Tombados - não! Erguidos –
uma reflexão pelos 25 anos do Tombamento da Pedra do Sal,
Epicentro da Pequena África e de nosso Quilombo!
Hoje, 2009, dois anos após a fatídica reunião da VOT – Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitencia - contra os quilombolas da comunidade Pedra do Sal e a irresponsabilidade de denunciá-los pelo suposto fim de suas escolas na Região Portuária; quatro após o ápice da violenta remoção de moradores (pela mesma VOT) da região de suas ditas propriedades, sem direito social e institucional de defesa, já que até “jagunços urbanos” e senhores do direito foram deslocados para garantir a saída dos moradores pobres dos locais onde viviam e moravam: Rua do Escorrega, Adro de São Francisco, Travessa do Sereno, Rua São Francisco da Prainha e adjacências.
Estamos prestes a comemorar 25 anos de tombamento da Pedra do Sal, como monumento de identidade do negro (afrodescendente) na Região Portuária do Rio de Janeiro. Por que estamos nos manifestando com essa introdução para falar do tombamento da Pedra do Sal? Porque não podemos deixar de atentar e ilustrar que do âmago dessa história de sofrimento para muitos dos nossos, quilombolas e não quilombolas, foi gestada de forma espontânea e estratégica nossa combatividade e nossa formação política de confronto de guerrilha intelectual no quilombo Pedra do Sal.
Nossa visão de passado negro nos integra e nos promove a um amarramento conceitual que levou nossa fala do ‘santo, do porto e do samba’ a ser referência para iniciação de nossa construção. Nunca citamos o intelectual negro Jose Rufino dos Santos como quilombola, mas não seriamos tão precisos se não fosse sua inteligência visionária de nos recuperar, quando nos recuperou o símbolo que hoje não queremos que caia (tombe!).
A nossa identidade quilombola vai além das fronteiras físicas da Pedra do Sal... cobre toda Pequena África. A História ainda responderá esse questionamento. O ‘Cemitério dos Pretos mortos (Novos)’ está fora de nossa composição de território definido pelo INCRA. Quantos sítios, existentes pela Pequena África, não teremos por território, embora sejam fidedignas as nossas identidades? Mas a propriedade. .. a discussão... o desgaste... Deixa-nos às vezes sem combatividade para tantas frentes!
O quilombola historicamente é um guerrilheiro, um soldado da razão da liberdade instintiva e de manutenção de sua identidade. Trouxemos isso da África e hoje aplicamos nossa guerrilha com as armas que temos: nossa voz e um saber político de que estamos em nossa vez, como nunca estivemos antes... nossa vez de sermos respeitados e reconhecidos, como nunca histórica e socialmente fomos; nossa vez de não construirmos racismos e estigmas de racismos, ‘caso não sejamos provocados pelos que silenciam o seu racismo na demagogia e dissimulações públicas, e quando os apresenta e a nós transferem a responsabilidade de sua arrogância secular, como se nós propuséssemos uma nova escravidão sendo o negro o agente da escravidão do branco’.
Foi assim que o jornalista Nelson Barreto, que se apresentou no Congresso Nacional, como representante da Venerável Ordem Terceira (a VOT), no ano de 2007, tentou incutir para opinião pública pelo seu livro “denuncia” o nefasto - “Revolução Quilombola” essa projeção.
No Legislativo Federal, esse jornalista, teve voz e vez para nos atacar, e mesmo assim parlamentares cariocas, até negros, afrodescendentes, que estavam lá, em silencio estavam e em silencio ficaram. Nós temos a transcrição das falas e dos que estavam presentes no plenário e não se manifestaram.
Lamentamos muito por esses que pretos são, mas são só pretos na cor da pele (a cabeça é predatória contra o povo de sua origem tanto quanto brancos insensíveis possam ser) e mercenários nas ações. São, no nosso ver, corruptores das histórias que ainda estamos por escrever de igualdade de fato entre os tantos multicores no Brasil e no mundo. Alimentam o desejo político de serem “Obamas”, mas sem princípios, sem ética, e sem tantas coisas – que é impossível! – retificando o início do parágrafo: nem lamentamos!
Muitos dos nossos antepassados africanos escravizados foram aguerridos e resistentes, mesmo no silêncio das senzalas - e onde desumanamente viviam nas áreas de possíveis concepções urbanas nos tempos idos do Império e da Colônia. Foram aguerridos e resistentes pela manutenção do culto de nossa gente, de nossa necessidade de conversar com os mais jovens sobre nossa história, nossos cantos e cânticos que eram orações de nossas lendas e de evocações de nossos deuses (orixás), etc. Todos tinham em si um sentimento quilombola pronto para despejar contra o sistema de escravização cruel que a sociedade cristã européia constituiu na sua formação capitalista (mercantil) e nos impôs um protagonismo para dor.
O Tombamento da Pedra do Sal, mesmo tendo sido oriundo de uma política de poucos intelectuais, nos gabinetes da cultura local do Estado do Rio de Janeiro, na gestão que o Secretário de Cultura era o também Vice-Governador, o antropólogo Darcy Ribeiro, era um mar inteiro represado que precisava de uma brecha para seguir seu destino de legitimar o seu povo e o ser negro na região da “Pequena África”.
É esse o espírito da comunidade quilombola Pedra do Sal nesse momento de festa e reflexão de nosso tombamento. Estamos erguidos e não tombaremos! Estamos em processo de arrebatamento. “Negro acorda é hora de acordar / Não negue a raça / Faça de toda manhã um dia de graça...” Antonio Candeia, teve por felicidade essa fala em um de seus sambas, entre tantos de informação e reflexão de nossa identidade. É hora de acordar!
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