O deputado Carlos Santana (PT-RJ), presidente da Frente Parlamentar da Igualdade Racial, está completando o quinto mandato consecutivo na Câmara Federal. São 18 anos de luta, principalmente, pelo combate ao racismo e pela aprovação de políticas afirmativas para compensar "a dívida que a sociedade brasileira tem com o povo afrodescendente", diz.
Este ano ele presidiu a comissão especial que analisou e aprovou o projeto de lei 3198/00, que cria o Estatuto da Igualdade Racial. O texto ainda precisa de aprovação do Senado para virar lei.Nesta entrevista ao Informes o deputado disse que o estatuto vai garantir a inclusão de 90 milhões de brasileiros que vivem num processo de apartheid, de exclusão e é motivo de comemoração neste 20 de novembro - Dia da Consciência Negra. "Ainda existe muita discriminação racial no Brasil, mas temos que reconhecer os avanços", afirmou. Para Carlos Santana, o Dia da Consciência Negra deveria ser feriado nacional. "Uma data para refletir sobre as desigualdades raciais. Para conhecer a nossa história e saber o quanto a raça negra foi escravizada e discriminada", enfatizou. Carlos Santana faz questão de lembrar também a sua origem operária, na Rede Ferroviária Federal (RFFSA), e a sua batalha contra a extinção da rede.
Por Vânia Rodrigues
Informes - Deputado, neste dia 20 - Dia da Consciência Negra - o que o brasileiro tem a comemorar? Estamos avançando em termo de igualdade racial ou ainda existe muita discriminação?
Carlos Santana - Estamos engatinhando na questão racial no Brasil. Temos muita discriminação e preconceito. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, recentemente uma professora de literatura, na cidade de Macaé, foi demitida porque baseou sua aula na história da África, das religiões de matrizes africanas. E o mais grave é que os alunos e seus pais apoiaram a decisão da direção da escola. Isso é um absurdo. Temos também casos de crianças que são chamadas pelo professor de "frango de macumba", por causa da cor de sua pele, isso é inaceitável. Mas tivemos avanços, embora tímidos. A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, foi o primeiro passo: deixamos de ser dois parágrafos na lei - Lei Áurea e houve o reconhecimento de que não há igualdade racial no Brasil, o que sempre foi negado. Com essa aprovação, mesmo não sendo a ideal, vamos conseguir que 90 milhões de brasileiros que vivem num processo de apartheid e exclusão brutal passem a ser incluídos. Acho que já dá para se pensar em comemoração, mesmo que seja pequena, uma vez que ainda temos um longo caminho até chegarmos à igualdade racial de fato.
No Rio de Janeiro nesta data (20/11) é feriado, o senhor defende que o feriado seja estendido a todo o Brasil? Qual a importância da data?
Claro que o Dia 20 de Novembro tem que ser um feriado nacional. Estamos lutando para que o Congresso Nacional aprove a lei sobre o tema. Várias cidades brasileiras já têm lei reconhecendo o dia como feriado, mas temos que ter um dia específico para todo o Brasil parar e refletir sobre as desigualdades raciais. Para conhecermos a nossa história e saber o quanto a raça negra foi escravizada. Para mostrarmos à sociedade que, quando num gesto demagogo, proclamou-se a Lei Áurea, não houve reparação, como no caso dos judeus, nem mesmo um pedido de desculpas para o povo afro-brasileiro. O Dia 20 de novembro é também simbolo da libertação, do despertar da consciência, dia de reverenciarmos Zumbi dos Palmares um dos nossos maiores heróis.
E quais eventos vão marcar o Dia da Consciência Negra ai no Rio de Janeiro?
Vamos realizar o Acorda Zumbi, que já está na sua nona edição e que reunirá no Point Chic, em padre Miguel - subúrbio da Zona Oeste, mais de 80 mil pessoas. Esse evento começou em 2004, quando doei um Busto de Zumbi para a comunidade. No início, a comunidade se reunia para comemorar a data e reverenciar o nosso herói. Mas, atualmente, estamos aproveitando o mês de novembro para realizarmos palestras e debates sobre o tema igualdade racial nas escolas e nas universidades da região como na Faculdade São José e Moacir Bastos.
Um instrumento para minimizar ou reparar as desigualdades é o Estatuto da Igualdade Racial. Que avanços a lei vai assegurar?
O projeto original, PL 3198/00, do ex-deputado federal e atual senador Paulo Paim (PT-RS), foi concedido para garantir direitos essenciais à população negra brasileira em sua totalidade. O texto, que tem caráter compensatório e sobretudo reparatório, impõe normas com finalidade de combater a discriminação racial incidente sobre a população negra, com a implantação de políticas públicas pelo Estado. O texto assegura empregos com incentivo do governo para empresas com mais de 20 empregados que contratarem pelo menos 20% de negros. Fica garantida também a liberdade religiosa, programas de moradia do governo federal com tratamento equitativo à população negra, e foi fixadas diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. O Estatuto proíbe, ainda, que os empregadores exijam boa aparência e peça fotos em currículos de candidatos a empregos.
Como está a tramitação no Senado, o que ainda falta para que o Estatuto de fato vire lei?
Ele está no Senado Federal, onde há um acordo para se constituir uma comissão especial para aprová-lo, a fim de que o presidente Lula possa sancioná-lo ainda neste ano. O nosso grande sonho era ver o texto aprovado até este dia 20 de novembro. Se não for possível, continuaremos na articulação para que vote o mais rápido possível.
Como presidente da Frente Parlamentar pela Igualdade Racial, quais são os principais desafios? Quais as conquistas contabilizadas até agora?
A Frente Parlamentar da Igualdade Racial vem trabalhando para que o negros deixem de ficar em segundo plano e passem a ter acesso a saúde, a educação e ao emprego. Estamos trabalhando por reparação histórica, uma vez que foram os negros que carregaram esse País nas costas. Venho percorrendo o Brasil para que se possa unificar todas as reivindicações dos afro-brasileiros. Sabemos que no Brasil o racismo é ideológico e temos que acabar com isso. É um trabalho árduo porque, mesmo no século XXI, temos trabalho escravo. O exemplo são as domésticas, que não ganham horas extras, adicional noturno. Enquanto não resolvermos o problema dessa categoria, que para mim é símbolo, continuaremos lutando. Os afrodescendentes brasileiros exigem reparação.
Além da luta permanente pela igualdade racial, o senhor tem 18 anos de mandato dedicado também a outras frentes de trabalho como, por exemplo, a defesa dos trabalhadores da Rede Ferroviária Federal. Como ficou a situação da categoria?
Eu sempre afirmo que estou deputado. Que sou, com muito orgulho, caldereiro metalúrgico da Rede Ferroviária Federal. Nós conseguimos impedir que a MP 246 que extinguia a Rede fosse barrada. Categoria nesse momento está muito reduzida e nós continuamos trabalhando e defendendo que o Brasil tenha uma ferrovia forte e de qualidade, porque onde há trilhos há progresso.
E sobre o retorno dos trabalhadores demitidos no Governo Collor, o que está sendo feito?
A grande maioria dos demitidos já retornou ao trabalho. Creio que 80% já deles estão trabalhando. Alguns foram alocados em outros órgãos, porque ou não havia mais a função original, outros estão em cursos de reciclagem. Mas estamos atentos porque ainda tem gente esperando para ser reintegrada à sua função.
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