos e não uma política séria e eficaz que contribui para a promoção da igualdade. Temos a convicção de que a República é incompatível com a existência de privilégios de qualquer espécie, porém, pensar as cotas como um privilégio, e não como um direito, é desconhecer o sentido, já amplamente consagrado, da definição constitucional da igualdade em que o Estado não tem papel meramente proibitivo, mas, o de indutor de políticas que avancem no sentido da promoção, não meramente formal, da igualdade. Os opositores das cotas raciais manifestam seu incomodo com essas medidas. Eles não apresentam suas verdadeiras razões, ocultam seu preconceito. Muitos silenciam, tantos outros inventam os mais enviesados argumentos para detratá-las, porém sabemos que o pano de fundo é a existência do racismo revestido de novas roupagens. Sim, o racismo muda. Os opositores das ações afirmativas e das cotas raciais afirmam que não somos 90 milhões de negros e negras e de que é difícil identificar no mestiço o que é um negro. Agora, não nos furtemos em admitir que o mais claro pode "pegar mais identidades no armário" do que o mais preto. Portanto, negro, mestiço e pardos, são identidades funcionais que se coadunam para a disputa política contra um time poderoso que quer um mundo sem "identidade" e sem "diversidade".
Um dos maiores problemas da nossa sociedade é o racismo, que, desde o fim do século passado, é construído com base em essencializações sócio-culturais e históricas, e não mais necessariamente com base na variante biológica ou na raça. Não se luta contra o racismo apenas com retórica e leis repressivas, não somente com políticas universalistas, mas também, e, sobretudo, com políticas focadas ou específicas em benefício das vítimas do racismo numa sociedade onde este é ainda vivo. É neste sentido que defendemos as políticas de ação afirmativa e de cotas raciais para o acesso ao ensino superior e universitário. No pensamento dos opositores das ações afirmativas, todos os que fazem parte desse bloco querem racializar o Brasil.
Defendemos as cotas em busca da igualdade entre todos os brasileiros, brancos, índios e negros, como medidas corretivas às perdas acumuladas durante gerações e como políticas de inclusão numa sociedade onde as práticas racistas cotidianas presentes no sistema educativo e nas instituições aprofundam cada vez mais a fratura social. Cerca de 80 universidades públicas estaduais e federais que aderiram à política de cotas sem esperar a Lei entenderam a importância e a urgência dessa política. Acontece que essas universidades não são dirigidas por negros, mas por brancos que entendem que não se trata do problema do negro, mas sim do problema da sociedade, do seu problema como cidadão brasileiro. Tudo não passa de maquinações dos que gostariam de manter o status quo e que inventam argumentos que horrorizam a sociedade. Quem está ganhando com as cotas? Apenas os alunos negros ou a sociedade como um todo? Quem ingressou através das cotas? Apenas os alunos negros e indígenas ou entraram também estudantes brancos da escola pública?
Para o Mestre kabengele Munanga, este debate se resume a duas abordagens dualistas. A primeira compreende todos aqueles que se inscrevem na ótica essencialista, segundo a qual a humanidade é uma natureza ou uma essência e como tal possui uma identidade genérica que faz de todo ser humano um animal racional diferente dos demais animais. Eles afirmam que existe uma natureza comum a todos os seres humanos em virtude da qual todos têm os mesmos direitos, independentemente de suas diferenças de idade, sexo, raça, etnias, cultura, religião, etc. Trata-se de uma defesa clara do universalismo ou do humanismo abstrato, concebido como democrático. Considerando a categoria raça como uma ficção, eles advogam o abandono deste conceito e sua substituição pelos conceitos mais cômodos, como o de etnia. De fato, eles se opõem ao reconhecimento público das diferenças entre brancos e não brancos. Aqui temos um antirracismo de igualdade que defende os argumentos opostos ao antirracismo de diferença. As melhores políticas públicas, capazes de resolver as mazelas e as desigualdades da sociedade, deveriam ser somente universalistas. Qualquer proposta de ação afirmativa vinda do Estado que introduza as diferenças para lutar contra as desigualdades, é considerada, nessa abordagem, como um reconhecimento oficial das raças e, conseqüentemente, como uma racialização do Brasil, cuja característica dominante é a mestiçagem. Ou, em outras palavras, as políticas de reconhecimento das diferenças poderão incentivar os conflitos raciais que, segundo dizem, nunca existiram. Assim sendo, a política de cotas é uma ameaça à mistura racial, ao ideal da paz consolidada pelo mito de democracia racial, etc. Perguntamos se alguém pode se tornar racista pelo simples fato de assumir sua branquitude, amarelitude ou negritude? A segunda abordagem reúne todos aqueles que se inscrevem na postura nominalista ou construcionista, ou seja, os que se contrapõem ao humanismo abstrato e ao universalismo, rejeitando uma única visão do mundo em que não se integram as diferenças. Eles entendem o racismo como produção do imaginário destinado a funcionar como uma realidade a partir de uma dupla visão do outro diferente, isto é, do seu corpo mistificado e de sua cultura também mistificada. O outro existe primeiramente por seu corpo antes de se tornar uma realidade social. Neste sentido, se a raça não existe biologicamente, histórica e socialmente ela é dada, pois no passado e no presente ela produz e produziu vítimas. Apesar do racismo não ter mais fundamento científico, tal como no século XIX, e não se amparar hoje em nenhuma legitimidade racional, essa realidade social da raça que continua a passar pelos corpos das pessoas não pode ser ignorada.Poderão as duas abordagens se cruzar em algum ponto em vez de se manter indefinidamente paralelas? Essa posição maniqueísta reflete a própria estrutura opressora do racismo, na medida em que os cidadãos se sentem forçados a escolher a todo o momento entre a negação e a afirmação da diferença. A melhor abordagem seria aquela que combina a aceitação da identidade humana genérica com a aceitação da identidade da diferença. A cegueira para com a cor é uma estratégia falha para se lidar com a luta antirracista, pois não permite a autodefinição dos oprimidos e institui os valores do grupo dominante e, conseqüentemente, ignora a realidade da discriminação cotidiana.
Muitos brasileiros ainda não acreditam na existência do racismo. Eles acham que a questão é simplesmente económica, de classes, ou uma questão social. Como se o machismo e a homofobia não fossem uma questão social. Todas as questões que tocam a vida do colectivo são sociais, mas o social não é algo abstracto, tem especificidade, tem endereço, sexo, religião, cor, idade, classe social.Muitos acham que o caminho para corrigir as desigualdades sociais seria uma política universalista, baseada na melhoria da escola pública, o que tornaria todos os cidadãos brasileiros capazes de competir. Mas isso é um discurso para manter o status quo, porque enquanto se diz isso nada é feito. Não se esqueça que quando as escolas públicas no Brasil eram boas, os negros e pobres não tiveram acesso a ela. Havia outros mecanismos que os ­excluíam. Então não adianta dizer que basta melhorar o nível das escolas públicas. Mesmo porque isso significaria acabar com a clientela das escolas particulares, que possuem um forte lobby e não tem nenhum interesse em ver escolas públicas de boa qualidade.
O que o Estado Democrático de Direito, a República, o interesse público podem esperar quando se alinham, em uníssono à maneira de campanha, os conglomerados de comunicação que, no Brasil, são os proprietários privados dos mais influentes veículos da imprensa nacional? Uma única coisa: o abuso do direito constitucional à liberdade de expressão e de opinião. A coação dos demais poderes institucionais. O desrespeito ao princípio de igualdade de oportunidade, cerne da democracia. Eles se consideram os donos da verdade e da opinião pública e pensam que representam o real. Especialistas em relações raciais na sociedade brasileira são ungidos por estes meios de comunicação, e tornam se celebridades.
Assistimos a essa manipulação dos conglomerados midiáticos - donos da TV aberta com suas filiadas em todo o território brasileiro, controladores da TV por assinatura, de emissoras de rádio; jornais, poderosos portais, das maiores revistas noticiosas semanais, e de vários outros tentáculos midiáticos articulados entre si, no afã de desqualificar a justa reivindicação por políticas de ações afirmativas e por cotas raciais para ingresso nas universidades públicas federais, mantidas com recursos públicos, pagas também com o nosso dinheiro através dos impostos que pagamos.
Diz o jornalista Fernando Conceição que esse poderosíssimo Leviatã apresenta-se na atual conjuntura como o sucedâneo do Leviatã hobbesiano. O propósito do monstro é amedrontar a sociedade repetindo insaciável, incontinenti e monocordiamente que o Inferno em breve se instalará no Brasil se os projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional – O estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas – forem aprovados.
Ambos estabelecem, pela primeira vez no país, um sistema de políticas sociais compensatórias, inclusive de acesso às universidades públicas federais, como forma de corrigir as profundas desigualdades repercutidas até hoje pelos mais de 300 anos de escravidão negra e indígena que marcam a história socioeconômica brasileira. A grande mídia simplifica as políticas compensatórias, desqualificando-as, reduzindo a sua importância e a sua real proposição."Raça" sempre foi utilizada pelos "senhores da terra", desde o inicio da colonização nas Américas, como traço distintivo. Aos africanos, trazidos como escravos para todo tipo de trabalho, foi-lhes pregada a definição de "negros" como marca de um tipo de animal racialmente inferior aos demais humanos. Não importaram as suas diferenciações culturais, ou étnicas, tampouco as suas tradições de origem. Todos são (ou eram) da "raça" negra, conseqüentemente podendo ser escravos pelo estatuto do ordenamento jurídico da Colônia e do Império. O racismo foi uma das ferramentas ideológicas de organização da exploração colonial. A República não solucionou, até o presente, essa equação. Como diria Nei Lopes, o tempo, ironicamente, se encarrega de clarear muita gente, no entanto, o Movimento Negro antes de sentir-se chocado com a afirmação de um jornalista, segundo a qual "os negros usam os pardos para engordar os números da miséria, mas depois se afastam dos benefícios", pelo contrário, ficamos profundamente indignados. Como sempre, os opositores das ações afirmativas e das cotas raciais, voltam ao passado mais obscurantista para justificar seus argumentos supostamente modernos. No embate contra as políticas públicas que buscam a igualdade entre negros e não negros no Brasil, procuram jogar os negros de pele mais clara, os chamados "pardos"), contra os mais pigmentados. Exatamente como ensinou Maquiavel; como fizeram os europeus na África, do século 15 ao 20 “dividir para reinar, para dominar. E alguns, tornam-se ”capitães do mato do século XXI“, felizes em mais uma vez servir a Casa Grande, reproduzindo o sofisticado discurso do racismo contemporâneo.
O reconhecimento de que a pobreza atinge preferencialmente a parcela negra da população, como decorrência entre outros fatores do racismo estrutural da sociedade brasileira e da omissão do poder público, aponta a necessidade que o Estado incorpore nas políticas publicas direcionadas à população de baixa renda a perspectiva de que há diferenças de tratamento de oportunidades entre estes, em prejuízo para homens e mulheres negras.
Embora há décadas o Movimento Negro denuncie o racismo e proponha políticas para sua superação, somente uma política articulada e contínua, será capaz de reduzir a imensa dívida histórica e social que a sociedade brasileira têm para com a população negra, submetida à exclusão social e econômica. Os negros e negras são os mais pobres dentre os pobres, de modo que as políticas de caráter universal que ignore tais diferenças de base entre os grupos raciais têm servido tão somente para perpetuar e realimentar as atuais desigualdades.
Para tornar eficazes os direitos individuais e coletivos, os direitos políticos e sociais, os direitos culturais e educacionais, o Estado tem que redefinir o seu papel no que se refere à prestação de serviços públicos, de forma a ampliar sua intervenção nos domínios das relações intersubjetivas e privadas, buscando traduzir a igualdade formal em igualdade de oportunidade e tratamento. Entre essas políticas, defendemos a implementação das Ações Afirmativas e as Cotas Raciais como medida capaz de efetivar com mais equidade o acesso da juventude negra, da juventude pobre e dos povos indígenas, nas instituições federais e estaduais públicas do ensino superior e do ensino de tecnológica.
Segundo o Antonio Sergio Guimarães, a democracia na Europa ou nos Estados Unidos se estabeleceu pela negação das diferenças raciais e étnicas não essenciais à cidadania, em países regidos por esta ideologia democrática e universalista como o Brasil, que impede que tais diferenças sejam nomeadas, mas onde subsistem privilégios materiais e culturais associados à raça, à cor ou à classe, o primeiro passo para uma democratização efetiva consiste justamente em nomear os fundamentos destes privilégios: raça, cor, classe. Tal nomeação racialista transforma estigmas em carismas. Para o Movimento Negro Brasileiro, as ações afirmativas e as cotas raciais como medidas necessários para o ingresso da juventude negras, da juventude pobre e dos povos indígenas no ensino superior público tem um efeito agregador sobre a nacionalidade, muito longe do efeito desagregador, como querem os que temem o racialismo, ou um efeito político revolucionário, como querem os que temem o não-racialismo. É por razão que os negros e negras brasileiros encontram seus potenciais aliados no campo das classes, e no plano da luta mais básica pelo respeito aos direitos inalienáveis dos seres humanos, até porque a comunidade negra e indígena apenas quer educação. As ações afirmativas e as cotas raciais são uma importante política de inclusão social em curso no país. Por essa nobre razão esperamos do STF uma manifestação positiva e favorável a este pleito da juventude negra, dos jovens pobres e dos povos indígenas. Aguardamos do STF um posicionamento que contribua na redução das desigualdades raciais na educação. E, concluímos, conclamando todos a continuar a luta junto conosco, no espírito do poeta e líder do povo angolano, Agostinho Neto: “Não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós”.

Marcos Antonio Cardoso
CONEN – Coordenação Nacional das Entidades Negras/Brasil.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ataque do DEM aos direitos dos negros e dos índios

Ataque do DEM aos direitos dos negros e dos índios
Edson França
O Supremo Tribunal Federal - STF convocou para os dias 03, 04 e 05 de março, Audiência Pública sobre Políticas de Ação Afirmativa de Reserva de Vagas no Ensino Superior, para subsidiar o Ministro Ricardo Lewandowski, relator da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, proposta pelo Partido Democrata – DEM, contra o sistema de cotas, em vigor desde 2005, na Universidade de Brasília - UNB.
Na Audiência, 5ª na história do STF, será debatida a pertinência constitucional das cotas para negros e indígenas.

Considerando que o instrumento jurídico denominado ADPF tem objetivo de analisar existência de incompatibilidade entre atos do poder público com preceito constitucional fundamental, o resultado da sentença, em princípio, tem caráter retroativo e universal. Em outras palavras, o resultado terá incidência sobre todas as ações afirmativas, especialmente cotas para negros e índios, pois esse é o objeto essencial da ADPF, em vigência em todo território nacional, bem como poderá, se indeferida, acelerar um processo bem sucedido em curso.

O DEM, as ações afirmativas e o antirracismo no Brasil

No Congresso Nacional, o DEM - partido dos filhos de senhores de engenho e da direita branca mais obtusa do Brasil, conforme argüição de Claudio Lembo (DEM/SP), ex-governador de São Paulo - se c onstituiu no inimigo número um das principais propostas de ação afirmativa em trâmite: PLs que instituem o Estatuto da Igualdade Racial, cotas nas universidades federais públicas, feriado no dia 20 de novembro em memória a Zumbi dos Palmares e o total congelamento do Estatuto do Índio. Há outras iniciativas de promoção da igualdade racial sob a mira do DEM. Entrou com Ação Direta de Inconstitucionalida de – ADI contra: o Decreto Presidencial 4887/03, que regulariza a titulação de terras quilombolas; contra o PRO-UNI sistema que transforma a elisão fiscal das universidades privadas em bolsa de estudo para estudantes de baixa renda, com reserva para negros e índios.

Os Demos quando perde no Congresso apela para o STF, tentam judicializar definições políticas aprovadas com apelo e apoio popular. Passou da hora do movimento negro e indígena recorrer à consciência antirracista dos brasileiros para não votarem em candidaturas do DEM. Esse partid o se definha a cada eleição, temos que impor mais uma fragorosa derrota a ele e aos seus aliados nas urnas, para riscar do mapa político nacional os postulados reacionários emanados pelo DEM.

Com objetivo de acabar com as experiências de ações afirmativas para negros e indígenas e enterrar a crescente política de promoção da igualdade racial que prolifera em todo país, o DEM foca um ponto aparentemente sensível: a UNB. Acredita que se desmoralizar uma experiência exitosa, que reserva 652 vagas para negros e índios, num universo de 3280 vagas, ou seja, 20% do total de vagas em todos os cursos, abrirá caminhos para derrota definitiva das ações afirmativas no Brasil. O objetivo central do DEM é garantir a manutenção da estrutura hierárquica da sociedade, em outras palavras, manter as coisas como estão, vencer qualquer veleidade libertária na sociedade brasileira.

Na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF os D emocratas sustentam postulam:

1. Suspender a matrícula dos alunos da UNB, prevista para os dias 23 e 24 de julho de 2009.

2. Obrigar o CESPE (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília) a divulgar nova listagem dos candidatos aprovados, com base nas notas obtidas, desconsiderando os critérios raciais, e só então reabrir o prazo para matrícula.

3. Determinar ao CESPE e à UNB que se abstenha de selecionar ou classificar candidatos com base em critérios raciais, ou a indicar quem é negro dentre eles, suspendendo- se o funcionamento da comissão instituída para evitar fraude, denominada ofensivamente pelo DEM como: comissão racial.

4. Determinar a todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro que suspendam os processos judiciais que envolvam o tema de cotas raciais para o ingresso em universidades.

5. Suspender, com eficácia retroativa, todas as decisões judiciais que tenham reconhec ido a constitucionalidade da política de cotas raciais instituídas pela UNB.

Os mentores do DEM, responsáveis pela base argumentativa que sustentou a ADPF, graças as grandes empresas capitalistas de comunicação em massa (Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Editora Abril), são conhecidos do grande público: Yvonne Maggie, Demétrio Magnóli, Bolívar Lamounier, Marcos Chor Maio. Argumentam que a medida é inconstitucional; que a proposta de implantação de cota é um mimetismo ao modelo norte americano, desconsiderando as diferenças histórico-social entre os dois países. Dizem que raça, no Brasil, não opera exclusão, além da cansativa ladainha sobre a inexistência biológica de raça, superada em todos os debates sobre o tema, por sabidamente, se encontrar no campo das ciências sociais, não biológica. Questionam a teoria da justiça compensatória e a atribuem como fundamento das ações afirmativas, dizendo que a medida visa retifi car no presente, injustiça cometida no passado. Vaticinam que a implantação de cota criará divisão e conflitos entre negros e brancos pobres.

O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, da Declaração e do Plano de Ação de Durban, por isso deve observância às ações afirmativas baseadas em raça, a fim de favorecer minorias em situação de desvantagens. As diretrizes que os tratados, convenções e pactos internacionais expressam, quando ratificados pela autoridade constitucionalmente competente, passam a compor o ordenamento jurídico nacional – conforme disposto no artigo 5º, § 2º da Constituição. Por isso, os Demos erram nas afirmações de ordem legal. Além de acolhimento da constitucionalidade baseado em compromissos internacionais consolidados e o pronunciamento favorável da PGR e da AGU, várias instâncias do judiciário foram individualmente provocadas e deli beraram pela constitucionalidade das ações afirmativas, ou seja, encontramos jurisprudência pró ação afirmativa e cotas para negros e indígenas nas universidades em órgão inferiores, o que reforça a falácia dos argumentos dos demos.

O DEM finge ignorar que cotas foi uma medida foi aplicada com sucesso nos Estados Unidos, Índia, Nigéria, China, Malásia, Austrália, dentre outros, não se trata de mimetismo, mas uma ação pública consagrada em vários países, cuja minoria étnica/racial sofre graves desigualdades. Eles copiam a tese de Ali Kamel apresentada no livro Não Somos Racistas, para negar evidências empíricas e científicas da desigualdade socioeconômica entre negros e brancos, demonstrados pelos mais sérios institutos de pesquisas (IBGE, IPEA, PNUD), onde constatam a presença de negros na base da pirâmide social. Escamoteiam os princípios da justiça distributiva, da promoção do pluralismo e da superação de estereótipos negati vos sobre os negros, todos fundamentais para sustentação das ações afirmativas - bem lembrados e sustentados em manifestação dirigida ao Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, por Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador Geral da República.

O Partido Democrata faz vista grossa a uma realidade concreta: o Brasil nunca registrou conflitos raciais diante da implantação das ações afirmativas. Ainda que 83 universidades públicas brasileiras tenham alguma experiência de ação afirmativa; que o PRO-UNI tenha concretizado o acesso e permanência de aproximadamente 250 mil alunos negros nas universidades privadas; que o Brasil tenha aproximadamente 20% dos municípios com órgãos de promoção da igualdade racial, propondo ações de promoção social aos negros e indígenas (coordenadorias, conselhos, assessorias, secretarias) ; que progressivamente o currículo escolar está sendo adequado à Lei 10.639/03 – lei que institui a obrigatoriedade de in cluir no currículo escolar história da África e da cultura afrobrasileira; além de tramitar nas Casas Legislativas (câmaras de vereadores, assembléias legislativas e Congresso Nacional) uma infinidade de proposituras com objetivo de fortalecer o combate ao racismo e a promoção social de negros e indígenas.

A retórica desenvolvida pelo DEM é frágil, apesar de sensibilizar um largo espectro ideológico. Tanto a esquerda, como a direita política brasileira, por razões diferentes - os primeiros embebidos por um acentuado grau de dogmatismo adotam um olhar essencialmente economicista sobre os problemas sociais brasileiros, vêem nas demandas específicas elementos de divisão entre os explorados; os segundos assumem a ótica e o projeto do dominador, tem interesse de classe nos resultados materiais da opressão racial, bem como, sabem o significado social na massificação de negros, índios e pobres nas universidades - advogam que a compensação (atrav és de qualquer política pública focada) dos crimes da escravidão, do genocídio indígena e da marginalização do negro nas décadas iniciais da República, atenta contra o universalismo e, conseqüentemente, contra a unidade nacional.

A vida vem demonstrando, na prática, aos do lado de cá, que unidade nacional se conquista e fortalece com justiça e resgate de direitos sociais negados ao povo, considerando as singularidades que o compõe, não com belas proclamações, mesmo quando bem intencionadas. Essa constatação é suficiente para aproximar os setores progressistas que vacilam diante da importância da promoção da igualdade entre negros e brancos no Brasil. Considero equivocada a constatação de que estamos (os negros) por nossa própria conta, parafraseando o ativista sul-africano Steve Biko. Acredito, tal como, Solano Trindade e Clóvis Moura, na aliança do movimento negro com os diversos movimentos sociais e que o antirracismo não se dissoc ia, ao contrário, compõe os mais profundos ideários de justiça, defendido pelo pensamento progressista.

Um momento importante para a nação

Apesar do perigo que ronda todos os julgamentos, considero o cenário positivo para decretação da constitucionalidade das ações afirmativas. O STF, apesar de ser presidido por um homem conservador, tem se posicionado satisfatoriamente em temas polêmicos, como a demarcação das Reservas Indígenas Raposa e Terra do Sol em Roraima, contrariando interesses comerciais e políticos locais, aval para pesquisas em células troncos, decisão que confrontou a Igreja e reafirmou a laicidade do Estado.

Dentre os Ministros há quem deu sinais favoráveis as ações afirmativas: Joaquim Barbosa, Ayres Brito, Carmen Lucia, Marco Aurélio, José Antonio Dias Tofolli. Órgãos de Estado importantes para formulação da opinião do STF manifestaram favoravelmente as cotas: Procuradoria Geral da República, Advocacia Geral da União, IPEA e a própria entidade de classe de todos os advogados do Brasil: a OAB. Haverá, também, pronunciamento da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria de Direitos Humanos, Ministério da Educação e FUNAI, além de pronunciamentos de especialistas e ativistas da sociedade civil representando diversos posicionamentos, sendo a maioria favorável a implantação de ação afirmativa para negros e índios no Brasil.

Ao chamar a audiência o Ministro relator, Ricardo Lewandowski, sinaliza a relevância que dá a esse tema, abre espaço para debatê-lo na esfera adequada: política. Não podemos negar que o STF é, também, uma casa política, daí a importância da mobilização social em defesa as cotas e o motivo da gritaria e da agressividade do guru da resistência conservadora, Demétrio Magnoli, no jornal O Estado de São Paulo.

Considero essa audiência um momento imp ortante para nação, essa pauta é mais uma no cenário da luta de classes no Brasil, visto que as universidades públicas se transformaram em espaço de brancos e ricos. Brasil estará atento. Está em debate na mais Alta Corte, com 122 anos de atraso, um tema caro ao desenvolvimento social e a verdadeira construção da unidade nacional. Responderemos como e se desejamos promover socialmente uma significativa parcela da sociedade brasileira que, em razão da política do Estado e das classes dominantes, sofre com os efeitos do racismo e acumula, no presente, desvantagens sociais, econômicas, políticas, educacionais, dentre outras.

A vitória do DEM repercutirá negativamente aos milhares de jovens beneficiados pelas cotas e outras formas de ação afirmativas. Haverá grande frustração na militância do movimento negro que, após décadas de luta, vislumbra resultados positivos. É bom lembrar que esse mesmo partido se posiciona historicamente contra as ca usas dos oprimidos e contra as reivindicações sociais organizadas (vide as sucessivas CPIs contra o MST e a ADI contra as Centrais Sindicais). Do outro lado, a vitória da UNB, é a vitória do povo brasileiro, significa sinal verde para o Brasil continuar avançando na superação do racismo e na promoção social dos negros. Significa, também, o tardio enterro do DEM e daqueles que se solidariza ao seu ideário racista e tosco.

O Brasil não pode retroceder nossa experiência de implantação de políticas públicas para igualdade racial, apesar da insuficiência diante a demanda, se constitui numa referência aos países que sofrem com o impasse do racismo. A consciência pública nacional apóia as ações afirmativas, a sociedade se unificará ainda mais quando verificar que a cor da pele não é um elemento de acumulação de desvantagens e humilhação.



*Edson França é Coordenador Geral da UNEGRO e membro do Comitê Cent ral do PCdoB