Posição da UNEGRO sobre Estatuto da Igualdade Racial
Edson França*
A UNEGRO é favorável a votação imediata do Projeto de Lei nº 6.264 de 2005, que institui o Estatuto da Igualdade Racial. A proposta prevê políticas públicas para garantir a efetivação da igualdade de oportunidades para população negra. Está em trâmite, no Congresso Nacional desde o ano 2000. Hoje se encontra na Comissão Especial destinada a proferir parecer ao projeto, instituída por Arlindo Chinaglia, então, presidente da Câmara dos Deputados.
Qualquer proposta importante para o país, especialmente quando diz respeito à população negra ou pobre, enseja polêmicas, pois direitos efetivos para pobres se instituem com investimentos financeiros. Na explanação dos motivos que sustentam nosso apoio ao Estatuto da Igualdade Racial, identificarei as polêmicas e o lugar que se encontram. Antes é fundamental dizer que apoiamos o Estatuto da Igualdade Racial pelos seguintes motivos:
O Estatuto da Igualdade Racial inaugura um novo paradigma de políticas de combate ao racismo, substitui a criminalização do fenômeno (Lei Áurea, Lei Afonso Arinos, Lei Caó, criminalização constitucional) pelo atendimento das demandas sócio-políticas que incide negativamente na qualidade de vida da população atingida.
Está em consonância com as orientações contidas na Declaração de Durban e no Plano de Ação (DDPA), resultantes da III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, promovida em 2001, em Durban, África do Sul.
Seu mérito contempla muitas reivindicações do movimento negro. Prevê ações afirmativas na saúde, educação, cultura, esporte e lazer; contra intolerância religiosa; acesso a terra e moradia adequada; trabalho; dispõe de medidas nos meios para valorização da cultura negra e dos profissionais negros; implanta o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – SINAPIR; garante a obrigatoriedade de previsão de recursos para ações afirmativas nos planos plurianuais e nos orçamentos anuais da União.
Necessidade e responsabilidade do Estado brasileiro lançar mão de medidas efetivas que incide positivamente na qualidade de vida da população negra. Após 121 anos de abolição os negros brasileiros ainda acumulam desvantagens no campo econômico, social e político, delas decorrem outras variadas desvantagens.
As políticas universais são insuficientes para diminuir a desigualdade entre negros e brancos. Compreendemos que a pobreza e a desigualdade devem ser combatidas com políticas universais e políticas específicas, as duas são indissociáveis.
A principal tarefa relacionada ao Estatuto da Igualdade Racial será garantir a efetiva implantação após a aprovação no Congresso Nacional e sancionamento pelo Presidente da República. Para isso será necessária muita unidade no movimento negro – principal avalista do Estatuto –, pois as forças políticas e sociais que rejeitam sua aprovação negarão sua implantação.
Está saturada a discussão do Estatuto, as posições estão explicitadas e cristalizadas. Segundo o Senador Paulo Pain, a espinha dorsal da proposta está mantida. Apesar dos ataques que sofreu não está completamente desfigurado, ao contrário, enriqueceu em vários aspectos.
Estamos no momento de exigir imediata aprovação. Não interessa ao Movimento Negro e a população negra mais 10 anos de debates sem objetividade. O voto da esmagadora maioria dos delegados e delegadas na Conferência Nacional de Igualdade Racial – II CONAPIR aprovou essa tese.
Por fim, somente o processo político que se dará após sua aprovação poderá contribuir com o acúmulo de forças aos beneficiários do Estatuto da Igualdade Racial e permitir as condições necessárias para aperfeiçoá-lo. Nossa Constituição já foi alterada mais de 40 vezes, assim funcionam as leis, elas evoluem em acordo com as mudanças da correlação de forças políticas que disputam projetos na sociedade.
Hoje estamos no limite da negociação o adiamento da votação e aprovação fortalecerá os adversários. Não podemos nos expor a derrota. Nossa base social que está sedenta de algo mais concreto que palavras. Desejam melhoras na qualidade de vida. Para isso temos que abandonar as fantasias quixotescas e nos posicionar como líderes responsáveis e pragmáticos.
Inimigos do Estatuto da Igualdade Racial
Há quem não deseja a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e quem insiste na continuidade do debate que perdura há exatos nove anos. São vários os argumentos, alguns discutíveis, por isso temos que partir para o convencimento, sem prejuízo de nossa madura posição, e outros temos que combater porque negam essa e outras propostas que venham ao encontro dos anseios e necessidades da população negra.
Os partidos Democratas (DEM), PSDB, PPS e parte importante do PMDB são contra o Estatuto da Igualdade Racial e de qualquer política de promoção da igualdade racial. Por isso combatem todas as iniciativas governamentais e as principais propostas que, contrariando o mito da democracia racial, atendem as reivindicações do movimento negro.
São os proponentes e defensores de Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADIN), Propostas de Emendas Constitucionais (PEC), Decretos Legislativos (DL) e Projetos de Leis (PL), cujos alvos são as conquistas constitucionais e os avanços do Governo Lula. Esses são inimigos dos pobres e dos negros, viraram as costas para toda a nação. Desejam manter privilégios da classe dominante, têm compromissos históricos com o capitalismo que só trouxe atraso e arbítrio ao Brasil.
As bancadas ruralistas, evangélicas e da comunicação sentem seus interesses corporativos ameaçados, por isso decretaram guerra a pontos importantes da proposta. Essas bancadas são compostas por parlamentares de vários partidos, estão unidas aos três partidos da reação nessa matéria.
Os ruralistas resistem às propostas que beneficiam os quilombolas, especialmente as relacionadas a terra (todo decreto 4887/03) contida no substitutivo relatado pelo, então, Senador Rodolpho Tourinho e aprovado no Senado. A terra sempre foi fator de dominação, nela os senhores de engenhos, os grandes cafeicultores, os coronéis, os latifundiários e o agronegócio exercem o mando no Brasil, bem como mantém na marginalidade grande contingente populacional.
Os parlamentares evangélicos que compõe a bancada evangélica resistem todo o Capítulo III, "do direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos", em razão desse capítulo incidir sobre as religiões de matriz africanas. Na verdade estendem a agressão ao candomblé e a umbanda para outros cenários, do rádio, televisão e jornal ao parlamento.
Compreendemos que negar direitos é agressão. Nesse caso, a bancada evangélica agride toda nação, visto que tentam usar o poder do Estado para impor convicção religiosa a coletividade, rompendo com uma conquista fundamental da humanidade: separação do Estado e Igreja. A UNEGRO defende um Estado laico, onde as convicções religiosas não determinam o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico.
A bancada da comunicação, a serviço das poucas famílias que dominam a oligarquia dos meios de comunicação de massa no Brasil, rejeita o Capítulo VI, "dos meios de comunicação". Em nome do direito à livre expressão negam a presença e participação dos negros nas produções televisivas, cinematográficas e publicidade.
Além dos parlamentares lacaios que a obedecem com toda subserviência no Congresso Nacional, a oligarquia midiática - formada por poucas famílias que detém a Rede Globo (Marinho), Editora Abril (Civicta), Folha de São Paulo (Frias), Estado de São Paulo (Mesquita) e Saad (Bandeirantes), Sirotsky (Brasil Sul) e Record (Universal) - milita contra todas as propostas de igualdade racial ou de progresso social.
São inimigos do avanço do anti-racismo e dos direitos dos trabalhadores no Brasil. Esse cartel manipula informações, faltam com a verdade nos seus veículos, pressionam os congressistas e buscam subtrair a legitimidade da agenda de promoção da igualdade racial.
Essas forças se beneficiam da resistência, dúvida e eqüidistância dos partidos e dos parlamentares de esquerda. Falta assumirem a aprovação do Estatuto como algo de fundamental importância para o fortalecimento da democracia no Brasil. Hoje a defesa está restrita ao movimento negro, SEPPIR e raríssimos parlamentares negros.
Essa omissão é um elemento de acirramento de convicção dos contrários e acúmulo de força política efetiva para sua vitória. Não consideramos as forças de esquerdas, mesma as contrárias ao Estatuto da Igualdade Racial, inimigas da população negra. Algumas têm oferecido contribuições importantes à luta contra o racismo no Brasil, mas preocupa-nos a similaridade dos argumentos contrários em todas as matizes ideológicas, cujo pano de fundo é a recusa em aceitar a existência de um problema racial no Brasil e que o atendimento das desvantagens históricas que os negro acumulam divide o povo.
Posições Paradoxais
Posições paradoxais são aquelas que dificultam ou tentam impedir a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial oriundas de organizações, pessoas ou forças políticas do movimento negro. Há lenidade na conceituação. Considero uma irresponsabilidade membros do movimento negro obstaculizar a mais importante proposta com vista a beneficiar a população negra brasileira. Especialmente quando esse posicionamento está sob a égide da vaidade, oportunismo político, sem leitura e acompanhamento do texto, e com argumentos evasivos. Localizo duas posições paradoxais:
A primeira posição paradoxal deseja a manutenção do debate com vista a recuperação de perdas, ou melhor, defesa intransigente da redação inicial. É uma posição eivada de teimosia, ignora todos os argumentos e os avanços conquistados nesses 09 (nove) anos de ininterruptos debates.
Não bastasse a delicada correlação de forças que coloca o Estatuto da Igualdade Racial na berlinda, há compreensão – a UNEGRO avaliza – que o artigo 68 da ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) é auto-aplicável. Basta um decreto presidencial para estabelecer as regras para titularização das terras quilombolas. Nesse caso uma lei rebaixa direito.
Lula no primeiro ano de seu governo resolveu esse déficit através do Decreto 4887/03. Esse Decreto vai ao encontro dos interesses prioritários das comunidades remanescentes de quilombos. Por isso a sanha da bancada ruralistas e do DEM em confrontar essa medida através da proposição de um decreto legislativo para anular o 4887/03, e a entrada de uma ADIN no Supremo Tribunal Federal questionando o Decreto.
Não há prejuízo real aos quilombolas a saída do conceito de território do Estatuto, está assegurado no Decreto 4887/03 e na auto-regulamentação do artigo constitucional que institui a posse das terras aos quilombolas. Ademais, o Estatuto prevê em seus 72 artigos medidas para beneficiar aproximadamente 90 milhões de negros e negras brasileiras do campo e da cidade, não podemos tornar esse fato menor, falamos da metade da população brasileira.
Quanto ao Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, há dois problemas que impedem sua manutenção no texto do Estatuto: vício de iniciativa, constitucionalmente o legislativo não pode propor leis que gerem despesa, é prerrogativa exclusiva do executivo. Por isso o Senador Paulo Pain deu entrada no Senado Federal na PEC 536/06.
Outro problema é a inobservância do princípio da transversalidade. Esse princípio consiste na defesa de que todos os espaços governamentais (ministérios, secretarias, etc.) devem dispor de recursos, programas e políticas de promoção da igualdade racial. A centralização num único fundo prejudicaria o desenvolvimento das ações afirmativas, pois instituiria uma gavetinha para toda população negra. Por isso abriu um capítulo no Estatuto da Igualdade Racial tratando do financiamento das políticas - conforme citação acima.
Temos que manter o debate com o setor que defende essa posição, seu sentido parece ser de defesa e não confronto com a proposta, ainda que essa defesa possa esconder uma estratégia de inviabilização ou venha a atrapalhar a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.
A manutenção da polêmica contribui para que alguns inimigos e amigos distantes, capciosamente, aleguem que não há acordo no movimento negro e deixem o debate transcorrer "ad eternum". Sabemos que as posições estão cristalizadas e o Estatuto será aprovado no voto.
A segunda posição paradoxal defende a retirada imediata do Estatuto da Igualdade Racial do Congresso Nacional e rediscussão do projeto. Trata-se de uma forma disfarçada de defrontar com a proposta em trâmite, amplamente apoiada pelo movimento negro para ocupar um espaço singular no debate.
A posição contrária de uma organização com histórico no movimento negro é um prato cheio aos inimigos do Estatuto da Igualdade Racial, tentarão usá-la para impor uma dura derrota aos negros brasileiros. Por isso merecem nossa mais contundente crítica, pois o resultado da retirada do Estatuto de pauta no Congresso Nacional coincidirá com os buscados pelas posições reacionárias e racistas que sempre oprimiu a população negra: negação de direitos.
Há um acentuado grau de oportunismo na forma como vem se dando esse posicionamento, não se relaciona a estratégica da Reparação Humanitária apregoada por uma organização no movimento negro. É um calculo político primário e simples: demarcam de forma visionária campo político, aparecem no primeiro momento antipático aos olhos da maioria.
Sabendo da dificuldade que será a implantação da lei, voltam ao centro do debate entre os que dirão "eu disse", ao mesmo tempo em que tentam impor uma agenda rejeitada há muito tempo pelos negros brasileiros. A posição da UNEGRO é transparente: pela aprovação imediata do Estatuto da Igualdade Racial e pela construção de uma ampla aliança envolvendo o movimento negro e todos os segmentos do movimento popular para tirá-lo do papel após sua aprovação. As leis são instrumentos para as conquistas, não a conquista em si.
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