CARTA DE BREJO DOS CRIOULOS NO DIA DO TRABALHADOR RURAL
No dia 25 de Julho de 2001, reuniram-se em Brejo dos Crioulos as entidades do movimento social do Norte de Minas – Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, Pastorais, Organizações Não Governamentais, Representantes de Comunidades Negras, Movimento Negro de Recife e Montes Claros, Professores, Universitários e Pesquisadores -, constituintes do Fórum Regional de Desenvolvimento Sustentável, atividade que contou com o apoio solidário da CESE. Na oportunidade pudemos conhecer o processo vivido de ocupação desse território negro desde meados do Século XVIII e a sua perda a partir de meados do Século XX. Essa comunidade negra encontra-se localizada nas margens do ribeirão Arapuim, divisa dos municípios de São João da Ponte e Varzelândia (MG).
Conforme relatam moradores mais velhos, desde meados do Século XVIII, negros fugidos da escravidão passaram a se fixar nas margens da Lagoa Peroba, existente na vazante do médio ribeirão Arapuim. Esse foi o núcleo inicial que deu origem à Comunidade Quilombola de Brejo dos Crioulos, cuja existência é reconhecida em todo o Norte de Minas Gerais. A ocupação dessa área foi possibilitada pela existência de brejo na vazante do referido ribeirão, propícia à proliferação da maleita, que a tornava imprópria para brancos e indígenas.
Com o passar do tempo, muitos outros negros fugidos para cá se dirigiram, aumentando a população que no final do Século XIX era de 38 troncos familiares. Como disse um historiador regional, Simeão Ribeiro em artigo na Revista Síntese da Unimontes, “Brejo dos Crioulos não sofreu a ação de capitão do mato”. Nesse contexto, as famílias aqui localizadas desenvolveram um sistema peculiar de organização social, cultural e produtiva, baseada em heranças africanas, indígenas e portuguesas.
A partir dos anos 1960, com a expansão da fronteira agrícola no Norte de Minas, fazendeiros utilizando de recursos violentos, como jagunços armados, passaram a grilar e a tomar as terras de diversas famílias herdadas de seus ancestrais, utilizando o artifício da venda forçada. Algumas famílias mudaram-se para outras localidades e, outras, se fixaram em “terra de santo”, existente na localidade. Segmentada por fazendas, aos poucos, Brejo dos Crioulos passou a significar a comunidade quilombola original, já que as famílias que aqui ficaram passaram a formar os grupos locais de Araruba, Arapuim, Cabaceiros, Conrado, Caxambu e Furado Seco. Discriminados por questões políticas, os moradores de Brejo dos Crioulos, estereotipados pejorativamente, passaram a sofrer exclusão em São João da Ponte. Ao mesmo tempo em que reafirmavam sua identidade cultural negra diferenciada.
Com a implantação de fazendas com recursos da SUDENE, mais para especulação imobiliária que para produção, a organização social de Brejo dos Crioulos se desestruturou. Passaram de proprietários de terra e de fornecedores de gêneros alimentícios na região a trabalhadores rurais migrantes sazonais, deslocando-se para diversas regiões do Brasil. Atualmente, 248 famílias vivem em precárias condições de vida, que determinam carência alimentar, doenças endêmicas e falta de perspectivas de empregos devido ao fechamento de postos de trabalho em fazendas regionais e de outros estados. Assim, a reprodução de Brejo dos Crioulos, tornou-se impossibilitada em sua própria localidade em meio da vastidão do território perdido e vazio na mão de fazendeiros especuladores imobiliários, apesar da Constituição Federal afirmar a necessidade de sua preservação como patrimônio da Nação brasileira.
Tendo dado início ao processo de reconhecimento como Comunidade Remanescente de Quilombo junto à Fundação Cultural Palmares e à Procuradoria Geral da República em Minas Gerais, a comunidade de Brejo dos Crioulos aguarda o deslanchar desse processo.
Nós, representantes de entidades do movimento popular do Norte de Minas, presentes neste dia do Trabalhador Rural em Brejo dos Crioulos, viemos a público denunciar as condições angustiantes vividas pelas famílias moradoras desse quilombo, já reconhecido como tal pela Fundação Cultural Palmares, tornando-se, assim, um patrimônio de todos nós brasileiros. Também, exigimos que a situação fundiária da mesma comunidade seja resolvida, para que seus moradores possam transformar a atual precária condição de vida. Ao mesmo tempo em que a dívida social da nação brasileira para com os negros seja, nesse caso, dirimida, conforme determina o Artigo 68 nos Atos Constitucionais das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988. Exigimos, também, que o processo de regularização fundiária ocorra paralelo a investimentos em infra-estrutura social, cultural e produtiva básica.
A participação de cerca de 500 pessoas, representantes de 19 cidades, 21 comunidades e 27 entidades do Norte de Minas Gerais e de outros estados e comunidade local nesta assembléia em Brejo dos Crioulos significa o nosso reconhecimento à luta desses nossos irmãos negros para permanecerem na história regional como símbolo de alternativas de vida ao modelo disseminado por todo o país. Como o foram durante o período da escravidão. Também queremos, aqui reunidos, afirmar que não deixaremos de envidar esforços para que o processo de transformação das condições atuais da comunidade seja revertido, desde que o Governo Federal cumpra o disposto na Constituição de 1988, regularizando a sua situação fundiária. Assim, aqui reafirmamos a nossa disposição de luta em favor dos nossos companheiros negros de Brejo dos Crioulos, a quem, solidários nos propomos a continuar marchando ombro a ombro até que uma nova aurora brilhe para eles e todos nós. E, para tanto, continuaremos atentos ao desenrolar do processo em curso junto à Fundação Cultural Palmare e à Procuradoria Geral da República em Minas Gerais, manifestando sempre que se fizer necessário.
Participaram da visita ao Brejo dos Crioulos:
· Representantes dos municípios de: Varzelândia, São João da Ponte, Montes Claros, Brasília de Minas, Manga, Jaíba, Pai Pedro, Taiobeiras, Salinas, Coração de Jesus, Mirabela, Buritizeiro, Lassance, Francisco Sá, Januária, Porteirinha, Belo Horizonte, Brasília e Recife.
· Representantes das comunidades de Brejo dos Crioulos, Furado Seco, Orion, Araruba, Arapuim, Cabaceiro, Conrado, Serra Dagua, Fazenda Gol, Puris, Rompe Gibão, Morrinhos, Pocinhos, Serra da Guia, Tanquinho, Poço da Vovó, Caroda, Lagoa Bonita, Califórnia, Barroca, Taperinha,
· Representantes das entidades: GRUCON,CERCAN,GRUPO DE CONSCÊNCIA TAMBORES DOS MONTES, SindUTE, CAA NM, CPT MG, CPT Vale do São Francisco, FETAEMG Polo de Montes Claros, CUT N.Minas, Casa de Pastoral Comunitária, CIMI, CÁRITAS;
· Representantes dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Montes Claros, Coração de Jesus, Mirabela, Buritizeiro, Lassance, Januária, Salinas, Manga, Jaíba, Taiobeiras, São João da Ponte, Varzelândia, Porteirinha;
· Outros: Pesquisadores da UFJF, UNB, Universitários da UNIMONTES.
Passados 8 anos tudo continua como antes os negros cada vez mais pobres é os ricos mais ricos
o movimento negro do norte de minas cobra uma resposta.
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