Estamos acompanhando, indignados e com grande apreensão, os seguidos ataques que as lideranças políticas dos partidos de oposição de direita, os editoriais dos principais jornais do país e parte da intelectualidade brasileira vêm desferindo contra a aprovação do Projeto de Lei nº 73/99, o qual, entre outras medidas, vai instituir o sistema de cotas para alunos negros, indígenas e da rede pública de ensino nas unidades de ensino das universidades públicas federais.
Notamos que esses ataques vêm se intensificando nos últimos anos, em função das medidas que o Governo Federal, respondendo à agenda política da intelectualidade e do movimento social negro, tem implementado para que as universidades públicas federais deixem de perpetuar o racismo institucional e passem a considerar a questão racial como um dos principais pilares para a democratização do acesso e da permanência bem sucedida na universidade. Da mesma maneira que acontece em outros setores da nossa sociedade, sabe-se que a forma de ingresso no sistema público de ensino superior brasileiro, historicamente, tem privilegiado os(as) estudantes brancos(as) que, de um modo geral, representam a pequena, a média ou alta burguesia de nossa sociedade.
Com efeito, no Brasil, o sistema de educação sempre esteve ligado ao racismo. Primeiramente, durante a escravidão, criou-se medidas que impediam os negros de estudar. Após a abolição da escravidão, as crianças negras foram privadas da educação formal ou destinou-se a elas uma educação de baixa qualidade, com a transmissão de “lições” que depreciam a cultura de matriz africana, produzindo altos índices de evasão do alunado negro, em todos os níveis da rede pública de ensino.
Sabemos que o Projeto de Lei nº 73/99, articulado com a garantia das cotas e das ações afirmativas, no texto da Reforma Universitária, visa, antes de qualquer coisa, à democratização do acesso ao ensino superior. Por isso mesmo, temos a convicção de que essa medida representa não apenas uma conquista do Governo Federal, mas, principalmente, da intelectualidade negra, do movimento social negro, do movimento estudantil, da CUT, do MST, do EDUCAFRO, do Movimento dos Sem-Universidade e de todos os movimentos sociais que, de uma maneira ou de outra, se engajam na luta pela conquista da cidadania em nossa sociedade.
Queremos enfatizar também que, na medida em que o racismo institucional avança – somos da opinião que o Estado brasileiro tem, ao longo de sua história, agido de forma injusta e discriminatória, em relação à população negra –, é legítimo que se adotem medidas que procurem equacionar a desproporção da pobreza que atinge, sobretudo, a população negra e indígena de nosso país. Por isso, é lícito que a lei que versa sobre a educação superior contemple, em seu texto, a construção da justiça e da igualdade racial para os segmentos historicamente discriminados. A universidade pública precisa se transformar, de fato, em um direito do povo negro, assim como ela já tem sido para outros grupos sociais e étnico-raciais da população.
Analisando a reação das forças conservadoras da intelectualidade, dos meios de comunicação de massa e dos próprios partidos políticos que se recusam a enxergar as mazelas do racismo, no âmbito das unidades públicas de ensino superior, no Brasil, nós, do Movimento Negro, do Movimento Estudantil, do Movimento Sindical e Popular em atuação no Estado de São Paulo e no país, decidimos nos manifestar, explicitando que os ataques que têm sido feitos contra o Projeto de Lei nº 73/99 e contra a permanência das cotas no texto da Reforma Universitária não refletem o pensamento da intelectualidade negra, nem do movimento social negro e dos demais movimentos envolvidos na luta pela democratização da Universidade e a qualidade do ensino no país.
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