quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

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Pesos e medidas
Fonte: Correio Braziliense
Sueli CarneiroDoutora em filosofia da educação, é diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra
Não, não há racismo na demissão de uma gestora pública em nível de ministra sobre a qual pairem suspeitas de uso indevido de dinheiro público ou erro administrativo — tratando-se ou não de pessoa negra. Há, no entanto, racismo e discriminação no tratamento que foi dispensado à ex-ministra Matilde Ribeiro dentro e fora do governo. A ministra não é chamada pelo presidente da República, de quem seria pessoa de confiança, para se explicar. É sabatinada com direito a muitos “pitos” e aconselhamento para se demitir por outros três ministros supostamente equivalentes a ela. Evidencia-se aí o que parece ser o caráter simbólico do título de ministra. Demitida, é exposta numa patética coletiva de imprensa, jogada aos leões, sem a presença de nenhuma das figuras de expressão do governo ou de seu partido para emprestar-lhe “solidariedade” como houve em outros casos similares. Na mídia, proliferam charges que extrapolaram, em muito, o objeto central das irregularidades de que era acusada. De forma grotesca, deram plena vazão aos estereótipos. As ilustrações de sua figura nos órgãos de imprensa serviram-se de todos os clichês correntes em relação às pessoas negras. Em uma delas, ela é representada sambando com batas africanas e tranças rastafári, como se esses traços de identidade falassem por si e, portanto, explicassem os erros que lhe custaram o cargo. Foucault já explicou como se dá esse processo que ele nomeou de “dobrar o delito” acoplando-lhe “uma série de outras coisas que não são o delito mesmo, mas uma série de comportamentos, de maneiras de ser que (...) são apresentadas como a causa, a origem, a motivação, o ponto de partida do delito”. O resultado dessa operação é que a falha cometida se torna a marca, o sinal de uma suposta imperfeição congênita de uma pessoa ou, mais ainda, de seu grupo social. É como se estivesse inscrito em sua natureza, devendo, por isso, ser objeto de humilhação pública para servir de alerta aos que se esquecem dessa ausência “natural” de qualidade e os elevam a posições para as quais não estariam talhados. Presta-se também como ameaça aos outros, do mesmo grupo inferiorizado, que porventura ousem desejar atingir os mesmos postos. São formas de punição preventivas e educativas em que a estigmatização e a humilhação funcionam para reafirmar a incapacidade e despreparo para assumir função diretiva. Em outras palavras, a necessidade de controle social e tutela desses segmentos sociais. Adicional e imediatamente promoveu-se a confusão entre a pessoa da ministra e sua pasta. Passaram a pedir não apenas a sua cabeça mas também a extinção do órgão que dirigia. Alguém imagina pedir-se a extinção de qualquer outro ministério ou secretaria especial porque seu titular cometeu um desvio de conduta? Veiculou-se na imprensa que o presidente Lula estaria “particularmente aborrecido porque lutou muito pela criação da Secretaria da Igualdade Racial, antiga reivindicação do movimento negro, e foi criticado pela decisão de criar mais uma pasta. Para o presidente a atitude de Matilde Ribeiro dá agora argumentos aos adversários para quem a secretaria não tem função”. Ora presidente, a disfunção da então ministra não pode confundir-se com a função da secretaria como desejam os adversários. A contaminação dos atos da ministra sobre a pasta que estava sob seu comando pode ser justificativa para ceder às pressões daqueles que, dentro e fora do governo, operam para a desestabilização daquele órgão; aqueles que propagam que não somos racistas no Brasil e, portanto, negam as mazelas sociais que o racismo produz e conseqüentemente esvaziam de sentido essa secretaria. Enquanto Matilde Ribeiro é convidada a se demitir, outros se tornam ministros ou assumem mandatos parlamentares com suspeitas muito graves. Portanto, há discriminação quando as regras não se aplicam igualmente a todos, ou melhor, no fato de que alguns devem ser exemplarmente punidos e outros não. Há racismo na associação entre a negritude da ministra e seus atos. Há racismo no aproveitamento político de falha pessoal de uma gestora pública para a desqualificação da pasta que ela dirigia. Há racismo na utilização das irregularidades cometidas para negar a existência do problema racial e da necessidade de que o seu combate seja objeto de políticas públicas. A agenda de combate ao racismo e promoção da igualdade racial permanece como compromisso do governo no plano nacional e internacional, gostem ou não gostem os detratores. O presidente Lula da Silva precisa estar atento para que o caso de Matilde Ribeiro não seja usado, indevidamente, como o álibi perfeito para o abandono e negação desses compromissos. A crise na Seppir é também oportunidade de dotá-la das condições políticas e materiais necessárias para estar à altura desses compromissos — sobretudo o de transversalizar o tema da promoção da igualdade racial nas diversas áreas da administração pública.
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Matilde Ribeiro e a imaginação racista branca
Por Jaime Amparo Alves* Ao meu ver, a queda da ministra Matilde Ribeiro traz ao debate público dois pontos importantes: o moralismo dirigido da midia grande e a criativa imaginação racista branca. Como era de se esperar, Matilde foi fuzilada em tempo recorde, talvez isso explique a falta de reação do movimento negro frente ao linchamento público a que a ministra tem sido sumariamente submetida. Não é segredo que a crise da Sepir foi criada muito antes do escândalo dos cartões corporativos. A corajosa e coerente entrevista cedida `a BBC Brasil em meados de 2007 foi a munição que o complexo mediático necessitava para a sua campanha contra as políticas de igualdade racial do governo Lula. Com propriedade, Matilde disse que se o povo negro não está investido de privilégio, como pode ser acusado de racismo? A entrevista rendeu um processo judicial impetrado por deputada do PSDB. O ‘mau’ uso do cartão corporativo era tudo o que a media grande necessitava para justificar sua obcessiva tese de que o gorveno Lula é o mais corrupto da história. Derrotada nas urnas pela vontade popular, e derrotada no tempo pela popularidade inigualável do ex-metalúrgico, a imprensa precisa desesperadamente investir no caos. Inadimissível que aquele nordestino semi-analfabeto, ‘pé-rapado’, gentinha dos Silva, propício ao vício e populista continue ocupando o cargo de chefe da nação. Lula tem que ser nossa mula, diria Diogo Mainard em seu cinismo cruel.Matilde Ribeiro carrega todas as marcas que a imprensa busca obstinadamente apagar do imaginário brasileiro e dos centros de poder. Negra, da periferia de São Paulo, ex-empregada domestica. Carregando o peso de ser mulher e ser negra na sociedade brasileira, Matilde sabia que sua pasta teria de ser a melhor, e seu comportamento teria de ser impecávelmente. Anomalia é corrupção entre os brancos. O universalismo branco se aplica também `a ética. Nesta esfera, escândalo é que venha `a tona corrupção envolvendo aqueles cuja cor da pele é ‘naturalmente’ investida de privilégios. Maluf incorpora bem a categoria do escândalo, do absurdo, do chocante! Pitta, Matilde, Benedita da Silva, e Claudete Alves, entre outros, são aquelas ‘deixas’ que a imprensa necessita para produzir seu ‘discurso de verdade’. É como se já estivessem predestinados a isso. Bastaria a imprensa investir na tese e buscar a materialidade do crime. Daí porque a caída de Matilde é também um alerta sério a toda/os negra/os ocupando cargos na administração pública: os padrões de dominação racial no Brasil são sofisticadíssimos. A meia dúzia de negros que está no poder está exatamente na linha de frente destes padrões. A esta altura é bom nos prevenirmos do equivoco de romantizar autoridades negras e/ou relativizar a ética na administração pública. Redundante dizer que autoridade pública tem que responder pelos seus erros custe o que custar! Mas não compremos o boi pelo bife, para usar a frase de Perseu Abramo. O que se busca é deixar explícito o moralismo dirigido da grande midia e as artimanhas do racismo brasileiro. Matilde devia saber que é mais facil um negro ser punido por comprar uma tapioca com o cartao corporativo da Presidencia da Republica do que FHC e sua turma ser presa por vender a Vale do Rio Doce por R$ 3 bi (o que agora vale R$ 170bi). Por quê a tapioca de R$ 8,00 comprada pelo ministro dos esporte chama mais a atenção do que o escândalo das privatizações? O cartão corporativo foi criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não se tem notícia de reportagem questionando sua criação e os critérios de uso. Quais os critérios usados pela imprensa pra eleger os graus de corrupção? Quais são os critérios de noticiabilidade usados por Folha, Estadão, Veja e Globo quando a pauta é o governo Lula? O comportamento da midia brasileira nos anos Lula será assunto obrigatório em qualquer disciplina sobre ética jornalistica nas escolas de comunicação do país. A tese mediática já está aí: o governo Lula é o mais corrupto da história. O desafio diário dos jornalistas da midia grande tem sido encontrar fatos que dêem sentido real aos textos já prontos nas redações doe Rio e de São Paulo.Por fim, o trágico no triste episódio envolvendo Matilde Ribeiro não é apenas a indefensabilidade de sua conduta no uso do cartão, em que pesem as limitações orçamentárias da pasta. Trágico também é a constatação de que a Seppir nunca teve e não terá força política no governo Lula. Isso porque as políticas públicas desenhadas alí morrem na pasta do Planejamento e da Fazenda. Um Ministério sem estrutura e sem expressividade no orçamento da uniao. Um prato cheio para a imaginação racista branca!* Jaime é jornalista e militante do movimento negro em São Paulo07/02/2008 - 09:52:12
Nota ao Brasil
fonte:
www.irohin.org.br
FORÇA NEGRA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.
“A demissão da Ministra Matilde Ribeiro, a irresponsabilidade de Flávio Jorge e o oportunismo de Martyus Chagas”.

A partir de Novembro de 2006 e praticamente durante todo o ano de 2007 o nosso campo político publicou uma série de documentos analisando e denunciando uma ação inescrupulosa que comprometia o processo democrático no Partido dos Trabalhadores e também na SEPPIR – Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial. A Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT onde o Força Negra perfaz 50% de sua composição está sob uma obstrução orquestrada que propositalmente não reúne o coletivo nacional há vários meses, a própria Executiva Nacional do PT não se posiciona sobre um recurso apresentado por militantes que solicitam a intervenção na instância e uma posição do partido. A situação de Martyus Chagas, Secretário Nacional de Combate ao Racismo, que ocupa cargo no PT e no Governo Lula, como adjunto e agora interino da ex ministra Matilde Ribeiro é só um exemplo da falta de ética do núcleo de comanda a SEPPIR. Esse grupo político idealizou o projeto hegemônico da criação e ocupação total do ministério a partir da construção do nome de Matilde Ribeiro que não era oriunda do movimento negro brasileiro. Em nossas publicações avaliamos o primeiro mandato do Governo Lula e apontamos graves problemas de implementação das políticas raciais básicas e as razões da sua ineficiência. Enquanto isso, o movimento negro brasileiro silenciava-se dissimulando não ver e não ouvir os meandros de uma crise que sinalizava o pior. O principal mentor e articulador dessa concepção política é Flávio Jorge que após criar essa estratégica megalomaníaca acabou expondo o movimento negro brasileiro e uma população de mais de 80 milhões de afro-descendentes a uma verdadeira vergonha nacional sem precedentes. O pronunciamento da Ministra Matilde Ribeiro pedindo exoneração no último dia 01 de Fevereiro representou o final da segunda etapa de escândalos que teve início na equivocada entrevista à rede BBC. Foram os dois únicos momentos que a SEPPIR apareceu em evidencia para o povo brasileiro em todo o seu mandato. O que retrata uma verdadeira incompetência política e administrativa desse grupo que afinal de contas estava rompido a mais de um ano. Ou seja, as criaturas Matilde e Martyus voltaram-se contra o criador Flávio Jorge. Tanto que a Ministra responsabilizou e demitiu ao vivo para todo o Brasil os dois assessores ligados a Flávio Jorge na SEPPIR. Esse grupo político que já deve estar articulando a sucessão do ministério traiu a nossa ancestralidade e deferiu um golpe certeiro na secular luta pela liberdade do povo negro brasileiro e da sua principal vertente o movimento negro. “O sangue e a vida de nossos guerreiros antepassados foi desprezado pelo egocentrismo de famintos de alma e de ideal”. Nelson Mandela, que ficou vinte e sete anos na prisão, foi seduzido várias vezes com melhorias pessoais de conforto e alimentação e nunca aceitou mordomias. Mas sempre dizia não, e só aceitava alguma coisa quando conquistava melhorias para todos os detentos. Ele sempre disse: “Só negociarei com o regime segregacionista a liberdade do meu povo, nunca benefícios pessoais”, e assim Mandela derrubou a segregação racial institucional na África do Sul. “Mandela não pensou apenas na árvore, mas sim na floresta”. Os grandes líderes agem assim, não se vendem para o sistema. Zumbi manteve o Quilombo dos Palmares enfrentando o colonialismo, mas também os negros traidores e delatores. Estamos em plena era do pelourinho eletrônico e tecnológico que a partir dos meios de comunicação surra em massa a dignidade e a luta de todo o povo negro do Brasil. Fruto da manutenção do padrão europeu de Estado e Sociedade que torna irrelevante a existência do racismo institucionalizado reduzindo-o a problemas sociais e de classe. É só lembrarmos da recente campanha contra a titulação das terras quilombolas e o decreto 4887/2005. O resultado fatal dessa concepção foi a exposição da Ministra Matilde Ribeiro como presa fácil para a elite racista brasileira que hipocritamente puniu uma mulher negra, aliás, que sabia muito bem o que fez e de ingênua não tem nada. É lógico que essa elite não demonstrou o mesmo ímpeto e coragem para fazer uma campanha contundente na mídia e colocar os chefes do Mensalão na cadeia. E mesmo no caso dos “cartões de crédito” sabemos que a elite branca governamental gastou e continuará gastando dez mil vezes mais em viagens, hospedagens, e fartos banquetes. Contudo, o discurso fácil de que a razão da demissão da Ministra é meramente resultante do racismo é um engodo reproduzido pelo seu próprio núcleo de apoiadores. Nisto, o campo Força Negra vem a público manifestar a sua indignação dizendo que a responsabilidade por tudo que está acontecendo é do grupo político liderado por Flávio Jorge, Matilde Ribeiro, e Martyus Chagas que entre o amor e o ódio ainda estão juntos. A imprensa e a sociedade brasileira têm que entender que o movimento negro não é uma coisa só, e existem várias e diferentes organizações no movimento social, e em correntes partidárias. A maioria do movimento negro no Brasil não tem nada a ver com esse campo político que conduziu a política racial no PT e no movimento social desde o início da década de 90. A irresponsabilidade desse grupo deflagrou um desgaste histórico na luta de combate ao racismo no país que influenciará negativamente a agenda política a partir de 2008. A única saída é o fortalecimento de nossas organizações políticas que devem ser verdadeiramente democráticas irrompendo com a vulnerabilidade do individualismo e de sucessivos golpes internos. Outro fator é o constante surgimento de militantes relâmpagos e sem história no movimento negro brasileiro que só almejam espaços públicos e comprometem sucessivamente a seriedade da nossa luta. Só assim, teremos a segura construção de um projeto estratégico de nação do ponto e vista do povo negro brasileiro para a sociedade. Sabemos que a partir de agora nada será como antes. A falta de credibilidade desse campo político resultou no limite que culminou num constrangedor pedido de exoneração da Ministra Matilde Ribeiro. Onde a própria composição da SEPPIR, entidades e partidos, não se manifestou em defesa à ministra, ou mesmo pediu demissão coletiva num grande ato político contra o racismo transmitido para todo o país. Agora, com certeza surgirão várias “personalidades” sem militância no movimento negro pleiteando o cargo, e outros setores também ausentes aparecerão fazendo análises e manifestando o seu posicionamento. No entanto, desde 2006 o nosso campo “o FORÇA NEGRA do PT” – formado por militantes de várias correntes do partido – vem construindo esse ponto de vista crítico e de oposição à incompetência na gestão da SEPPIR e a falta de ética na Secretaria Nacional de Combate ao Racismo, liderada pelo mesmo grupo. Em 2007 denunciamos para o Brasil que a tese “Democracia pra Valer” era uma farsa e não condizia com a prática de seus dirigentes no PT e que eles usariam a estrutura governamental para construir esse campo, com uma base “levanta crachá” seduzida pelos recursos provindos da SEPPIR. Nesse sentido, pedimos ao presidente Luís Inácio Lula da Silva que abra o diálogo conosco e com o movimento negro brasileiro e considere que devemos assumir conjuntamente o processo de reestruturação da SEPPIR e das relações raciais no Partido dos Trabalhadores. Só assim, construiremos a unidade necessária para o fortalecimento da agenda política das ações afirmativas para enfrentar a desigualdade racial que assola cada vez mais o segundo país em população negra do mundo. E, que a II Conferência Nacional da SEPPIR não seja mais um desperdício de dinheiro público, pois das resoluções e diretrizes resultantes da I Conferência, nada foi implementado.
Força Negra do Partido dos Trabalhadores – Coordenação Nacional – 06/02/2008.

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