quinta-feira, 24 de junho de 2010

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL - Redação final

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL - Redação final
COMISSÃO DIRETORA PARECER Nº 923, DE 2010
Redação final do Projeto de Lei do Senado nº 213, de 2003 (nº 6.264, de 2005, na Câmara dos Deputados).
A Comissão Diretora apresenta a redação final do Projeto de Lei do Senado nº 213, de 2003 (nº 6.264, de 2005, na Câmara dos Deputados), que institui o Estatuto da Igualdade Racial, nos termos do parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania sobre o Substitutivo da Câmara dos Deputados, consolidando os ajustes redacionais propostos pelo relator na CCJ e aprovados pelo Plenário na sessão do dia 23 de junho de 2010.
Sala de Reuniões da Comissão, em 23 de junho de 2010.
2 ANEXO AO PARECER Nº 923, DE 2010.
Redação final do Projeto de Lei do Senado nº 213, de 2003 (nº 6.264, de 2005, na Câmara dos Deputados).
Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nºs 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003.
O CONGRESSO NACIONAL decreta: TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada; II – desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; III – desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais; IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga; V – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; 3 VI – ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.
Art. 2º É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.
Art. 3º Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.
Art. 4º A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de: I – inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social; II – adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; III – modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica; IV – promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais; V – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada; VI – estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos; VII – implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante a educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso a terra, à Justiça, e outros. Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País.
Art. 5º Para a consecução dos objetivos desta Lei, é instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), conforme estabelecido no Título III. TÍTULO II DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO I DO DIREITO À SAÚDE 4
Art. 6º O direito à saúde da população negra será garantido pelo poder público mediante políticas universais, sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e de outros agravos. § 1º O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra será de responsabilidade dos órgãos e instituições públicas federais, estaduais, distritais e municipais, da administração direta e indireta. § 2º O poder público garantirá que o segmento da população negra vinculado aos seguros privados de saúde seja tratado sem discriminação.
Art. 7º O conjunto de ações de saúde voltadas à população negra constitui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, organizada de acordo com as diretrizes abaixo especificadas: I – ampliação e fortalecimento da participação de lideranças dos movimentos sociais em defesa da saúde da população negra nas instâncias de participação e controle social do SUS; II – produção de conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra; III – desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação para contribuir com a redução das vulnerabilidades da população negra.
Art. 8º Constituem objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: I – a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas e o combate à discriminação nas instituições e serviços do SUS; II – a melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados por cor, etnia e gênero; III – o fomento à realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde da população negra; IV – a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde; V – a inclusão da temática saúde da população negra nos processos de formação política das lideranças de movimentos sociais para o exercício da participação e controle social no SUS. Parágrafo único. Os moradores das comunidades de remanescentes de quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para a garantia do direito à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde. CAPÍTULO II DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER Seção I Disposições Gerais
Art. 9º A população negra tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira. 5
Art. 10. Para o cumprimento do disposto no art. 9º, os governos federal, estaduais, distrital e municipais adotarão as seguintes providências: I – promoção de ações para viabilizar e ampliar o acesso da população negra ao ensino gratuito e às atividades esportivas e de lazer; II – apoio à iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social e cultural da população negra; III – desenvolvimento de campanhas educativas, inclusive nas escolas, para que a solidariedade aos membros da população negra faça parte da cultura de toda a sociedade; IV – implementação de políticas públicas para o fortalecimento da juventude negra brasileira. Seção II Da Educação
Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1º Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País. § 2º O órgão competente do Poder Executivo fomentará a formação inicial e continuada de professores e a elaboração de material didático específico para o cumprimento do disposto no caput deste artigo. § 3º Nas datas comemorativas de caráter cívico, os órgãos responsáveis pela educação incentivarão a participação de intelectuais e representantes do movimento negro para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração.
Art. 12. Os órgãos federais, distritais e estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação poderão criar incentivos a pesquisas e a programas de estudo voltados para temas referentes às relações étnicas, aos quilombos e às questões pertinentes à população negra.
Art. 13. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos competentes, incentivará as instituições de ensino superior públicas e privadas, sem prejuízo da legislação em vigor, a: I – resguardar os princípios da ética em pesquisa e apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pós-graduação que desenvolvam temáticas de interesse da população negra; II – incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores temas que incluam valores concernentes à pluralidade étnica e cultural da sociedade brasileira; III – desenvolver programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens negros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários; IV – estabelecer programas de cooperação técnica, nos estabelecimentos de ensino públicos, privados e comunitários, com as escolas de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico, para a formação docente baseada em princípios de equidade, de tolerância e de respeito às diferenças étnicas. 6
Art. 14. O poder público estimulará e apoiará ações socioeducacionais realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios, convênios e incentivos, entre outros mecanismos.
Art. 15. O poder público adotará programas de ação afirmativa.
Art. 16. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos responsáveis pelas políticas de promoção da igualdade e de educação, acompanhará e avaliará os programas de que trata esta Seção. Seção III Da Cultura
Art. 17. O poder público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal.
Art. 18. É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado. Parágrafo único. A preservação dos documentos e dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, tombados nos termos do § 5º do art. 216 da Constituição Federal, receberá especial atenção do poder público.
Art. 19. O poder público incentivará a celebração das personalidades e das datas comemorativas relacionadas à trajetória do samba e de outras manifestações culturais de matriz africana, bem como sua comemoração nas instituições de ensino públicas e privadas.
Art. 20. O poder público garantirá o registro e a proteção da capoeira, em todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial e de formação da identidade cultural brasileira, nos termos do art. 216 da Constituição Federal. Parágrafo único. O poder público buscará garantir, por meio dos atos normativos necessários, a preservação dos elementos formadores tradicionais da capoeira nas suas relações internacionais. Seção IV Do Esporte e Lazer
Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso da população negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais.
Art. 22. A capoeira é reconhecida como desporto de criação nacional, nos termos do art. 217 da Constituição Federal. § 1º A atividade de capoeirista será reconhecida em todas as modalidades em que a capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança ou música, sendo livre o exercício em todo o território nacional. § 2º É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos. 7 CAPÍTULO III DO DIREITO À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS CULTOS RELIGIOSOS
Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende: I – a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; II – a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões; III – a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas; IV – a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica; V – a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana; VI – a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; VII – o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões; VIII – a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.
Art. 25. É assegurada a assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive àqueles submetidos a pena privativa de liberdade.
Art. 26. O poder público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de: I – coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas; II – inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas; III – assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público. 8 CAPÍTULO IV DO ACESSO A TERRA E À MORADIA ADEQUADA Seção I Do Acesso a Terra
Art. 27. O poder público elaborará e implementará políticas públicas capazes de promover o acesso da população negra a terra e às atividades produtivas no campo.
Art. 28. Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas da população negra no campo, o poder público promoverá ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola.
Art. 29. Serão assegurados à população negra a assistência técnica rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção.
Art. 30. O poder público promoverá a educação e a orientação profissional agrícola para os trabalhadores negros e as comunidades negras rurais.
Art. 31. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
Art. 32. O Poder Executivo federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, respeitando as tradições de proteção ambiental das comunidades.
Art. 33. Para fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.
Art. 34. Os remanescentes das comunidades dos quilombos se beneficiarão de todas as iniciativas previstas nesta e em outras leis para a promoção da igualdade étnica. Seção II Da Moradia
Art. 35. O poder público garantirá a implementação de políticas públicas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida. Parágrafo único. O direito à moradia adequada, para os efeitos desta Lei, inclui não apenas o provimento habitacional, mas também a garantia da infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários associados à função habitacional, bem como a assistência técnica e jurídica para a construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação em área urbana.
Art. 36. Os programas, projetos e outras ações governamentais realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), regulado pela Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, devem considerar as peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra. 9 Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estimularão e facilitarão a participação de organizações e movimentos representativos da população negra na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).
Art. 37. Os agentes financeiros, públicos ou privados, promoverão ações para viabilizar o acesso da população negra aos financiamentos habitacionais. CAPÍTULO V DO TRABALHO
Art. 38. A implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do poder público, observando-se: I – o instituído neste Estatuto; II – os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965; III – os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção nº 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão; IV – os demais compromissos formalmente assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.
Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas. § 1º A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra. § 2º As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos. § 3º O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado. § 4º As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários. § 5º Será assegurado o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras. § 6º O poder público promoverá campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher negra no trabalho artístico e cultural. § 7º O poder público promoverá ações com o objetivo de elevar a escolaridade e a qualificação profissional nos setores da economia que contem com alto índice de ocupação por trabalhadores negros de baixa escolarização.
Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento. 10
Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros. Parágrafo único. O poder público estimulará as atividades voltadas ao turismo étnico com enfoque nos locais, monumentos e cidades que retratem a cultura, os usos e os costumes da população negra.
Art. 42. O Poder Executivo federal poderá implementar critérios para provimento de cargos em comissão e funções de confiança destinados a ampliar a participação de negros, buscando reproduzir a estrutura da distribuição étnica nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os dados demográficos oficiais. CAPÍTULO VI DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País.
Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística. Parágrafo único. A exigência disposta no caput não se aplica aos filmes e programas que abordem especificidades de grupos étnicos determinados.
Art. 45. Aplica-se à produção de peças publicitárias destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas o disposto no art. 44.
Art. 46. Os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário. § 1º Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado. § 2º Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade étnica, de sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado. § 3º A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria por órgão do poder público federal. § 4º A exigência disposta no caput não se aplica às produções publicitárias quando abordarem especificidades de grupos étnicos determinados. TÍTULO III DO SISTEMA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (SINAPIR) CAPÍTULO I DISPOSIÇÃO PRELIMINAR 11
Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no País, prestados pelo poder público federal. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão participar do Sinapir mediante adesão. § 2º O poder público federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do Sinapir. CAPÍTULO II DOS OBJETIVOS
Art. 48. São objetivos do Sinapir: I – promover a igualdade étnica e o combate às desigualdades sociais resultantes do racismo, inclusive mediante adoção de ações afirmativas; II – formular políticas destinadas a combater os fatores de marginalização e a promover a integração social da população negra; III – descentralizar a implementação de ações afirmativas pelos governos estaduais, distrital e municipais; IV – articular planos, ações e mecanismos voltados à promoção da igualdade étnica; V – garantir a eficácia dos meios e dos instrumentos criados para a implementação das ações afirmativas e o cumprimento das metas a serem estabelecidas. CAPÍTULO III DA ORGANIZAÇÃO E COMPETÊNCIA
Art. 49. O Poder Executivo federal elaborará plano nacional de promoção da igualdade racial contendo as metas, princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR). § 1º A elaboração, implementação, coordenação, avaliação e acompanhamento da PNPIR, bem como a organização, articulação e coordenação do Sinapir, serão efetivados pelo órgão responsável pela política de promoção da igualdade étnica em âmbito nacional. § 2º É o Poder Executivo federal autorizado a instituir fórum intergovernamental de promoção da igualdade étnica, a ser coordenado pelo órgão responsável pelas políticas de promoção da igualdade étnica, com o objetivo de implementar estratégias que visem à incorporação da política nacional de promoção da igualdade étnica nas ações governamentais de Estados e Municípios. § 3º As diretrizes das políticas nacional e regional de promoção da igualdade étnica serão elaboradas por órgão colegiado que assegure a participação da sociedade civil.
Art. 50. Os Poderes Executivos estaduais, distrital e municipais, no âmbito das respectivas esferas de competência, poderão instituir conselhos de promoção da igualdade étnica, de caráter permanente e consultivo, compostos por igual número de representantes de órgãos e entidades públicas e de organizações da sociedade civil representativas da população negra. 12 Parágrafo único. O Poder Executivo priorizará o repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos nesta Lei aos Estados, Distrito Federal e Municípios que tenham criado conselhos de promoção da igualdade étnica. CAPÍTULO IV DAS OUVIDORIAS PERMANENTES E DO ACESSO À JUSTIÇA E À SEGURANÇA
Art. 51. O poder público federal instituirá, na forma da lei e no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo, Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial, para receber e encaminhar denúncias de preconceito e discriminação com base em etnia ou cor e acompanhar a implementação de medidas para a promoção da igualdade.
Art. 52. É assegurado às vítimas de discriminação étnica o acesso aos órgãos de Ouvidoria Permanente, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, para a garantia do cumprimento de seus direitos. Parágrafo único. O Estado assegurará atenção às mulheres negras em situação de violência, garantida a assistência física, psíquica, social e jurídica.
Art. 53. O Estado adotará medidas especiais para coibir a violência policial incidente sobre a população negra. Parágrafo único. O Estado implementará ações de ressocialização e proteção da juventude negra em conflito com a lei e exposta a experiências de exclusão social.
Art. 54. O Estado adotará medidas para coibir atos de discriminação e preconceito praticados por servidores públicos em detrimento da população negra, observado, no que couber, o disposto na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989.
Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e das ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade étnica, recorrer-se-á, entre outros instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. CAPÍTULO V DO FINANCIAMENTO DAS INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
Art. 56. Na implementação dos programas e das ações constantes dos planos plurianuais e dos orçamentos anuais da União, deverão ser observadas as políticas de ação afirmativa a que se refere o inciso VII do art. 4º desta Lei e outras políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra, especialmente no que tange a: I – promoção da igualdade de oportunidades em educação, emprego e moradia; II – financiamento de pesquisas, nas áreas de educação, saúde e emprego, voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população negra; III – incentivo à criação de programas e veículos de comunicação destinados à divulgação de matérias relacionadas aos interesses da população negra; IV – incentivo à criação e à manutenção de microempresas administradas por pessoas autodeclaradas negras; 13 V – iniciativas que incrementem o acesso e a permanência das pessoas negras na educação fundamental, média, técnica e superior; VI – apoio a programas e projetos dos governos estaduais, distrital e municipais e de entidades da sociedade civil voltados para a promoção da igualdade de oportunidades para a população negra; VII – apoio a iniciativas em defesa da cultura, da memória e das tradições africanas e brasileiras. § 1º O Poder Executivo federal é autorizado a adotar medidas que garantam, em cada exercício, a transparência na alocação e na execução dos recursos necessários ao financiamento das ações previstas neste Estatuto, explicitando, entre outros, a proporção dos recursos orçamentários destinados aos programas de promoção da igualdade, especialmente nas áreas de educação, saúde, emprego e renda, desenvolvimento agrário, habitação popular, desenvolvimento regional, cultura, esporte e lazer. § 2º Durante os 5 (cinco) primeiros anos, a contar do exercício subsequente à publicação deste Estatuto, os órgãos do Poder Executivo federal que desenvolvem políticas e programas nas áreas referidas no § 1º deste artigo discriminarão em seus orçamentos anuais a participação nos programas de ação afirmativa referidos no inciso VII do art. 4º desta Lei. § 3º O Poder Executivo é autorizado a adotar as medidas necessárias para a adequada implementação do disposto neste artigo, podendo estabelecer patamares de participação crescente dos programas de ação afirmativa nos orçamentos anuais a que se refere o § 2º deste artigo. § 4º O órgão colegiado do Poder Executivo federal responsável pela promoção da igualdade racial acompanhará e avaliará a programação das ações referidas neste artigo nas propostas orçamentárias da União.
Art. 57. Sem prejuízo da destinação de recursos ordinários, poderão ser consignados nos orçamentos fiscal e da seguridade social para financiamento das ações de que trata o art. 56: I – transferências voluntárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – doações voluntárias de particulares; III – doações de empresas privadas e organizações não governamentais, nacionais ou internacionais; IV – doações voluntárias de fundos nacionais ou internacionais; V – doações de Estados estrangeiros, por meio de convênios, tratados e acordos internacionais. TÍTULO IV DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 58. As medidas instituídas nesta Lei não excluem outras em prol da população negra que tenham sido ou venham a ser adotadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Art. 59. O Poder Executivo federal criará instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas nesta Lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão e a divulgação de relatórios periódicos, inclusive pela rede mundial de computadores. 14
Art. 60. Os arts. 3º e 4º da Lei nº 7.716, de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 3º .............................................. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional." (NR) "Art. 4º .............................................. § 1º Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica: I – deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; II – impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; III – proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. § 2º Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências." (NR)
Art. 61. Os arts. 3º e 4º da Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 3º Sem prejuízo do prescrito no art. 2º e nos dispositivos legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça ou cor, as infrações do disposto nesta Lei são passíveis das seguintes cominações: .................................................." (NR) "Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: .................................................." (NR)
Art. 62. O art. 13 da Lei nº 7.347, de 1985, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2º, renumerando-se o atual parágrafo único como § 1º: "Art. 13. ............................................ § 1º ..................................................... § 2º Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1º desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou 15 dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente." (NR)
Art. 63. O § 1º do art. 1º da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1º ............................................ § 1º Para os efeitos desta Lei, entende-se por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado. .................................................." (NR)
Art. 64. O § 3º do art. 20 da Lei nº 7.716, de 1989, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso III: "Art. 20. .............................................. ............................................................. § 3º ...................................................... ............................................................. III – a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. ..................................................." (NR) Art. 65. Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.

Quem é Didier Drogba?

Quem é Didier Drogba?
Por Dennis de Oliveira
Didier Drogba foi xingado pelo técnico Dunga, logo após a partida vencida pela seleção brasileira
o técnico brasileiro disse "Drogba de merda". No início do jogo, foi pisado na mão de forma desleal pelo zagueiro Lúcio - desleal porque todos sabem que o jogador marfinense estava contundido na mão. Em todo momento da partida tensa, tentou apaziguar os ânimos. No final da partida, foi cumprimentar os jogadores brasileiros. Declarou à imprensa que a seleção brasileira mereceu a vitória e que faltou futebol para o seu time. Drogba foi um campeão da serenidade, infelizmente ofuscado pelo ufanismo nacionalista e postura preconceituosa e racista de parcela considerável da mídia brasileira que não admite enfrentamento aos jogadores brasileiros por parte de oponentes do Terceiro Mundo - daí a raiva expressa contra os times sul-americanos, principalmente a Argentina - e uma certa veneração aos europeus. Ouvi o comentarista Caio, da Globo, dizer que a "Itália não pode ficar de fora", logo após o vexaminoso empate do "campeão do mundo" com a poderosa Nova Zelândia em 1 a 1. Mas porque Drogba teve este comportamento? Algumas informações: - Didier Drogba lançou, junto com Koffi Anan, oGuia Alternativo da Copa do Mundo, em que analisa as diferenças sociais e econômicas dos países que disputam o Mundial e apresenta propostas de como as relações podem ser mais equilibradas na política internacional (veja abaixo a apresentação em português) - para ter acesso ao guia, clique aqui. - Didier Droga, junto com o franco-argelino Zidane, embaixadores do Programa da Boa Vontade do PNUD/ONU, lançaram um spot de TV chamando todos para o combate a pobreza. Diz Drogba: "Não pode haver espectadores na luta contra a pobreza. Nós todos precisamos estar em campo para melhorar a vida de milhões de pessoas pobres no mundo". Para ver o spot, clique aqui. - Didier Drogba mantém uma série de projetos sociais de atendimento a crianças na Costa do Marfim e na África, participa de campanhas para erradicação da malária no continente africano. Veja no site oficial de Drogba, clicando aqui. Enquanto isto, Kaká, o jogador que se colocou como vítima do último jogo e vem sendo tratado como tal pela mídia brasileira, prefere ajudar uma organização criminosa que se traveste de religião e cujos líderes foram presos nos Estados Unidos. Saudades do Pelé que, pelo menos, dedicou seu milésimo gol às crianças pobres do Brasil. Parece pouco, mas muito mais sensibilidade social que o atual camisa dez da seleção tinha. Sem contar que muito - mas MUITO - mais futebol.
A covardia coloca a questão: 'É seguro?'
O comodismo coloca a questão: 'É popular?'
A etiqueta coloca a questão: 'É elegante?'
Mas a consciência coloca a questão: 'É correto?
'E chega uma altura em que temos de tomar uma posição que não é segura, não é elegante, não é popular, mas o temos de fazer porque a nossa consciência nos diz que é essa a atitude correta.
Martin Luther King

missão decidiu investigar, no Rio de Janeiro, um dos mais velados e complexos problemas dos afrodescendentes no Brasil

Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ)
No início de maio, uma missão decidiu investigar, no Rio de Janeiro, um dos mais velados e complexos problemas dos afrodescendentes no Brasil.
A Relatoria do Direito Humano à Educação se incumbiu de decifrar casos de intolerância religiosa contra praticantes de candomblé, umbanda e outras religiões de matriz africana. A proposta é parte da missão “Educação e Racismo no Brasil”, realizada em diversos estados ao longo deste ano. Com apoio da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) do Rio de Janeiro, a equipe também se propôs a investigar a situação da educação em área de remanescentes de quilombolas.Segundo os estudiosos, a intolerância contra práticas religiosas afrobrasileiras enfrenta a indiferença social. O problema sofre de notória invisibilidade. Entretanto, por conta principalmente do preconceito por parte de adeptos de religiões neopentecostais (Igreja Universal, Internacional da Graça, entre outras), práticas religiosas chegam a ser quase proibidas em determinadas regiões. O aumento dos praticantes de cultos neopentecostais, e de seus poderes midiático e político, somado à ambiguidade das políticas educacionais seriam as principais causas da intolerância religiosa. Márcio Gualberto, do Coletivo de Entidades Negras do Rio de Janeiro, ironiza o preconceito. “As religiões de matrizes africanas não têm como cultuar o diabo, até porque esta figura não existe em nosso panteão”, diz.Em janeiro, o Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos da UFF (InEAC-UFF) lançou o dossiê “Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro”. O documento analisa conflitos relacionados a diferenças identitárias e étnico-religiosas no Estado, de forma a entender o tratamento dado a essas distinções por parte de instituições públicas. “A intolerância religiosa tem total invisibilidade por parte do Estado e dos próprios movimentos sociais. É a falsa ideia da democracia racial”, afirma Fábio Reis Mota, cientista social do InEAC-UFF.Entre 2008 e 2009, a CCIR acompanhou 17 casos específicos de registros policiais de intolerância religiosa, registrados no dossiê. Uma das constatações da Comissão foi a dificuldade de a polícia perceber a importância do registro de ocorrência. Muitas vezes, as vítimas são convencidas a não registrar, como se tivessem vivenciado um problema menor. “A polícia chama esse tipo de evento de 'feijoada', algo menos importante”, diz Fábio. Os dados revelam que a maioria das vítimas tem mais do que 21 anos. Entre os autores de crime religioso, a idade mínima cresce para 40 anos, o que talvez revele um grau de intolerância maior entre os mais velhos. A maior parte dos casos ocorre na instituição religiosa ou na casa da vítima.Outra crítica feita pelos pesquisadores diz respeito ao tratamento midiático. A religiosidade afrobrasileira seria retratada de forma estereotipada, reforçando preconceitos no imaginário social. “A mídia televisiva não tem um tratamento homogêneo para as religiões africanas. Uma parte dela aceita a diversidade religiosa, e podemos ver personagens positivos. Entretanto, esse segmento que tende a tratá-las positivamente costuma fazer das religiões de matriz africana exemplos da exceção, e não da regra”, afirma Joel Zito Araújo, diretor do documentário “A negação do Brasil”. “Em determinados casos, assistimos na pregação de pastores, ou nos comentários nada sutis de apresentadores de TV, uma estereotipização dos praticantes de cultos afros, enfaticamente retratados como cultuadores do demônio, alimentando uma rede de preconceito, ódio e ignorância”, completa.GuerrasantaSegundo o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), José Flávio Pessoa, sempre houve essa repressão. Mudou apenas a maneira como se dá. Sacerdotes dos calundus, formas rudimentares de religiosidade existentes até o século XIX, eram perseguidos e assassinados. “Até os anos 1950, a Igreja Católica promovia a perseguição. Nessa época, a polícia ainda entrava nos templos, destruía seqüestrava bens. A partir da década de 1970, as igrejas neopentecostais ganham expressão e promovem uma verdadeira 'guerra santa' contra a religiosidade afrobrasileira. E eles têm formas diversas de pressionar o Estado, como proibindo o sacrifício de animais e cultos barulhentos”, afirma.A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa foi formada em março de 2008, após um incidente na Ilha do Governador. Praticantes de religiões neopentecostais expulsaram casas de umbanda e candomblé do local, destruindo templos. Na ocasião, adeptos das religiões de matriz africana se uniram e organizaram um protesto em frente à Assembleia Legislativa (Alerj). Em seguida, eles formaram a CCIR, com o objetivo principal de combater o preconceito religioso. As duas principais criações da Comissão foram a “Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa” e o “Fórum de Diálogo Inter-religioso”. O grupo tomou como uma de suas principais reivindicações a criação de uma delegacia especializada para repressão ao crime de discriminação étnico-racial- religiosa.Márcio Gualberto, do Coletivo de Entidades Negras do Rio de Janeiro, conta que, em 2009, uma mulher trajando roupas referentes à sua religião recebeu uma cuspida em Campo Grande , de uma evangélica de igreja neopentecostal. No mesmo ano, uma casa de umbanda foi atacada no Catete por fanáticos religiosos. Segundo ele, o Coletivo estaria planejando para 2011 a Conferência Nacional sobre Liberdade Religiosa, a ser convocada pelo governo federal. “Casos de intolerância são muito maiores do que imaginamos. Os agentes perpetradores são os mais variados e percebemos não só a omissão como, às vezes, o próprio Estado como agente”, acusa.
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Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ)
Desde 1972, comemora-se no dia 25 de maio o Dia Internacional da África. A data remete a 1963, quando 32 chefes de Estado africanos se reuniram para criar a Organização da Unidade Africana (OUA), a atual União Africana. Maio também é especialmente comemorado no Brasil porque é o mês de Oxossi, divindade yorubá. É um dos mais populares orixás no país, tanto no candomblé, onde se tornou o rei da nação Ketu, quanto na umbanda, na qual é considerado patrono da linha dos caboclos. Por isso, maio é um marco na tradição da religiões afrobrasileiras.

Os yorubás chegaram ao país a partir do século XVIII, considerado um marco no tráfico de escravos. Nos séculos XVI e XVII, predominavam os bantos, originários da África Meridional. Em seguida, surgem os da África Ocidental, jejês e yorubás. A região do Pelourinho, em Salvador, é uma das primeiras a ser habitadas. Fundam a Igreja da Barroquinha, onde os negros começam a institucionalizar práticas religiosas trazidas da África.

Com as cidades yorubas Oyo e Ketu são totalmente destruídas, o culto a Oxossi torna-se raro na África, mas ganha fôlego no Brasil. As religiões dos negros, até então marginais, desorganizadas, ganham liturgia, templos e sacerdócio. Solidificam-se.

Até então, só existiam os kandus, de ritos desorganizados, resquícios da africanidade. Muitos dos chefes kandus foram perseguidos e enviados à Inquisição. Uma referência importante, no século XVII, é o condolês Domingos Umbata, que curava pacientes e era “adivinho”.

No século XIX, surge a Confraria Religiosa de Nossa Senhora da Boa Morte na Barroquinha, tocada por mulheres, com o objetivo de formar lideranças religiosas. As religiões africanas são refundadas no Brasil. As crenças, resignificadas. “Voltar a ter a África como um modelo mítico significava pensar algo extremamente importante e perdido, que era a liberdade”, diz José Flávio Pessoa, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Com o tempo, passou a haver uma espécie de calendário litúrgico, com a existência de festas conhecidas.

O Candomblé, com agremiação de praticantes, surge na segunda metade do século XVII. É difícil para os historiadores a pesquisa das práticas religiosas anteriores, pela ausência de documentação e referências. Hoje, três milhões de brasileiros (1,7% da população) se declaram seguidores do Candomblé. Entretanto, organizações afirmam que até 70 milhões (37%) praticam eventualmente a religião. Criada no século XX, a Umbanda mistura a religiosidade de origem africana com o cristianismo. Associa orixás a santos católicos e tem inúmeras ramificações. Há ainda outras religiões, como a Macumba e o Omoloko. O Vodou haitiano e a Santeria cubana guardam semelhança com as religiões afrobrasileiras – surgiram também dos yorubás.

Marcio Alexandre M. Gualberto
Quem é de Axé diz que é!
No Censo de 2010 declare seu amor ao seu Orixá
Diga que é do Santo, diga que é do Axé
Pois quem é de Umbanda, quem é de Candomblé
Não pode ter vergonha, tem que dizer que é!!!

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Um símbolo brasileiro

Um símbolo brasileiro
FONTE:AFROPRESS
O vigilante da USP, Januário Alves de Santana, fez 40 anos neste 21 de março - Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial -, criado pela ONU, para homenagear as vítimas do massacre de Sharpeville, na África do Sul.
Leia Mais.
Por recomendação do seu advogado e em respeito às cláusulas contratuais constantes do acordo extrajudicial com o Carrefour ele não fala nem do acordo nem do episódio - em que, tomado por suspeito do roubo do seu próprio carro, um EcoSport, foi barbaramente espancado por seguranças no dia 09 de agosto do ano passado - enquanto a mulher, uma irmã, o cunhado e um filho faziam compras.Na sua casa, no Jardim Conceição, em Osasco, Januário passou um dia comum, com a mulher e os filhos Samuel, de 5 anos, Esther, de 3, e a filha do primeiro casamento, Jamile, com 19 anos, que ele trouxe para morar com a família no mês passado, quando passou um mês de férias, em Salvador. Do primeiro casamento, tem ainda Bruce Alesi, já adolescente com 17 anos. O nome é uma homenagem a Bruce Lee, o ator e mestre das artes marciais norte-americano de origem chinesa, de quem era fã. “Só o fato de estar lutando para melhorar o país onde vivemos, eu me sinto honrado, abençoado por Deus, de cabeça erguida e com a minha auto-estima de pé”, afirmou a Afropress.Quem é JanuárioO baiano que se tornou um símbolo da luta contra o racismo no Brasil no ano passado, nasceu no bairro de Pirajá, em Salvador. Seus pais, Maurino Santana e Josefa Alves Santana, já mortos, criaram os seis filhos - quatro dos quais vivos - com muita dificuldade. Seu Maurino, era “marroeiro”, trabalhava numa pedreira e a mãe cuidava da casa.Em 1.993, Januário - o filho mais novo dos vivos - decidiu tentar a vida em S. Paulo. Ficou pouco mais de quatro anos, porque não “agüentava de saudade de casa”, conta. Em 1.998, tomou uma decisão. “Meu pai, agora estou indo prá ficar” comunicou. Em S. Paulo, segundo conta, passou fome, antes de conhecer a segunda mulher, Maria dos Remédios, paraibana de Souza, com quem vive há oito anos. “Me chamavam de bolacheiro porque andava com bolachas nos bolsos. Andei muito de pé. Trabalhei como ajudante de obras. Quando a fome apertava era com as bolachas que me socorria“, acrescenta.A vida começou a mudar, depois que conseguiu ser o quarto colocado disputando entre seiscentos concorrentes uma vaga para os quadros da Universidade de S. Paulo (USP), onde trabalha como vigilante, desde o final dos anos 90.Januário já teve na família outra situação de violência, quando viu um irmão - Manoel - sumir nas ruas para nunca mais aparecer. “Meu irmão sofria de distúrbios mentais e as vezes desaparecia nas ruas. Em 1.994 sumiu e não apareceu mais. O que soubemos é que tinha sido morto pela Polícia, confundido com ladrão. Seu corpo nunca apareceu”, conta, sem esconder a emoção.Mesmo sem poder falar do episódio, Januário comenta que não guarda mágoas. “Não tenho raiva no meu coração“, finalizou.Um dia para não esquecerO dia 21 de março de 1.960 é um dia para não ser esquecido. Na cidade de Sharpevile, província de Gauteng, nos arredores de Johannesburgo, na África do Sul, um protesto convocado pelo Congresso Pan-Africano (PAC) contra a Lei do Passe, que obrigava os negros a usarem uma caderneta que determinava onde podiam ir, reunia cerca de 5 mil pessoas.Marchavam pacificamente, entoando cantos e palavras de ordem, quando a polícia do regime do apartheid abriu fogo. Rajadas de metralhadora deixaram um rastro de sangue com 69 pessoas mortas e centenas de feridos, entre homens, mulheres e crianças.Após essa data a opinião pública mundial voltou-se contra em peso contra o apartheid e no dia 21 de Novembro de 1.969, a ONU criou o Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial que é lembrado e celebrado em todo o mundo para homenagear as vítimas.

S. Paulo - Os nomes de quarenta brasileiros negros que participaram da resistência à ditadura militar (1.964/1985)

Direito à Memória



FONTE:AFROPRESS
S. Paulo - Os nomes de quarenta brasileiros negros que participaram da resistência à ditadura militar (1.964/1985) começaram a ser divulgados por iniciativa do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), de S. Paulo no Catálogo "Direito à Memória e à Verdade". Leia mais.
Entre os nomes estão o de Carlos Marighella, Luiz José da Cunha, o Comandante Crioulo, Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, o lendário Comandante na Guerilha do Araguaia, e Dinalva Oliveira Teixeira (1.945/1.974) e Helenira Resende de Souza Nazareth (1.944/1.972, ambas também mortas na Guerilha do Araguaia, liderada pelo PC do B.O resgate da participação de brasileiros negros na luta de resistência ao regime militar começou na II Conferência Nacional da Igualdade Racial, realizada em junho do ano passado. Os textos do Catálogo, divulgado por iniciativa do Condepe de S. Paulo, foram extraídos do livro-relatório “Direito à Memória e à Verdade - Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”, editado pela Secretaria especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, em 2007, com apoio da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).Os casos relatados foram objeto de processo na Comissão e os familiares das vítimas indenizados pelo Estado Brasileiro. Segundo o presidente do Condepe, jornalista Ivan Seixas (foto), ele próprio ex-preso político, a iniciativa de resgatar o papel dos negros na resistência à ditadura é importante para desmitificar a idéia de que “a resistência ao regime teve a participação apenas de brancos de classe média”. “Acho essa iniciativa fundamental”, afirmou.ResistênciaO Catálogo inclui personagens negros da resistência ao regime, como o líder sindical do Sindicato dos Ferroviários do rio de Janeiro, José de Souza (1.931/1.964), cuja versão oficial para a morte é de que teria cometido suicídio nove dias depois de preso e conduzido ao DOPS/RJ para averiguações. Souza teria se atirado do terceiro andar do prédio da Polícia Central do Rio, versão que foi desmentida por José Ferreira, preso político no mesmo local, que contou à Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB estadual, em 1.995, ter presenciado a chegada de Souza muito nervoso com os constantes gritos e tiros de metralhadora, e principalmente por ver presos voltarem desmaiados após depoimentos”. Na madrugada de 17 de abril de 1.964, os agentes policiais acordaram os encarcerados para informá-los de que Souza estava morto no pátio do DOPS.Mulher negraOutras personagens negras lembradas no Catálogo são as guerrilheiras Dinalva Oliveira Teixeira (1.945/1.974) e Helenira Resende de Souza Nazareth (1.944/1.972, ambas combatentes na Guerilha do Araguaia. Dinalva, a Dina, transformou-se numa lenda na região do Araguia, onde se acreditava na sua capacidade de virar borboleta para despistar os militares. Professora e parteira dentre os nativos, destacou-se como exímia atiradora e por participar em várias ações armadas. Foi a única mulher a alcançar um posto de comando. Baiana de Castro Alves, estava grávida quando foi presa, segundo várias testemunhas. O jornalista Hugo Studart conta no livro “A Lei da Selva“, que ela foi executada. “O primeiro tiro lhe atingiu o peito, o segundo, a cabeça“, relata, o jornalista.Helenira (1.944/1972), que usava o codinome de Fátima, na Guerrilha, foi metralhada nas pernas e depois torturada até a morte, segundo depoimento da ex-presa política Eliza de Lima Monerat.Comandante CriouloLuiz José da Cunha (1.943/1.973) foi o último desaparecido político a ter os restos mortais identificados. Ele foi sepultado no dia 02 de setembro de 2.006, no Cemitério Parque das Flores, em Recife, ao lado do túmulo da mãe, trinta e três anos depois de ser morto pelos órgãos de segurança do regime. Sua ossada, sem o crânio, havia sido exumada no cemitério Dom Bosco, em Perus, em 1.991, onde se encontrava enterrado como indigente. Somente, em junho um exame do DNA identificou o seu corpo.No Atestado de óbito de Crioulo - alto dirigente da ALN e um dos primeiros a acompanhar Marighela, constava “branco” como a sua cor. Para Seixas, esse fato, que só foi corrigido pouco antes do enterro dos seus restos mortais, demonstra “em que medida e até que ponto foi levado o desrespeito a identidade étnica do dirigente guerrilheiro”.MarighellaO nome mais conhecido entre os líderes negros da resistência ao regime militar foi Carlos Marighela (1.911/1969), o principal líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), considerado o inimigo número 1 do regime militar.Marighella foi atingido na aorta por uma bala à queima roupa, na Alameda Casa Branca, em S. Paulo, no dia 04 de novembro de 1.969. Era filho de um imigrante italiano - Carlos Augusto Marighela - e de uma negra descendente de escravos - Maria Rita do Nascimento.Foi eleito deputado pelo Partido Comunista na Constituinte de 1.946 e foi cassado quando o Governo Dutra colocou o Partido na ilegalidade. Passou à ilegalidade onde militou até sua morte.Em 1.967, rompeu com a direção do PCB e passou a dedicar-se as atividades de resistência armada criando uma organização político-militar que em 1.969 adotaria o nome de ALN. O último nome do Catálogo é o do operário Santo Dias da Silva (1.942/1.979) morto pela Polícia Militar no dia 30 de outubro de 1.979, quando liderava um piquete de greve em frente à fábrica Silvânia, no bairro paulistano de Santo Amaro.

Abolição inacabada

Abolição inacabada
Por:Márcio Alexandre- 13/5/2010
FONTE:AFROPRESS
No dia em que o Brasil lembra os 122 anos de Abolição da Escravidão, o jornalista Márcio Alexandre, liderança da nova geração do Movimento Negro, lança a Plataforma Brasileira pelas Ações Afirmativas, que propõe a discussão do tema de forma mais ampla na sociedade.
Leia a entrevista.
Márcio, 38 anos, que se afastou da direção do Coletivo de Entidades Negras (articulação surgida na Bahia e que reúne, principalmente, ativistas ligados às religiões afro-brasileiras) para trabalhar na proposta, disse que a Plataforma é uma tentativa de propor um debate com atores que não se restrinjam ao movimento negro, que seja capaz de envolver a sociedade. Segundo ele, que é colunista de Afropress, isso é ainda mais necessário, depois do fracasso da proposta do Congresso de Negros e Negras (CONNEB), lançado em janeiro de 2.006 e que pretendia, na sua origem, reunir entidades do movimento negro para um programa comum de ação.Ele atribuiu o fracasso a erros políticos, mas não deixou de responsabilizar, sem citar nomes, determinadas lideranças que, segundo afirma, não tiveram papel positivo. “Sejamos francos: sem aprofundar muito, o fato é que tem gente que parou no tempo, quer discutir temas atuais a partir de visões dos anos 1.960/1970 que não fazem mais sentido se discutir hoje. Ou seja: muita visão retrógrada, atrasada, muita gente posando de dono da verdade. Tudo isso, num pacote, cansou, fez água e por isso, a meu ver, o CONNEB fracassou”, concluiu.Veja, a entrevista de Márcio Alexandre, ao jornalista e Editor de Afropress, Dojival Vieira.
Afropress - O que é e qual o objetivo da Plataforma Brasileira de Ações Afirmativas que você está propondo?Márcio Alexandre - Em 1999 eu estive numa reunião em Bogotá, Colômbia, da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento (Pidhdd). Nesta reunião, saímos com a incumbência - eu e os companheiros do Movimento Nacional de Direitos Humanos de criar o capítulo brasileiro desta Plataforma. Assim, um ano depois surgia aqui a Plataforma Brasileira dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc Brasil). Em 2005 a Rits (Rede de Informações do Terceiro Setor) me chamou para criar aqui no Brasil a Plataforma Brasileiro pelo Direito à Informação (Cris Brasil). Ou seja: em um período de cinco anos eu estive na linha de frente da construção de duas grandes articulações políticas que foram exitosas e estão aí até hoje fazendo diferença nos temas a que elas se referem. A partir do ano passado eu comecei a refletir sobre a necessidade de pensar em algo de maior envergadura no que tange à minha militância e à contribuição que posso dar à questão étnico-racial.
Daí surgiu a idéia da Plataforma Brasileira pelas Ações Afirmativas que já nasce com o objetivo de sob um mesmo guarda-chuva institucional discutir os seguintes temas:
1) ações afirmativas e políticas de cotas;
2) racismo ambiental e desenvolvimento sustentável;
3) desrespeito e intolerância religiosa
4) violência e juventude negra nos grandes centros urbanos.
Afropress - Qual a análise que você faz do Movimento Negro no Brasil hoje, e porque morreu antes de ser notada a proposta do Congresso de Negros e Negras do Brasil, de cuja articulação você participou, inclusive como dirigente, e que tinha como objetivo lançar o Projeto do Povo Negro para o Brasil?Márcio - Não tenho dúvida em afirmar que o CONNEB é uma das melhores iniciativas do Movimento Negro nos últimos anos. Infelizmente, a meu ver, o que faltou ao CONNEB basicamente foi a estrutura necessária para ele atingir os objetivos propostos. O CONNEB começou grande, reuniu em si atores importantes do Movimento Negro mas foi ferido de morte no que tange a recursos financeiros e até mesmo recursos humanos para levá-lo adiante. Apesar de atuação valorosa de várias pessoas e organizações que se dedicaram, o fato é que ele foi a idéia certa no momento errado, ou seja: aqueles que teriam todas as condições para de fato apoiar o CONNEB e torná-lo o grande momento do Movimento Negro nos últimos anos, não o fizeram porque tiveram medo, notadamente os órgãos públicos e as ditas personalidades, infelizmente. Além disso falhamos em não levar adiante idéias ótimas que tivemos mas não tivemos fôlego para executar, tipo: dialogar com as entidades nacionais, abrir frentes de apoio no continente africano e na América Latina, ou seja, as idéias estavam ali, eram boas, mas a execução é que foi problemática.Além disso, sejamos francos, fica claro que há um desnível muito grande entre determinados setores do Movimento Negro. Sem aprofundar muito, o fato é que tem gente que parou no tempo, quer discutir temas atuais a partir de visões dos anos de 1960/1970 que não fazem mais sentido se discutir hoje. Ou seja, muita visão retrógrada, atrasada, muita gente posando de dono da verdade. Tudo isso, num pacote, cansou, fez água e por isso, a meu ver, o CONNEB fracassou.
Afropress - Considerando as nossas variadas origens (ou seja, nossos antepassados vieram de diferentes partes, culturas e até mesmo religiões) no continente africano, não é um erro conceitual falar-se em "Povo Negro" no Brasil?Márcio - É uma boa discussão para os sociólogos, o que não é o meu caso. No entanto, nesta perspectiva é complicado também se falar em povo brasileiro, tão somente, visto que além de nós negros, vários grupos europeus, asiáticos também vieram para cá, fora os indígenas que aqui já estavam. Quando vamos para a perspectiva das religiões de matrizes africanas aí complica mais ainda, visto que falamos de distintas nações, logo, podemos falar de diferentes povos. No geral, no entanto, não vejo como complicado falar de um projeto político do povo negro para o Brasil. Se de perto ninguém é normal, como diz o Caetano Veloso, de longe somos todos povo negro, não temos assim tantas distinções entre nós ao ponto de construirmos divisões étnicas entre nós. Afropress - Você não acha que o Movimento Negro Brasileiro ainda vive muito ancorado, ora em figuras proeminentes, ora nos Partidos e nos Governos? Ou seja: não é ainda um movimento social capaz de influenciar a pauta política do Brasil e se comporta mais como um conjunto de lobbies de interesses dispersos?Márcio - Eu sempre faço uma avaliação extremamente positiva do Movimento Negro. Penso que é um dos movimentos sociais mais vitoriosos da história brasileira. Entre suas grandes vitórias destaco duas em particular: a derrota da noção de democracia racial e a entrada da discussão étnico-racial na agenda política nacional. Logicamente há muitas outras, de grande importância, mas estas duas talvez sejam as que mais gerem impacto, mais coloquem em relevo o debate sobre as desigualdades geradas pelo racismo em nossa sociedade.Ao colocar a descoberto a noção de democracia racial o Movimento Negro deu passos importantes para que o país se percebesse com uma sociedade preconceituosa com relação à sua população negra. E isso não se deu de uma hora para a outra, foi a partir de vários e distintos movimentos que vieram em ondas, por décadas a fio, até culminar com o discurso de posse de Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro governo admitindo pela primeira vez que o Brasil era, sim, um país racista.Dado esse passo, partimos para as discussões em torno do que fazer diante desta constatação. E aí, não tenho dúvida, avançamos significativamente ao colocar em questão as políticas de ação afirmativas que, digo sempre, vão muito além das cotas, avançam no sentido de estimular não só o debate sobre as desigualdades étnico-raciais mas também confrontam cada indivíduo, cada instituição e o próprio Estado brasileiro com o dilema de admitir e buscar soluções para que as desigualdades geradas pela discriminação racial sejam superadas.Você fala que o Movimento Negro se ancora em personalidades, partidos e/ou órgãos governamentais e é um fato. Mas o MN também tem espaços outros, muitas vezes expontâneos que reúnem distintos atores, às vezes até com discursos bem diferentes dos nossos ditos "os militantes". Não vejo problema nisso, para mim o problema está sempre quando outras agendas se sobrepõem à agenda do MN. Por exemplo, quando o militante partidário se vê refém da posição do partido, mesmo quando isso confronte a agenda do MN, quando as ditas personalidades se apropriam dessa agenda em benefício próprio ou, ainda, quando, os tais órgãos públicos perdem o foco principal para o qual foram criados e tornam-se apêndices de governos e não mecanismos do próprio Estado para combater as consequências do racismo.Creio que influenciamos, sim, na pauta política nacional, o que devemos, sem dúvida, é influir muito mais. Acredito que não devemos discutir apenas assuntos "de negro". Temos que discutir as grandes agendas nacionais e colocar nosso ponto-de-vista sobre essas questões mais gerais. Por exemplo: nos últimos meses em vários estados brasileiros ocorreram chuvas fortes que dizimaram vidas, ceifaram esperanças e destruíram sonhos e expectativas de milhares e milhares de pessoas. Quando vemos quem são essas pessoas em sua maioria as veremos negras. Ora, este é um dado da realidade. O Brasil hoje é um país extremamente urbano com mais de 80% de sua população residindo nas grandes cidades. Por outro lado, quando olhamos para os movimentos de luta pela terra, vemos que a maioria dos que ali estão são afro-descendentes. Logo, não podemos nos furtar em discutir o modelo de desenvolvimento atual, o modelo econômico nacional, a política urbana, a política agrária entre outras.Precisamos discutir as questões referentes ao pré-sal e à aplicação dos recursos daí advindos. Ora, o Rio de Janeiro reclama hoje em perder 7 bilhões/ano dos royalties do petróleo. A pergunta é: o que o Rio fazia com esta dinheirama antes? Em que foi aplicada? A quem beneficiou?Muito falamos em cotas nas universidade, perfeito, fantástico, precisamos disso. Mas e os cursos técnicos? E a educação de base? E o acesso? Enfim, precisamos amplificar o foco da nossa discussão, mas devemos pensar isto de forma estratégica, visando atingir objetivos futuros certos, concretos, objetivos. Caso contrário estaremos sempre agindo reativamente ao que vier e não nos colocando na linha de frente, na vanguarda dos acontecimentos.
Afropress - Como você acha que a Plataforma pode mudar esse quadro, especialmente em um ano eleitoral?Márcio - Penso que a Plataforma Brasileira pelas Ações Afirmativas terá algumas tarefas essenciais para atingir os objetivos que ela se propõe. Em primeiro lugar não deverá gerar sobretrabalho, ou seja, não deverá se interpor ao que já está sendo feito. O papel da Plataforma deverá ser o de aglutinar, agregar, servir como guarda-chuva e ao mesmo tempo potencializar as ações já existentes. Penso que o primeiro passo é agir na perspectiva "missionária", ou seja, convencer as massas, discutir com estudantes, com trabalhadores, com setores contrário às ações afirmativas entre outros sobre o que é tal coisa e a que ela se propõe. Ao longo dos anos eu percebi que muitos dos que se colocam contrários às nossas agendas o fazem muito mais por ignorância, desconhecimento, do que por preconceito puro e simples. Penso que a existência de uma Plataforma como está só tem sentido se ela chamar para a roda os grandes "players" para o debate, para uma discussão profunda e não apenas apaixonada sobre os temas que estamos colocando em discussão. Exemplo: quando falamos em comunicação no Brasil sabemos que mais ou menos 11 ou 12 famílias detêm o controle das comunicações no país. Quantas vezes dialogamos com a família Marinho aqui no Rio de Janeiro ou família Frias em São Paulo? Essa, Dojival, é uma discussão que você já colocou e que é imprescindível. Precisamos fazê-la, a questão é, quem faz? Quando penso numa Plataforma como esta é exatamente para juntar as várias forças políticas que temos espalhadas Brasil afora e, quando este grande guarda-chuva chamado Plataforma Brasileira pelas Ações Afirmativas, chamar algum desses grandes players para a roda, eles saberão que estarão dialogando com o que há de mais consistente e qualificado para o debate em nosso campo.Afropress - A relação de entidades fundadoras e apoiadoras, inclui desde Governos, até empresas de consultoria, além de fundações internacionais. Não há aí um erro conceitual? Ou seja: um Movimento dessa dimensão não deveria ser puxado por personalidades da sociedade civil, primeiro, para depois abarcar entidades, e, a partir daí conseguir os apoios - inclusive financeiros - para a viabilização das tarefas?Márcio - Não sei, pode ser. Eu vou te dizer o que digo sempre: eu sou um construtor de pontes. Minha principal vaidade é sempre ver as idéias ganharem forma. Pouco importando se foi com o que pensei inicialmente, mas sempre acho importante a aprimoração a absorção de outras idéias para formar um caldo volumoso, gostoso e que dê um bom sabor ao prato principal, que é a idéia original.O que você chama de entidades fundadoras é, na verdade, um conjunto de organizações que, ao longo dos anos, venho identificando como aquelas que estariam dispostas a dialogar nesta perspectiva de criação de uma rede em torno das ações afirmativas. Não são ainda fundadoras porque não tivemos ainda a reunião de fundação. Não me lembro de empresas de consultoria mas há sim, órgãos do governo e organizações internacionais de apoio. Mas tanto os órgãos de governo como as organizações internacionais estão sendo convidadas como apoiadoras da iniciativa. Natural, meu caro Dojival, afinal precisamos não só de recursos financeiros, mas também de apoio político. Por exemplo: como uma estrutura como esta que está sendo proposta surgiria e se desenvolveria sem ter uma relação próxima de diálogo com a Seppir? Por outro lado, como a Seppir que é órgão criado para facilitar as discussões em torno dos temas relacionados à Plataforma, não a apoiaria? Não se colocaria como uma parceira?Eu gostaria muito que as personalidades políticas se colocassem. No entanto, eu percebo que há entre nós um temor muito grande em colocar a cara para bater. Muita gente posa de prima-dona mas na hora do vamos ver se esconde. Como não queremos criar constrangimento para ninguém estamos buscando construir os apoios políticos pelas vias institucionais, o que é muito mais interessante. Mas veja bem, é fundamental que as personalidades se coloquem em algum momento. Como será fundamental mais ainda que as lideranças comunitárias, de base, também se coloquem. Pois aí sim, teremos condições de dizer que estamos construindo um movimento legítimo a partir dos respaldos de distintos setores.
Afropress - Quais os pontos que você destaca como centrais na Plataforma e como essas questões se desdobram no projeto de ampliar a democracia no Brasil, de modo a torná-la inclusive, incluindo a nós negros, portanto, que somos os que historicamente estão majoritariamente de fora?Márcio - O que nossos adversários já perceberam há muito tempo é que não estamos aqui querendo disputar as migalhas do poder, queremos o poder, queremos refazer as bases do país e, portanto, reconstruir a dita democracia brasileira que beneficia poucos em detrimento da exclusão de muitos. Portanto, quando falamos em ações afirmativas, estamos falando em alteração do status quo e isso provoca apreensão em setores à direita e também à esquerda em nosso país. Portanto, temos que todos os dias nos preparar, nos qualificar para este enfrentamento. Uma articulação como a Plataforma não pode surgir para discutir o varejo das relações étnico-raciais. Seu papel é discutir o atacado, é influir no macro, é amplificar as vozes das organizações que atuam neste campo em todo o país.
O papel da Plataforma não é representar ninguém, mas é dar musculatura, pujança, poder, para aqueles e aquelas que nos representam, é servir como um cinturão de apoio, uma base de sustentação para que a agenda construída ao longo dos anos não recue, não se fragilize.
Afropress - É visível no Brasil que as entidades, ou organizações como alguns preferem, que falam em nome dos negros no Brasil, estão abrigadas majoritariamente nos partidos (puxadinhos dos partidos), ou dos Governos e deles dependem.
Não tem peso, nem influência para mudar a pauta, nem tampouco conexão com os negros que historicamente estão de fora.
Como se pode alterar esse quadro, no sentido de construirmos um movimento com raízes profundas na sociedade, capaz de ter aliados em amplos setores e, portanto, projetar a mensagem de que, sem inclusão dos negros, portanto, sem o enfrentamento e superação da cultura racista, não se pode falar em democracia no Brasil, nem em Estado de Direito, tampouco?
Márcio - Bom, eu já fui e ainda sou muito crítico aos negros que estão nos partidos políticos. Com o passar dos anos fui flexibilizando um pouco minhas críticas até porque os diálogos que foram sendo feitos me fizeram olhar algumas questões de maneira diferente. Uma delas é que temos que concordar que no modelo atual em que vivemos a única forma de acessar o poder é via partidos políticos. O que penso, no entanto, e aí mantenho um pouco do cerne da crítica que sempre fiz, é que falta visão estratégica sobre como chegar e ocupar as esferas de decisão dos partidos políticos.Repare você que hoje quase todos os partidos brasileiros têm seus "movimentos negros", tanto partidos à esquerda, quanto à direita.
Este para mim é um indicador de duas questões importantes:
1) há negros e negras em todo o espectro político-partidário brasileiro;
2) estes partidos percebem que não podem ignorar o debate étnico-racial.
Logo, há um espaço a ser ocupado e o que precisamos descobrir é o como.
A mim me impressiona ver determinadas figuras se agigantarem nas reuniões do MN e, quando chegam nos espaços político-partidários agirem como cordeiros.
Algo aí está errado e é este erro que precisamos corrigir. Algumas pessoas dizem que não podemos jogar a criança fora com a água da bacia e, para mim, esta é a discussão central.
Não podemos prescindir de estar nos espaços político-partidários, mas temos que ter estratégias, temos que sustentar os nomes que lá colocarmos, temos que pensar em bloco, agir em bloco.
Um exemplo, estamos há pouquíssimos meses das eleições ninguém fala da Cristina Almeida, do Amapá, que quase tirou Sarney do Senado.
Cristina Almeida virá candidata? Quais suas reais chances?
Como ela está atuando politicamente neste momento?
Pouco se fala. Cristina veio candidata pelo PSB, é membro da executiva deste partido.
Ontem o país inteiro a viu nos telejornais que mostrou a executiva do PSB reunida para não dar a legenda ao Ciro Gomes, e aí, como fica?
Como podemos apoiar uma companheira valorosa como esta?
Como está a eleição de Paim no Sul?
Benedita não conseguiu legenda no Rio, João Jorge luta para conseguir a sua na Bahia, enfim: onde, quando, quem e como se está discutindo estratégia política dentro do MN?
O que se vê é xororô, críticas pesadas, corais e corais de ressentidos/as de todos os tipos e matizes. Mas na hora do vamos ver, na hora de pensar a estrategia, são poucas as caras que vemos. É isso que precisamos alterar.
Júlio Tavares fala com muita propriedade da necessidade de nos tornarmos propositivos cada vez mais e reativos de menos. É a isso que estamos nos propondo.
Queremos proposições, queremos atingir objetivos profundos, não queremos apenas o auê, o oba-oba! Queremos resultados e para isso precisamos adotar métodos estratégicos eficazes.
Afropress - Faça um balanço da Campanha quem do Axé diz que é?
Márcio - A campanha Quem é de Axé diz que é!, nasce um pouco no bojo da concepção da Plataforma, ou seja, como podemos falar para nós mesmos e ao mesmo tempo impactar o outro? Como lidar com a afirmação de um viés religioso que, para se defender tornou-se quase clandestino e que todas as vezes que se coloca para fora recebe as mais incríveis formas de discriminação religiosa?
Partimos de duas premissas básicas. Primeiro que é importante afirmar a identidade, segundo, é importante que quem nos discrimina nos conheça, pois quase sempre a discriminação surge como fruto da ignorância de nossa prática religiosa.
Por exemplo, nós matamos animais?
Claro que os matamos. Mas nós os comemos, tal como faz todo mundo.
Ou seja, entre nós e o carnívoro comum existente na maioria da nossa sociedade, a nossa única diferença é que sacralizamos aquele animal antes de sua morte.
Antes dele se tornar refeição para nós, ele é refeição para os Orixás, depois ele é banquete para a comunidade do egbé.
Mas quem não nos conhece, pensa que simplesmente matamos e abandonamos o animal morto, como se nenhum significado tivesse.
É necessário portanto, estartar mais à frente o segundo momento da campanha que diz: "Quem conhece não discrimina". Hoje a campanha está em todos os estados da Federação.
De norte a sul as casas religiosas, as organizações sociais, grupos culturais entre outros setores estão se apropriando da expressão "quem é de axé diz que é" e a estão usando de várias formas. Isso é fantástico, pois atingiu o objetivo que queriamos desde o início, ou seja, que esta fosse uma campanha além de uma ou outra instituição.
Afropress - O que pretende e o que propõe a campanha?
Márcio - O objetivo da campanha é impactar o Censo.
É demonstrar que é impossível que um milhão de pessoas participe das festas para Yemanjá em Salvador e somente 140 mil se declarem praticantes do candomblé.
Queremos demonstrar que nós somos milhões no país inteiro.
Que ao sermos de umbanda, candomblé, omolocô, quimbanda, xangô, mina, xambá entre outras manifestações, formamos o grande matiz da religiosidade de matriz africana de nosso país.
Afropress - E quanto a proposta de uma CNBB Negra lançada na Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial?
Márcio - Então, este talvez seja um caso clássico daquilo que tentei te responder em sua sexta pergunta, ou seja, quem devemos chamar quando começamos a construir ações estratégicas amplas como o Forum Nacional de Religiosidade de Matriz Africana.
A proposta do Forum é fantástica, necessária e importantíssima para se avançar no debate sobre a intolerância e o desrespeito religioso em nosso país.
No entanto ela hoje está paralisada em função de que há grande dificuldade em identificar os atores que devem estar puxando essa articulação.
Claro, estamos falando de uma articulação religiosa, o que envolve algumas delicadezas políticas, no entanto, é um indicador interessante de como se comportam os movimentos políticos em nosso campo.
Minha idéia, meu caro amigo Dojival, é fugir de determinadas armadilhas.
O sucesso que tivemos com a construção da Plataforma Dhesc e com a Cris Brasil são sinais claros e positivos de que podemos construir algo novo nos espelhando em experiências exitosas. E é nisto que acredito ao propor a criação desta Plataforma.
Afropress - Faça as considerações que julgar pertinentes.
Márcio - Uma semana atrás eu tornei público para as organizações a quem enviei a proposta da Plataforma o meu afastamento do Coletivo de Entidades Negras (CEN).
Esta já era uma decisão tomada desde o ano passado quando fiquei doente, pois não teria mais condições de acompanhar o cotidiano de uma instituição do porte do CEN e suas questões internas.
Ao me desligar do CEN e lançar a proposta da criação da Plataforma pretendo deixar claro que esta - a criação da Plataforma - é uma proposta sem donos onde um conjunto imenso de organizações, inclusive o próprio CEN, está convidado a integrá-la.
O sucesso da Plataforma será a diversidade dos seus membros, será a amplificação de setores além do Movimento Negro para que possamos, efetivamente, construir uma pauta sustentável politicamente no que se refere à temática étnico-racial em nosso país.
Não é uma construção fácil. Sei que surgirão críticas e elas são naturais.
Mas tudo que peço às pessoas é que antes tentem entender a proposta, pois só assim, poderão fazer críticas relevantes que avancem além da antipatia por mim, ou minhas idéias.
Eu aqui estou apenas como um agente de uma proposta que não é apenas minha, mas de um conjunto de organizações e pessoas que vêem dialogando há mais de um ano.
Sou apenas um porta-voz, não uma liderança, e meu papel, como já disse, é o de construir pontes.

O Negro no Futebol

O Negro no Futebol
FONTE:AFROPRESS


Por: Reportagem: Cláudia Alexandre, da Assessoria de Imprensa do Museu Afro-Brasil - 3/6/2010
S. Paulo - Em tempos de Copa do Mundo, o Museu Afro-Brasil celebra a presença negra no futebol brasileiro com a exposição "De Friendereich a Edson Arantes do Nascimento", que reune fotografias, esculturas, publicações e filmes. A exposição será aberta no dia 20 de junho.
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S. Paulo - Para destacar a presença dos jogadores negros na história do futebol brasileiro e homenagear aqueles que verdadeiramente fizeram deste esporte uma paixão nacional, o Museu Afro Brasil – Organização Social de Cultura - e a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo inauguram no dia 20 de junho, domingo, às 12 horas, a exposição “De Arthur Friedenreich a Edson Arantes do Nascimento. O negro no futebol brasileiro”. A exposição contará com reproduções fotográficas, esculturas, objetos, peças promocionais, caricaturas, textos, publicações e filmes biográficos que incluem personalidades desde Arthur Friedenreich, futebolista negro que brilhou nas décadas de 20 e 30, passando pelos craques Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Castilho, Didi, Djalma Santos, Jairzinho, Garrincha e o “rei” Pelé, entre outros . A mostra é também uma homenagem ao futebol brasileiro, no ensejo da Copa do Mundo da África do Sul, historicamente a primeira realizada em território africano. A curadoria é de Emanoel Araujo, Diretor-Curador do Museu Afro Brasil. ExposiçãoA exposição toma como base uma extensa documentação pesquisada em órgãos da imprensa brasileira a partir de 1920 até a Copa do Tri Campeonato Brasileiro em 1970, apresentando textos publicados sobre o assunto como “O negro no Futebol Brasileiro”, de Mário Filho; “Negro, Macumba e Futebol”, do antropólogo alemão Anatol Rosenfeld; as crônicas de futebol “Á Sombra das chuteiras imortais” e “A Pátria em Chuteiras”, de Nelson Rodrigues; “A história do Futebol em São Paulo”, de 1918; biografias dos atletas contemplados na exposição; caricaturas do artista Miécio Caffé, publicadas no jornal A Gazeta Esportiva; do caricaturista Lan; trechos de filmes de Carlos Niemeyer e do cinegrafista Primo Carbonari; filmes biográficos de Mané Garrincha e Pelé; além de poesias de vários poetas brasileiros e músicas relativas ao tema.Pelé Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, foi cantado em verso, prosa e virou sinônimo do Brasil, por seus feitos nos campos e com a bola nos pés. Na exposição ele pode ser visto em obras que destacaram seu brilhantismo, como nas duas esculturas de Humberto Cozzo, na tela de Aldemir Martins (1973) e na fotografia de Madalena Schwatz (Retrato de Pelé,1982), entre outras. Vale a pena ver de perto a medalha de prata do Ano Comemorativo da Despedida (1974) e as peças, brinquedos e miniaturas inspiradas na figura do “rei”. Outra curiosidade é a coleção de caixas de fósforos lançadas na década de 50, com fotos dos Campões de 58, a primeira Copa do Mundo vencida pelo Brasil.De Arthur Friedenreich a Edson Arantes do Nascimento Não foi fácil, no começo, a aceitação do esportista negro no Brasil. Em alguns clubes no Rio de Janeiro e São Paulo essa presença era terminantemente proibida, quanto mais da elite era o clube. É sabido que o Fluminense Futebol Clube, tradicional Clube das Laranjeiras do Rio de Janeiro, o negro não entrava em seus quadros sociais e muito menos na sua equipe de futebol. Assim também era em São Paulo, com o Esporte Clube São Paulo. A questão da ambigüidade vive lado a lado em todos os momentos da vida nacional. Veja esse exemplo: “Ninguém do Fluminense, pensava em termos de cor, de raça. Se Joaquim Prado,winger-left do Paulistano, quer dizer, extrema esquerda, recebido de braços abertos no Fluminense. Joaquim era preto, mas era de família ilustre, rico, vivia nas melhores rodas.”O futebol seria mesmo cultura brasileira? Seria uma porta de entrada à cultura brasileira? Poderia ser uma porta para ascensão um social do esportista negro? O homem Negro Brasileiro com suas raízes ancestrais africanas teria no corpo e na alma um especial talento instintivo para esse esporte? Para responder essas e outras questões da inclusão do homem negro no mundo do futebol a exposição “De Arthur Friedenreich a Edson Arantes do Nascimento. O negro no futebol brasileiro” apresentará o que foi escrito por alguns pensadores, críticos e comentaristas esportivos, suas opiniões, além das imagens que recuperam a trajetória de desportistas negros na história do futebol brasileiro. Contribuição negraO certo é que a grande contribuição dos afrodescendentes ao esporte nacional ficou e fica cada vez mais patente, não só no futebol nacional, mais em muitas seleções européias, com presença constante, principalmente nos países chamados de colonizadores do extenso território africano. O futebol, que nascera do estrato de uma elite social rica e de origem européia, cada vez mais se tornava brasileiro, incorporando nos seus quadros atletas afrodescendentes. Torcedores do povo faziam desse esporte mais nacional, mais brasileiro, as torcidas cresciam e viam nesses astros da bola narcisamente um espelho de sucesso, a popularidade desses se transformava em mania nacional, uma doença mesmo. Intelectuais, políticos, poetas, escritores, músicos, pintores e cartunistas expressavam suas paixões pela magia da bola que corria nos pés desses desafiadores da gravidade, desses dançarinos soltos no ar, desses requebrados mirabolantes. Príncipes, reis, reis da bola, como o rei Pelé, descrito assim pela verve de Nelson Rodrigues: “Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador, Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda corte em redor”.A exposição “De Arthur Friedenreich a Edson Arantes do Nascimento. O negro no futebol brasileiro” dedicará a esses atletas que magnificamente atuaram em seus clubes ou que representaram o Brasil nos campeonatos internacionais de clubes ou da seleção brasileira de futebol como geniais mágicos da bola. Significa uma homenagem à memória de antigos esportistas que inscreveram seus nomes na história desse esporte que, de tão popular, mexe e remexe com a alma de milhões de brasileiros de todas as cores, de todos os credos e de todas as raças.CopasA primeira Copa do Mundo foi em 1930, e só 28 anos depois o Brasil se tornou campeão mundial, em 1958. E essa fibra se deveu aos titulares e reservas Gilmar, Castilho, Djalma Santos, De Sordi, Bellini, Mauro, Orlando, Zózimo, Nilton Santos, Oreco, Zito, Dino, Didi, Moacir, Garrinha, Joel, Mazolla, Vavá, Pelé, Dida, Zagalo e Pepe. Na Copa do Mundo de 1962 ficou consignada a superioridade do futebol brasileiro, e os bicampeões mundiais foram Gilmar, Castilho, Djalma Santos, Jair Marinho, Mauro, Bellini, Zózimo, Jurandir, Nilton Santos, Altair, Zito, Zequinha, Didi, Mengálvio, Garrinha, Jair da Costa, Vavá, Coutinho, Pelé, Amarildo, Zagalo e Pepe. O Brasil se tornou tricampeão de futebol em 1970, no México, com uma seleção dos sonhos que ainda continua viva em nossa memória pela maravilha de espetáculos dados pelos nossos jogadores, e, assim, quem não se lembrará dos gols de Jairzinho, Pelé e Tostão, dos canhões de Rivelino, dos sensacionais passes de Gerson e das declarações emocionadas do maior de todos os jogadores, o senhor Edison Arantes do Nascimento que, assim, com essa vitória, dava por cumprida sua contribuição ao selecionado brasileiro e ao futebol do Brasil?Houve um tempo, não muito distante, em que os jogadores de futebol eram verdadeiros artistas da bola, eram magníficos astros, e então eles ganhavam belos codinomes dados pela imprensa ou pelos críticos esportivos. Para Arthur Friedenreich, o mulato de olhos verdes, foi o El Tigre ou, como lhe chamava seu pai, o “Pezinho de Ouro”. Era um marcador implacável, feroz, dizem que em vida marcou mais de 1.200 gols, lá pelos idos dos anos 20 e 30. Em 1919 marcou o gol da vitória contra o Uruguai, virou herói nacional, abriu, assim, o espaço para o homem negro no futebol brasileiro, antes branco e elitista. Ele era filho de um comerciante alemão e de uma lavadeira negra brasileira, nasceu no bairro da Luz em São Paulo, em 18 de julho de 1892 e morreu, em 1969, aos 77 anos. A invenção da bicicletaDepois dele, vieram tantos e tantos outros. Astros como Domingos da Guia e Leônidas da Silva, o chamado “Diamante Negro”, o inventor da bicicleta, que era aclamado pela imprensa, nas páginas das revistas, nos comerciais.Este último foi, dizem, um dançarino no campo, seu corpo tinha a elasticidade de um capoeirista. O mencionado Nelson Rodrigues não raro se referia a Didi, em suas crônicas esportivas, “com o seu magnífico tipo racial de príncipe etíope de rancho”, aquele que também tinha criado a famosa jogada intitulada “folha seca”. Garrincha, esse era a paixão nacional, o maior ponta-direita do mundo, cantado em prosa e em versos, como estes de Vinícius de Morais:O anjo de pernas tortas A um passe de Didi, Garrincha avançaColado o couro aos pés, o olhar atentoDribla um, dribla dois, depois descansaComo a medir o lance do momento.Vem-lhe o pressentimento; ele se lançaMais rápido que o próprio pensamento,Dribla mais um, mais dois; a bola trançaFeliz, entre seus pés – um pé de vento!Nuns o transporte, a multidão contrita.Em ato de morte se levanta e gritaSeu uníssono canto de esperança.Garrincha, o anjo, escuta e atende: Gooooool!É pura imagem: Um G que chuta um O.“Assim, além do grande mito do futebol de São Paulo dos anos 1920, Arthur Friedenreich, por certo, muitos desses fenomenais atletas continuam na nossa memória por suas conquistas, sobretudo nas três grandes conquistas brasileiras de 1958, 1962 e 1970. Eles afastaram a sombria depressão provocada pela Copa de 1950. Djalma Santos, o sisudo e sóbrio, e Nilton Santos, o atrevido, ambos bicampeões do mundo. Quem não homenagearia Gerson, o canhotinha de ouro, Rivelino com seus chutes de canhão, o elástico Gilmar e a grande e bela figura do capitão Bellini? Ademir da Guia, filho do genial Domingos da Guia, e, por fim, Zizinho e sua alegre presença de malabarista, moleque impondo seu compasso como se fosse um sambista. E assim, em seu A pátria em chuteiras, no artigo “O escrete do sonho”, lemos de Nelson Rodrigues: “Pelé maravilhosamente negro, poderia erguer o gesto, gritando: ‘– Deus deu-me sangue de Otelo para ter ciúmes da minha pátria’. E assim brancos e pretos somos 90 milhões de Otelos incendiados de ciúme pela pátria, Emanoel Araujo.
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